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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

SANTA MISSA PARA OS MISSIONÁRIOS XAVERIANOS

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Xavier, 6 de Novembro de 1982  

 

Veneráveis Irmãos no Episcopado
Queridos irmãos e irmãs

1. Deste lugar em que tudo nos fala de São Francisco Xavier, esse grande Santo navarro e espanhol universal, saúdo antes de tudo o Pastor da diocese, os Bispos vindos de outras regiões da Espanha, os sacerdotes, os missionários e as missionárias, juntamente com as suas famílias, e a comunidade e a escola apostólica da Companhia de Jesus que tão zelosamente cuida deste lugar e deste santuário.

Neste popular e missionário encontro convosco, todos filhos de Navarra e da Espanha, quero prestar homenagem ao património de nobres valores humanos e sólidas virtudes cristãs das gentes desta terra. E expressar a profunda gratidão da Santa Sé à Igreja na Espanha pela sua grande obra de evangelização; obra à qual os filhos de Navarra deram um considerável contributo.

Pioneira em tantos campos de primeira evangelização — não só naqueles abertos por Xavier, mas sobretudo nos da América Latina, Filipinas e Guiné Equatorial —, a Igreja espanhola continua a dar um importante contributo para essa evangelização com os seus actuais 23.000 missionários e missionárias operantes em todas as latitudes.

A Igreja espanhola fez-se também credora da gratidão da Sé Apostólica por ser uma das que mais apoia, com pessoal e ajuda material, a estratégia da cooperação à Missão universal, e pelo seu esforço de animação missionária, no qual é iniciativa de elevado significado e projecção o "Centro Missionário Xavier", aqui existente. Principais artífices dessa cooperação e animação têm sido as Pontifícias Obras Missionárias, expressão viva da consciência missionária da Igreja, com a colaboração dos Institutos Religiosos e Missionários. Por seu lado, a Conferência Episcopal, com o documento sobre a "Responsabilidade Missionária da Igreja Espanhola", de há três anos, deu novo impulso à animação missionária da pastoral.

2. Sei que a campanha do recente Domund, teve como lema "O Papa, primeiro missionário". Sim, na Igreja, essencialmente missionária, o Papa sente-se o primeiro missionário e responsável da acção missionária, como manifestei na minha mensagem de Manaus, no Brasil.

Por isso, porque sinto essa singular responsabilidade pessoal e eclesial, quis vir a Xavier, berço e santuário do "Apóstolo das novas Gentes" e "Patrono celestial de todos os Missionários e Missionárias e de todas as Missões" (cf. AAS, 1928, 147 s.; AAS, 1903-1904, 580 ss.) e Patrono também da Obra da Propagação da Fé. Venho recolher o espírito missionário, e implorar o seu patrocínio sobre os planos missionários do meu pontificado. Xavier tem, além disso, uma particular relação com o Pastor e responsável da Igreja; pois, se todo o missionário, enquanto enviado pela Igreja é, em certo modo, enviado do Papa, Xavier foi mandado com titulo especial como Núncio ou Delegado papal para o Oriente.

3. A liturgia da Palavra que estamos a celebrar, para dar o Crucifixo aos novos missionários e missionárias, na presença também dos seus pais e familiares, renova o encontro e a chamada de Jesus aos seus Apóstolos — Pedro e André, Tiago e João — junto do Mar da Galileia. Eram pescadores, e Jesus disse-lhes: "Vinde após Mim e farei de vós pescadores de homens".

Cristo não lhes deu então a cruz missionária, como vamos fazer agora com estes novos missionários. Ouviram só a chamada: "Vinde após Mim". No término da sua peregrinação terrena com Jesus receberiam a sua cruz, como sinal de salvação. Como testemunho do Caminho, da Verdade e da Vida; testemunho que deviam confirmar com a sua pregação, com a sua vida de serviço e com o holocausto da própria morte.

Os Apóstolos deviam dar testemunho, e deram-no, de que "Jesus é o Senhor", como recorda São Paulo na carta aos Romanos (Rom 10,10); e a esta fé deviam conduzir todos os homens, porque Jesus é o Senhor de todos. Como se actua esta obra de salvação? Responde o Apóstolo: "Com o coração se crê para alcançar a justiça, e com a boca se confessa para alcançar a salvação (Rom 10. 10).

Como os Apóstolos, chamados nas origens, também vós, queridos missionários, que, seguindo o exemplo do grande Francisco Xavier, recebeis hoje o crucifixo missionário, deveis assumir com ele, plena e cordialmente, o serviço da fé e da salvação.

São Paulo, referindo-se à obra de salvação, faz perguntas de grande actualidade: "Mas como hão-de invocar Aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar n'Aquele que não ouviram? E como ouvirão se ninguém lhes prega?... a fé — acrescenta mais adiante — vem da pregação, e a pregação pela palavra de Cristo" (Rom 10, 14.17).

Com quanta disponibilidade e empenho respondeste a estas palavras, São Francisco Xavier, filho desta terra! E quantos imitadores tiveste, através dos séculos, entre os teus compatriotas e entre os filhos da Igreja nos outros povos! Verdadeiramente, "a toda a terra se propagou a sua voz, e até aos confins do mundo, as suas palavras" (Rom 10, 18).

4. Queridos missionários e missionárias que ides receber o Crucifixo no espírito apostólico de Xavier: Tornai-vos seus imitadores, como ele o foi de Cristo!

Xavier é protótipo de missionários na linha da missão universal da Igreja. A sua motivação no amor evangélico a Deus e ao homem, com atenção primordial àquilo que nele tem valor prioritário: a sua alma, onde se joga o destino eterno do homem: "Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?" (Mc 8, 36). Este principio evangélico estimula a sua vida interior. O zelo pelas almas é nele uma apaixonada impaciência. Sente, como outro Paulo, o desvelo incontido de uma consciência plenamente responsável do mandato missionário e do amor de Cristo (cf. 2 Cor 5, 14), pronto a dar a vida temporal pela saúde espiritual dos seus irmãos (cf. Cartas e escritos de São Francisco Xavier, F. Zubillaga, doc. 54, 4): "quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por Mim e pelo Evangelho, salvá-la-á" (Mc 8, 35). Esta é a mola indomável que anima o assombroso dinamismo missionário de Francisco Xavier.

Tem clara consciência de que a Fé é dom de Deus, e baseia a sua confiança na Oração, que pratica com assiduidade, acompanhando-a com sacrifícios e penitências; e pede também aos destinatários das suas cartas a ajuda das suas orações. Modela a sua identidade na aceitação plena da vontade de Deus e na comunhão com a Igreja e os seus representantes, traduzida em obediência e fidelidade de mensageiro, graças a um precioso discernimento; e actua sempre com visão e horizontes universais, em sintonia com a missão da Igreja, sacramento universal da salvação. Antepõe ao anúncio e à catequese, que pratica como trabalho fundamental, uma vida santa com relevo acentuado de humildade e de total confiança em Jesus Cristo e na santa Madre Igreja.

A sua caridade e os métodos de evangelização, e concretamente o seu sentido de adaptação local e inculturação, foram propostos pela Congregação de "Propaganda Fide", ao recomendar, na Instrução aos primeiros Vigários Apostólicos de Sião, Tonkin e Cochinchina, a vida e sobretudo as cartas de Francisco Xavier, como orientação segura para a actividade missionária (cf. Instructio, 1659, in: S. C. de P. F. memoria rerum, 1976, III/2, 704).

5. A vossa confortadora presença, pais e familiares de missionários e missionárias, representa aqui a família católica que, coerente com a sua fé, se deve tornar missionária. Ao expressar-vos a íntima gratidão da Igreja quero fazê-la chegar também às famílias de todos os missionários e missionárias que trabalham na vinha do Senhor.

A família cristã, que actua já como missionária ao apresentar os seus filhos à Igreja para o baptismo, deve continuar o ministério de evangelização e de catequese, educando-os, desde a sua mais tenra idade, na consciência missionária e no espírito de cooperação eclesial. O cultivo da vocação missionária nos filhos e filhas será, por parte dos pais, a melhor colaboração à chamada divina. E quantas vezes a tomada de consciência missionária da família cristã a conduz a tornar-se directamente missionária mediante serviços temporais, segundo as suas possibilidades.

Famílias cristãs: comparai-vos com o modelo da Sagrada Família, que favoreceu com delicado esmero a manifestação gradual da missão redentora, missionária podemos dizer,de Jesus. E revede-vos também na acção edificante dos pais de Xavier, especialmente da mãe, que fizeram do seu lar uma "Igreja doméstica" exemplar. As Constituições daquele lar revelam atenção profunda à vida de fé, com devoção acentuada à Santíssima Trindade, à paixão de Cristo e à Mãe de Deus.

Seguindo o exemplo da família de Xavier, as famílias desta Igreja de São Firmino foram, até há pouco tempo, viveiro fecundo de vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Queridas famílias de Navarra: deveis recuperar e conservar zelosamente este património tão excelso de virtude e serviço à Igreja e à humanidade!

6. O Papa deve ser porta-voz permanente do Mandato Missionário de Cristo. Por isso sinto o dever de o recordar especialmente hoje, ao verificar, juntamente com o consolador desenvolvimento da Igreja em tantos povos de recente tradição católica — já por sua vez missionários — o horizonte de três quartas partes da humanidade — na sua maioria jovens — que não conhecem Jesus nem o seu programa de vida e de salvação para o homem; e o espectáculo inquietante de muitos que renunciaram à mensagem cristã ou se tomaram insensíveis a ela. Este panorama e o ritmo de aumento dos não-cristãos, quase no término do segundo milénio de vida da Igreja, interpelam-na com clamor crescente.

A reflexão conciliar do Vaticano II sobre a situação do homem no mundo actual, reavivou na Igreja a consciência do seu dever missionário; um dever que compete a todos os seus membros e comunidades, em relação a todos os homens e povos.

Ao completar-se o vigésimo aniversário da abertura do Concílio, toda a Igreja — o Papa, os Bispos, os Sacerdotes, os Religiosos, as Religiosas e os Leigos, todo o Povo de Deus — deve interrogar-se sobre a sua resposta ao vigoroso apelo missionário do Espírito Santo através dele. Nunca, por outro lado, os arautos do Evangelho tiveram tantas possibilidades e meios para evangelizar a humanidade, mesmo no meio de não pequenas dificuldades.

7. A interpelação evangélica de Jesus "a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos" (Mt 9, 37), preocupa hoje também a Igreja. A acentuada diminuição das vocações, nestas últimas décadas, em tantas Igrejas particulares de rica tradição missionária, também nesta arquidiocese e noutras dioceses e Institutos Religiosos e Missionários da Espanha e de outros países, deve mover todos os Pastores e agentes de pastoral, assim como as famílias cristãs, a sensibilizarem os jovens, sobre a sua disponibilidade de colaborar no anúncio do Evangelho, ajudando-os a discernir a chamada de Jesus e a acolhê-la como graça de predilecção.

Porque vós, queridos jovens, sois a esperança da Igreja. Amais a coerência encarnada e actualizada da vossa fé? Quando um católico toma consciência da sua fé, torna-se missionário. Inseridos como estais no Corpo Místico de Cristo não vos podeis sentir indiferentes perante a salvação dos homens. Crer em Cristo é crer no seu programa de vida para nós. Amar a Cristo é amar aqueles que Ele ama e como Ele os ama. Só Cristo tem palavras de vida eterna. E não há outro nome no qual os homens e os povos se possam salvar.

Procurais a motivação para a obra de maior solidariedade humana para com os vossos irmãos? Não há serviço ao homem que se possa igualar com o serviço missionário. Ser missionário é ajudar o homem a ser artífice livre da sua própria promoção e salvação.

Quereis um programa de vida que lhe dê sentido pleno e culmine as vossas mais nobres aspirações? Aqui, jovem como tantos de vós, Xavier abriu-se aos valores e encantos da vida temporal, até que descobriu o mistério do supremo valor da vida cristã; e tornou-se mensageiro do amor e da vida de Cristo entre os seus irmãos dos grandes povos da Ásia.

Jovens de Navarra: o vosso dia xavierano anual e o encontro também anual dos novos missionários da Espanha para receberem o Crucifixo, tornaram-se o "Caminho de Xavier"; onde o vosso encontro com o santo missionário universal é abraço de reconciliação, renovação pascal e compromisso de vida e de colaboração — também missionária — com Jesus Cristo.

Jovens estudantes e trabalhadores, filhos e filhas da inteira família católica: Os vastos horizontes do mundo não cristão constituem um desafio à fé e ao humanismo da vossa geração. O Espírito de Deus chama hoje todos a um esforço missionário generoso e coordenado, de carácter eclesial; para fazer de todos os povos uma família, a Igreja. Francisco Xavier escreveu para vós o apelo insistente das suas cartas às Universidades do seu tempo, pedindo aos professores e aos estudantes consciência e colaboração missionárias: "Muitas vezes me sinto movido pelo pensamento de ir às universidades dessas partes, gritando, como um homem que perdeu o juízo, e principalmente à Universidade de Paris, para dizer em Sorbona...: quantas almas deixam de ir para a glória e vão para o inferno por causa da negligência deles!" (Cartas e escritos, ib., doc. 20, 8).

Jovens: Cristo tem necessidade de vós e chama-vos, para ajudardes milhões de irmãos vossos a serem plenamente homens e a salvarem-se. Vivei com esses nobres ideais na vossa alma e não cedais à tentação de ideologias de hedonismo, de ódio e de violência que degradam o homem. Abri o vosso coração a Cristo, à sua lei de amor; sem condicionar a vossa disponibilidade, sem medo de respostas definitivas, porque o amor e a amizade não têm ocaso.

9. Ao dardes a vossa resposta à chamada do Espírito através da Igreja, não vos esqueçais daquilo que na ordem de valores e de meios ocupa o primeiro lugar: a oração e a oferta dos vossos sacrifícios. A fé e a salvação são um dom de Deus, e é preciso pedi-lo. Unido à oração, ao esforço e ao sacrifício para viver diariamente as maravilhas do amor cristão.

Em São Francisco Xavier e em Santa Teresa de Lisieux temos dois grandes intercessores. Se Santa Teresa, como ela mesma segredou às suas Irmãs, conseguiu, mediante São Francisco Xavier, a graça de continuar a derramar do céu sobre a terra uma chuva de rosas, e ajudou tanto a Igreja na sua actividade missionária, porque não devemos esperar outro tanto do santo missionário?

Francisco Xavier ofereceu sem dúvida as suas últimas orações no mundo e o holocausto da sua vida, em terra chinesa de Sancián, pelo grande povo da china que tanto amou, e se dispunha a evangelizar com intrépida esperança. Unamos as nossas orações à sua intercessão pela Igreja na China, objecto de especial solidariedade e esperança da inteira família católica.

A poderosa intercessão dos dois Padroeiros das Missões, encomendamos hoje: o propósito de um vigoroso impulso evangelizador de toda a Igreja, a florescência fecunda de vocações missionárias, e a nobre disposição de todos os povos a experimentar o valor e a esperança supremos que Cristo e a sua Igreja representam para todos os homens.

10. Aos missionários émulos de Xavier, prontos a partir, e a todos aqueles que ouvem a chamada de Cristo para trabalhar na sua missão, repito as palavras de São Paulo que inspiraram esta liturgia: "Que formosos são os pés dos que anunciam boas novas" (Rom 10,15). Com estas palavras vos envio para o trabalho missionário.

O esforço de anunciar a Boa Nova é a tarefa quotidiana da Igreja, que a embeleza como Esposa fiel, sem reservas, ao seu Esposo. Aceitai, pois, uma parte desse esforço que embeleza a Igreja.

Ide! Difundi a Boa Nova até aos confins do mundo! Ide e anunciai: "Jesus é o Senhor". "Deus ressuscitou-O de entre os mortos". N'Ele está a salvação! Que a Mãe de Jesus e da Igreja acompanhe sempre os vossos passos. E vos acompanhe também a minha cordial Bênção.

 



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