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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O verdadeiro jejum

Sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 08 de 22 de fevereiro de 2018

Quaresma: tempo privilegiado de penitência e de jejum. Mas que penitência e que jejum quer o Senhor do homem? Com efeito, o risco é «maquilhar» uma prática virtuosa, ser «incoerente». E não se trata apenas de “escolhas alimentares”, mas de estilos de vida em relação aos quais se deve ter a «humildade» e a «coerência» de reconhecer e corrigir os próprios pecados. Foi a reflexão que, no início do caminho quaresmal, o Pontífice propôs aos fiéis durante a missa.

Palavra-chave da meditação, sugerida pela liturgia do dia, foi “jejum”: «jejum diante de Deus, jejum que é adoração, jejum «a sério», porque «jejuar é uma das tarefas a fazer na Quaresma». Mas não no sentido de quem diz: «Como apenas os alimentos da Quaresma». Com efeito, comentou Francisco, «aqueles alimentos constituem um banquete! Não significa mudar a alimentação ou preparar o peixe de um modo ou de outro, mais saboroso». Caso contrário, só se «continua o carnaval».

A Palavra de Deus, frisou, admoesta que o «nosso jejum seja verdadeiro. Verdadeiro a sério». E, acrescentou, «se não podes fazer o jejum total, aquele que faz sentir a fome até aos ossos», pelo menos «faz o jejum humilde, mas verdadeiro».

Na primeira leitura (Isaías 58, 1-9), a este propósito, «o profeta ressalta muitas incoerências na prática da virtude». E precisamente «esta é uma das incoerências». O elenco de Isaías é pormenorizado: «Dizeis que me procurais, que falais de mim. Mas não é verdade», e «no dia do vosso jejum cuidais dos vossos negócios» (ou seja: «jejuar é um pouco despojar-se», preocupamo-nos por «ganhar dinheiro»). E ainda: «Recrutais todos os vossos operários», isto é, explicou o Papa, enquanto se diz: «Agradeço-te Senhor porque eu posso jejuar», desprezam-se os operários que além de tudo «devem jejuar porque não têm o que comer». A acusação do profeta é direta: «Eis que para contendas e debates jejuais, e para ferirdes com punho iníquo».

É uma ambiguidade inadmissível, explicou o Pontífice: «Se quiseres fazer penitência, fá-la em paz. Mas, por um lado, não podes falar com Deus e, por outro, falar com o diabo, convidar ambos ao jejum; esta é incoerência». E, seguindo sempre as indicações da Escritura («Não jejueis mais como fazeis hoje, de maneira o vosso barulho seja ouvido»), admoestou contra o exibicionismo incoerente. Trata-se da atitude de quem, por exemplo, recorda sempre «nós somos católicos, praticamos; eu pertenço àquela associação, nós jejuamos sempre, fazemos penitência». A eles pediu idealmente: «Mas, jejuais com coerência ou fazeis a penitência incoerentemente como diz o Senhor, com barulho, para que todos o vejam e digam: “Mas que pessoa justa, que homem justo, que mulher justa”?». Com efeito, isso «seria uma maquilhagem; seria maquilhar a virtude. Camuflar o mandamento». E é, acrescentou, uma «tentação que algumas vezes todos temos, «de nos pintar em vez de levar a sério a virtude, aquilo que o Senhor nos pede».

Ao contrário, o Senhor «aconselho aos penitentes, àqueles que jejuam que se pintem, mas a sério: “Jejuai, mas mascarai-vos para que não vejam que estais a cumprir a penitência. Sorri, sê alegre». Diante de tantos que «têm fome e não podem sorrir», sugere ao crente: «Procura a fome para ajudar os outros, mas sempre com o sorriso, porque tu és um filho de Deus e o Senhor ama-te muito e revelou-te estas coisas. Mas sem incoerências».

A este ponto, a reflexão do Pontífice tornou-se ainda mais profunda para responder à pergunta “que jejum quer o Senhor?”. A resposta vem ainda da Escritura onde se lê antes de tudo: «Inclina a tua cabeça como um junco». Ou seja, humilhar-se. E a quem perguntar: «Como posso humilhar-me?», o Papa respondeu: «Pensa nos teus pecados. Todos têm tantos», e «envergonha-te», porque mesmo se o mundo não os conhece, Deus conhece-os bem.

Por conseguinte, «este é o jejum que o Senhor quer: a verdade, a coerência».

Há depois que acrescentar: «Quebrar as correntes iníquas», «Tirar o vínculo do jugo». O exame de consciência, neste caso tem como objetivo a relação com os outros.

Para melhor se fazer compreender, o Papa deu um exemplo muito prático: «Eu penso em tantas empregadas domésticas que ganham o pão com o seu trabalho» e que com frequência são «humilhadas, desprezadas». E acrescentou uma recordação pessoal: «Nunca poderei esquecer uma vez que fui a casa de um amigo, quando era criança. Vi a mãe dar uma bofetada na empregada, tinha 81 anos... Nunca me esqueci disso». As perguntas do Pontífice a quem tem empregados domésticos foram muito diretas: «Como os tratas? Como pessoas ou como escravos? A paga é justa, dás-lhe férias, é uma pessoa ou é um animal que te ajuda em casa?». Um pedido de coerência que é válido também para os religiosos («nas nossas casas, nas nossas instituições»): «Como me comporto com a empregada que tenho em casa, com as empregadas que estão em minha casa?». E acrescentou outra experiência pessoal, recordando-se de um senhor «muito culto» mas que «explorava as empregadas», o qual, posto diante da consideração de que se tratava de «um pecado grave» contra pessoas que são «imagem de Deus», objetava: «Não, Padre, devemos distinguir: estas são pessoas inferiores».

Por isso é necessário: «Eliminar o vínculo do jugo, desatar as correntes iníquas, mandar em liberdade os cativos, pôr fim a qualquer jugo». E, comentando o profeta que admoesta: «dividir o pão com o faminto, receber em casa os miseráveis, os desabrigados», o Papa contextualizou: «Hoje discute-se se damos ou não um teto aos que o vêm pedir...».

E as indicações prosseguem: «Vestir alguém que vês nu», mas «sem descuidar os teus parentes».

É o jejum verdadeiro, aquele que engloba a vida de todos os dias. «Devemos fazer penitência, devemos sentir um pouco de fome, devemos rezar mais», disse Francisco, mas se «fizermos muita penitência» e não vivermos assim o jejum, «o rebento que nascer dali» será «a soberba», aquela de quem exibe o próprio jejum. E isto, acrescentou, «é a maquilhagem má», e não a que Jesus sugere «para não mostrar aos outros que jejuo» (cf. Mateus, 6, 16-18).

A pergunta a fazer, concluiu o Pontífice, é: «como me comporto com os outros? O meu jejum ajuda os outros?». Porque se assim não for, aquele jejum «é fingido, é incoerente e leva-te pelo caminho de uma vida dupla». Por isso, é preciso «pedir humildemente a graça da coerência».

 



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