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PAPA PAULO VI

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 16 de Junho de 1971

 

O critério da autenticidade na vida do cristão

Ao procurarmos algumas orientações gerais para a nossa vida cristã, observamos que, principalmente depois do Concílio, muitos homens, de modo particular os jovens, estão desejosos de imprimir, no próprio comportamento, um cunho acentuadamente espiritualista. Damos a este critério o nome de « autenticidade ». É necessário ser um cristão autêntico, o que, por si, é muito louvável.

Esta inspiração, porém, leva imediatamente a uma crítica bastante audaz do ambiente, dos costumes e da sociedade que circundam a vida da nova geração, crítica que descobre os defeitos, as incoerências, as hipocrisias e as desordens legalizadas, assumindo posições de dissídio e oposição, hoje denominadas contestação, e que, no fundo, escondem uma exigência moral nem sempre reprovável, mas, até, algumas vezes, justa e humana.

Daqui nasce outra corrente, também ela moral, que põe em exercício o recurso a este acto personalíssimo, que se chama consciência. Nem todos, infelizmente, fazem este recurso. Mas olhamos para um facto positivo, o de algumas pessoas desejarem imprimir, na própria vida, um cunho moral sinceramente cristão. E não podemos deixar de nos alegrar por ver que a consciência pessoal está a adquirir a sua função normal, que dá ao comportamento a sua dignidade, o que merece o nosso encorajamento.

Renasce, em certas proporções, a simpatia pelos exemplos clássicos dos heróis, que sacrificaram a vida para não trair a própria consciência. E esta nobre atitude encontra apoio também pelo facto de reflectir, ou melhor, de realizar, algumas vezes até ao paradoxo, a presença operativa do homem em si mesmo, isto é, a afirmação interior da sua liberdade: a consciência predispõe o homem à própria autodeterminação, ou seja, ao exercício da sua liberdade. Também esta atitude é louvável, porque dispõe o homem a ser homem.

Mas, tanto a crítica como a consciência e a liberdade, não podem, humanamente, realizar-se sem a orientação de uma luz interior, a luz da razão. Esta, mediante um processo, que algumas vezes é instantâneo, outras vezes, lento e difícil, introduz no comportamento moral outro factor indispensável: a obrigação, o dever, a advertência de uma relação com uma exigência, um imperativo, uma lei, uma ordem interior ou exterior, que, se pensarmos bem, revela, por sua vez, uma referência a um princípio superior e absoluto, o nosso bem, ou melhor, o Bem em si mesmo e infinito, transcendente e imanente, numa palavra, Deus.

A acção humana adquire, assim, o seu pleno significado moral. Torna-se inteiramente responsável, torna-se boa ou má, em relação ao pólo supremo da vida humana, para o qual somos orientados essencial, mas livremente. Sabe-se que os homens de hoje não levam, de bom grado, a própria reflexão até a este ponto, porque não querem ouvir falar de santidade nem de pecado, isto é, da última e verdadeira medida da acção humana, que exige este confronto com a medida suprema do nosso bem e do nosso mal, que é exactamente Deus, esforçando-se por conter a esfera da responsabilidade, dentro do horizonte pessoal ou social, a nível meramente humano.

Não procedem deste modo os que procuram a autenticidade da vida cristã, que hoje, frequentemente, apelam para outra ordem de considerações, comportamento louvável, desde que seja integrado no contexto da plena realidade cristã. Estes hábeis indagadores dizem que é preciso viver segundo o Espírito. Já falámos outra vez disto, mas é útil completar o exame das palavras de São Paulo: devemos viver guiados pelo Espírito (cfr. Gál 5, 25), porque este grande princípio pode levá-los a conclusões erradas; uma delas inadmissível, a que os deveria libertar da guia do magistério eclesiástico, quer na interpretação da Sagrada Escritura (e aqui temos o chamado «livre exame »), quer na recusa a obedecer ao governo pastoral da Igreja e a conformar-se com a comunhão de vida da sociedade eclesial.

Admitimos, portanto, que a nossa vida cristã deve ser modelada e inspirada naquela grande novidade, que é a graça, ou seja, a acção do Espírito Santo nas almas associadas à vida de Cristo. Ê este o aspecto essencial e característico da « nova lei», a do Evangelho, que vigora na Igreja. Ouvi estas palavras de S. Tomás de Aquino, que parecerão surpreendentes nos lábios do grande Doutor da Escolástica: « a nova lei consiste, principalmente, na graça do Espírito Santo, escrita nos corações dos fiéis... A lei evangélica... é a própria graça do Espírito Santo...» (Summa Theologiae, I-II, q. 106, a. 1 e 2).

Imaginai, realmente, que novidade, que liberdade, que interioridade e que espiritualidade definem a autenticidade da vida cristã! O primeiro e, num certo sentido, o nosso único dever é viver na graça de Deus, que depois se resolve no sumo preceito de Cristo: viver no amor de Deus e do próximo (cfr. Mt 22, 37). Pensai: aqui, viver não significa apenas ser, mas também agir. A nossa arte de viver deveria nascer desta real e consciente animação, a da presença misteriosa, bem-aventurada e operante de Deus em nós (cfr. Jo 14, 23); uma presença ouvida e inquirida pelo cristão fiel e autêntico, que pode deduzir a resposta iluminadora e confortadora das palavras medidas da revelação divina (cfr. Dei Verbum, n. 7).

Que riqueza interior, que energia! E estes dons não só são reservados às almas contemplativas, que certamente têm o privilégio de ser convidadas para o banquete da Palavra do Senhor (cfr. Lc 10, 39), mas também são acessíveis a todos os cristãos em busca de autenticidade!

Devemos, porventura, pôr-nos ao lado daqueles carismáticos do nosso tempo, que pretendem obter a sua inspiração operativa de alguma das suas experiências religiosas interiores? Recomendamos prudência. Aqui tem início um dos mais difíceis e complexos capítulos da vida espiritual, o do « discernimento dos espíritos ». Neste campo, o equívoco é muito fácil e a ilusão não o é menos. Falaram-nos, a este respeito, muitos mestres (cfr. S. Inácio, Scaramelli, Card. Bona, etc., cfr. D. Th. C. IV, 1375-1415); podemos contentar-nos em reler o capítulo 54, no livro III, da sempre sábia «Imitação de Cristo», e podemos, humildemente, aprender, assim, a distinguir a linguagem da graça que fala dentro de nós.

Damo-vos a nossa Bênção Apostólica.

 



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