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DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
AO SENHOR JUSTINO MARIA APARÍCIO GUTERRES,
 PRIMEIRO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA
 DE TIMOR-LESTE JUNTO DA SANTA SÉ
POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS*

 Segunda-feira, 21 de Maio de 2007

 

Senhor Embaixador!

A sua presença hoje aqui representa o coroamento dos vínculos entre o povo timorense e esta Sé Apostólica que vêm de longe mas registaram um salto qualitativo ao assumir a forma de relações diplomáticas a 20 de Maio de 2002, ou seja, no próprio dia em que despontou no horizonte internacional a sua jovem Nação. É, pois, com muito prazer que recebo as cartas credenciais que designam Vossa Excelência como o primeiro Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Democrática de Timor-Leste junto da Santa Sé.

Ao dar-lhe as boas-vindas a este Acto de apresentação, começo por agradecer a nobre expressão dos sentimentos que o animam, desejando assegurar-lhe, desde já, a minha estima no desempenho da elevada missão que lhe foi confiada, assim como testemunhar, na sua pessoa, o profundo afecto que sinto por todos os amados filhos e filhas do seu País. O meu pensamento dirige-se, em primeiro lugar, para Sua Excelência o Senhor Presidente Kay Rala Xanana Gusmão, pedindo-lhe, Senhor Embaixador, que o certifique do meu reconhecimento pela deferente saudação de que Vossa Excelência se fez intérprete e que retribuo desejando as melhores felicidades para a sua pessoa, bem como para todos os que colaboram com ele no serviço da Nação. Para o seu sucessor, o Presidente eleito José Ramos Horta, vão as minhas felicitações com votos de feliz êxito no exercício das suas altas funções.

A enorme afluência às urnas para a eleição do novo Presidente da Republica demonstrou a grande maturidade cívica do povo timorense mas também a esperança que o mesmo deposita no «processo de construção de um Estado de direito democrático», para usar as palavras do Senhor Embaixador, que lembrava ainda as eleições de Junho próximo para a Assembleia da República.

Aos novos representantes e servidores deste povo, que já sofreu demais, peço que não desiludam tal esperança mas se empenhem numa progressiva democratização da sociedade, procurando aumentar a participação de todos os grupos numa ordem da vida pública que seja representativa e juridicamente tutelada. Como é sabido, o mundo assistiu, incrédulo e preocupado, à grave crise gerada pelo desespero de uns e pela impaciência de outros que transtornou o último biénio da vida nacional de Timor-Leste, fazendo reaparecer na alma colectiva os fantasmas do passado sob as formas de medo, suspeita e divisão. Que a recordação daqueles dias trágicos torne o governo e a oposição particularmente solícitos em empreender a via do diálogo e da colaboração, evitando a tentação de se abandonarem ao confronto com o adversário político, não só porque é moralmente inaceitável mas também porque esta atitude se revela sempre prejudicial para a consolidação de uma correcta dialéctica democrática e para o desenvolvimento integral de todos os cidadãos do País.

Todos sabem como a tarefa que hoje se apresenta aos responsáveis da vida política, social e económica de Timor-Leste é árdua e não está isenta de obstáculos. Não faltam incompreensões internas e externas; não se dispõe de todos os recursos necessários para responder às numerosas necessidades de habitação, saúde, educação, emprego; nem todos estão dispostos a prescindir de interesses pessoais ou partidários. Para não encalharem de novo em tais obstáculos, faço apelo à fé cristã que, há quatrocentos anos, se radicou no vosso solo pátrio e hoje é senha e glória de noventa e oito por cento da população timorense, bem ciente de ter encontrado na Igreja, com os seus Pastores na vanguarda, uma instância inspiradora e promotora de uma cultura de solidariedade e convivência pacífica na justiça, impelindo as vontades a colaborarem a favor do progresso e do bem comum, sem esquecer a atenção que merecem os mais pobres e desamparados.

Tomando a palavra durante o conflito, os Bispos timorenses não se cansaram de indicar aos seus concidadãos a estrada-mestra para um futuro de paz e de prosperidade na rejeição da violência e do ressentimento e na oferta do perdão e da reconciliação com os demais. Por isso, no passado dia 8 de Abril – como Vossa Excelência amavelmente anotava – quis juntar a minha voz à deles para suplicar, primeiro a Cristo Ressuscitado mas depois também aos homens e mulheres de boa vontade, a força da reconciliação e o dom da paz entre a população de Timor-Leste. Seja-me permitido hoje dirigir um veemente apelo às pessoas investidas de autoridade pública para que façam tudo o que lhes for possível para restaurar uma ordem pública eficiente com meios legais e restituir aos cidadãos a segurança na vida quotidiana, graças também à reencontrada confiança nas instituições legítimas do Estado.

Este, em razão das suas prerrogativas e funções, é o primeiro garante das liberdades e dos direitos da pessoa humana, que lhe devem ser reconhecidos em virtude da sua própria dignidade: enquanto ser espiritual, o homem é o valor fundamental e vale mais do que todas as estruturas sociais em que participa. Ora, será esta atenção aos direitos do homem por parte das autoridades timorenses que há-de dar a todos os cidadãos confiança nas instituições nacionais, encarregadas de assegurar a sua protecção. Estas considerações, Senhor Embaixador, são uma expressão do meu afecto e solicitude de Pastor pelo amado povo do seu País e um sinal de esperança que a Igreja depõe num provir mais justo e prometedor para Timor-Leste.

Vossa Excelência conhece certamente a atenção que a Santa Sé dedica à dignidade e promoção das pessoas e dos povos, assim como o seu desejo de que cada um possa ocupar o seu lugar e oferecer a própria colaboração na vida nacional e internacional. O desenvolvimento dos povos depende em grande parte duma autêntica integração numa ordem mundial solidária. À Igreja cabe não tanto propor programas operativos concretos, que são alheios à sua competência, como sobretudo iluminar melhor a consciência moral dos responsáveis políticos, económicos e financeiros. Para isso, ela põe em evidência o princípio da solidariedade como fundamento de uma verdadeira economia de comunhão e participação de bens, na ordem tanto internacional como nacional. Esta solidariedade exige que se compartilhem, de modo equitativo, os esforços por resolver os problemas do subdesenvolvimento e os sacrifícios necessários para superar as crises económicas e políticas, tendo em conta as necessidades das populações mais indefesas.

Mas esta solidariedade manifesta-se também como uma comunhão de serviços e permuta de conhecimentos. Com efeito, mediante uma assistência técnica e uma formação apropriada, é preciso encorajar os países que saem de períodos difíceis a favorecerem instituições democráticas estáveis, a valorizarem as suas próprias riquezas para o bem de todos os habitantes e a assegurarem às populações uma digna educação moral, cívica e intelectual. Quero neste momento congratular-me com a Organização das Nações Unidas e demais entes governamentais e não governamentais pela solidariedade demonstrada para com o povo de Timor-Leste pedindo-lhes que não o abandonem nesta fase de consolidação nacional. Com efeito é através da promoção integral das pessoas que se ajudará os países a desenvolverem-se, a serem fautores do seu progresso e parceiros da vida internacional e a enfrentarem o futuro com confiança.

Não se pode esquecer que não poucos dos problemas sócio-económicos e políticos na vida dos povos, têm as suas raízes e grande repercussão na ordem moral. Neste campo, a Igreja, fiel ao mandato recebido do seu divino Fundador, procura iluminar a partir do Evangelho as realidades temporais, movida sempre pelo seu afã de servir o bem comum e as grandes causas do homem. A este respeito posso assegurar que os Pastores, sacerdotes e comunidades religiosas de Timor-Leste continuarão incansavelmente no cumprimento da sua missão evangelizadora, assistencial e caritativa. Eles são os continuadores duma plêiade de homens e mulheres que, chamados a uma vocação de serviço desinteressado, dedicaram as suas vidas a mitigar a dor, a instruir e a educar, dando testemunho de abnegada entrega em favor dos mais necessitados. Assim aprouve salientá-lo Vossa Excelência, prestando homenagem a estes servos do Evangelho que, até aos lugares mais remotos do País, levam ajuda e conforto, infundindo amor e esperança.

Senhor Embaixador!

Ao apresentar-lhe os votos mais cordiais para a nobre missão que lhe foi confiada pelo seu País, desejo assegurar-lhe a plena e leal colaboração de quantos coadjuvam o Papa na realização do ministério apostólico que lhe é próprio. Neles poderá encontrar uma valiosa contraparte pelo que diz respeito às questões bilaterais e, mais em geral, uma constante colaboração em ordem à prossecução do bem comum na comunidade internacional. Enquanto confio os governantes e os cidadãos de Timor-Leste à protecção da Virgem Maria, celeste padroeira da Nação, elevo a minha oração pedindo-Lhe que assista Vossa Excelência, as Autoridade civis e quantos estão ao serviço do povo timorense, sempre perto do coração do Papa, e a todos envio a minha Bênção.


*Insegnamenti di Benedetto XVI vol. III, 1 2007 p.895-899.

L'Osservatore Romano 21-22 2007 p.5.

 

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