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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

HOMILIA DO DO SANTO PADRE
NA SANTA MISSA PARA OS FIÉIS
DA ARQUIDIOCESE DE CUIABÁ

Quarta-feira, 16 de Outubro de 1991

 

Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer?”.

1. Procuremos lembrar-nos desta pergunta. Ela é muito importante e decisiva. Ela pertence à grande parábola do Juízo Final, segundo o Evangelho de São Mateus, que há poucos instantes foi lido.

Nesta imagem do Juízo, que Cristo fará no fim do mundo, Cristo, o Filho do homem (pois o Pai Lhe deu o poder para julgá-lo, como Redentor do mundo), fica confirmada toda a Boa Nova. Por que “Boa”? Porque nela se exprime a eterna vontade de salvação do homem. “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).

Qual o preço da vida eterna? É infinito.

Mas, como o homem, ser finito, pode pagar um tal preço? Como pode salvar-se?

Na parábola do Juízo Final, Cristo dá a resposta: O preço da eterna salvação, a ser pago por cada homem, é um só, o preço do amor.

“Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer?”, perguntam aqueles que durante o juízo estarão do lado direito. O Filho do homem responde: “Na verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).

2. O Juízo Final refere-se ao final da história do homem sobre a terra. Ao mesmo tempo, meditando o Evangelho de Mateus, devemos afirmar que tal juízo realiza-se constantemente. Continua sempre e em toda a parte. Os homens, com efeito, continuam fazendo o bem aos demais, salvando uns e outros da fome, dando hospitalidade, vestindo, cuidando dos doentes ou dos presos... ou, pelo contrário, não fazem nada disso: fecham-se dentro de si mesmos, no próprio egoísmo, na busca da comodidade, permanecendo insensíveis aos outros e às suas necessidades.

De um modo ou do outro, a divisão nesta “direita” ou “esquerda” evangélicas ou escatológicas acontece nos homens, nos ambientes e nas sociedades.

Por isso, a verdade sobre o Juízo é sempre dos nossos dias, sempre atual. Não pode ser transferida para um futuro desconhecido. É preciso vê-la “aqui e agora”. “Aqui e agora” na vida de toda a sociedade, “aqui e agora” do norte ao sul do Brasil. Mas também “aqui e agora” na vida de cada um de nós, sem exceções. Daquele que agora vos fala e de todos que escutam essas palavras: Esta verdade se refere a cada um de nós!

Ao mesmo tempo, é ela condição essencial da evangelização, ou seja, da Boa Nova da salvação.

3. Por diversas vezes tenho considerado, durante as viagens por este imenso território brasileiro, a bondade de Deus ao dotá-lo de incomensuráveis riquezas, para que o homem e sua família, delas se servindo, pudesse dar glória ao Criador. Estes pensamentos dão-me agora a pauta para uma atenta reflexão sobre dois problemas que afligem a todos, especialmente ao homem do Mato Grosso: o problema da migração e o ecológico.

O problema do migrante - aqui como em outras regiões do Brasil - é, em primeiro lugar, o do homem que vem de outros Estados da Federação ou do Exterior, à procura de melhores condições de vida e de trabalho para si e sua família. Geralmente sonha com um pedaço de chão onde se estabelecer, quer no campo quer na cidade. Dificilmente o encontrará. Ou porque o migrante não possui condições técnicas ou financeiras para começar uma nova vida; ou porque, os grandes latifúndios, por vezes improdutivos, não lhes permitem o acesso à terra para trabalhar. Assim, o migrante entra num círculo vicioso de difícil solução.

Não escondo a todos minha preocupação pelas famílias de brasileiros, desarraigadas de seu ambiente, de suas tradições, de sua vida religiosa comunitária, entregues às vicissitudes de longas e penosas viagens. Elas se sentem inseguras na procura do trabalho e impossibilitadas de encontrar uma moradia, embora pobre, onde abrigar-se. Com o parque industrial ainda nos inícios de sua instalação no Estado e incapaz de absorver a mão-de-obra, em geral pouco ou nada qualificada, aumenta dolorosamente o número dos subempregados e dos desempregados. As crianças são as grandes vítimas de uma migração descontrolada e crescente, aumentando, com a miséria, a delinqüência, o abandono e os maus costumes.... Cuiabá, portal da Amazônia, vem sendo considerada a meta de tantos migrantes que para aqui se dirigem na esperança de uma vida melhor. Mas acabam compondo este doloroso quadro de irmãos que sofrem, de crianças famintas e doentes, vítimas da migração descontrolada. Cabem aos órgãos públicos e às organizações comunitárias a consciência deste sério problema, e medidas de âmbito político e de ação social inteligentes, de grande sensibilidade humana e generosidade.

O Papa abençoa com alegria e profundo reconhecimento os que, superando as barreiras do comodismo ou do desinteresse, dedicam-se a acolher aquele que, na verdade, é o mesmo Cristo peregrino que passa e pede uma ajuda eficaz. Como poderia esquecer-me, portanto, do Centro de Pastoral para Migrantes mantido pelos padres Escalabrianos em Cuiabá que ajudam, na medida de seus parcos recursos, a minorar tanto sofrimento?

Mas, meus Irmãos, não posso deixar de recordar aqui, outro tipo de migrante. Aquele que com próprios recursos vem ao Mato Grosso desenvolver suas atividades comerciais, industriais, agropecuárias ou de serviço num Estado que tem, de fato, um futuro promissor. Estes migrantes são como molas propulsoras de progresso, mas podem ser vítimas desse mesmo progresso, pois lançando-se inteiramente ao trabalho, aspirando ao sucesso rápido em seus empreendimentos, sem o acompanhamento, e o apoio de suas Comunidades eclesiais, abandonam aquela vida religiosa que viviam em suas cidades natais. Triunfam na vida empresarial, mas podem naufragar religiosamente, esquecendo seus deveres para com Deus, que lhes mostraram o caminho, na terra de origem, para a alegria do bem realizado, da família bem constituída e fiel, dos filhos crescendo no amor a Deus e aos próprios pais.

Sem dúvida, o problema das migrações não é somente de caráter sócio-econômico ou político, mas é acima de tudo um desafio à caridade e à justiça no mundo. “Seja qual for a situação de cada um - como eu disse na Mensagem para a Jornada Mundial do Migrante, - todos hoje se sentem engajados numa vigorosa corrente de participação, reflexo e exigência da consciência adquirida da própria dignidade” (Ioannis Pauli PP. II Nuntius scripto datus ob diem in universa Ecclesia migrantibus dicatum, 3 c, die 5 aug. 1987: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, X, 3 (1987) 176). A Igreja, conhecedora da complexidade dos vossos problemas, quer permanecer ao vosso lado para que a “fé em Cristo habite nos vossos corações” (Ef 3, 17). Ela está empenhada em aliviar vossos sofrimentos, feitos de humilhações e de pobreza. Ela quer dar à família cristã, os verdadeiros traços de “igreja doméstica”, onde nasce a vida do corpo e a vida da fé. Dai seu dever de um trabalho vigilante e inteligente, para prevenir e neutralizar a ação agressiva e insidiosa das seitas que, no seu proselitismo, procuram sobretudo os migrantes.

4. Outro grande problema que afeta a sociedade do nosso tempo, é a questão ambiental, também chamada ecológica. É de todos conhecida a causa deste problema. Quando da recente publicação da Encíclica “Centesimus Annus”, o tema foi abordado para salientar que “o homem, tomado mais pelo desejo de ter e do prazer, do que pelo de ser e de crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da sua própria vida” ( Centesimus Annus, 37). Naquela oportunidade, eu quis recordar que não se “pode dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas... como se não possuísse uma forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e que o homem pode, sim, desenvolver, mas não deve trair” ( Centesimus Annus, 37).

Ao tomar contato com os problemas ambientais, tanto da Bacia Amazônica quanto do Pantanal mato-grossense, pude ver confirmadas aquelas observações que, infelizmente, afetam não só o Brasil mas também várias regiões do planeta, inclusive nos Países desenvolvidos. Tenho acompanhado com interesse os preparativos da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, que terá lugar no Rio de Janeiro em junho do ano que vem. Faço votos de que, tanto na sua fase preparatória como na instalação dos trabalhos, as Nações ali reunidas saibam “salvaguardar as condições morais de uma autêntica "ecologia humana"” (Centesimus Annus, 38). Para o Brasil, a proteção ambiental é antes de mais nada o direito e a proteção à vida. Se considerarmos os graves problemas de infra-estrutura dos grandes centros urbanos, teremos uma imagem dos desafios que se apresentarão para o País neste final de século.

5. Queridos Irmãos e Irmãs!

Saúdo os sacerdotes desta terra que trabalham neste Estado de Mato Grosso e agradeço o seu empenho pastoral para o Povo de Deus. Saúdo também e agradeço ao Senhor Governador e às demais Autoridades civis e militares. Saúdo a todos os presentes e também a todos que não podiam vir e participar pessoalmente nesta Celebração Eucarística.

É com grande satisfação que estou aqui em Cuiabá. O Papa não veio, como os bandeirantes de outrora ou os garimpeiros de hoje, à procura do ouro. Ele está nesta cidade, coração geográfico da América do Sul, para conhecer, abençoar e trazer sua palavra ao povo bom desta terra, aos que aqui nasceram ou para aqui vieram, em tão grande número, nos últimos anos. Agradeço a acolhida fraterna do Arcebispo Dom Bonifácio Piccinini e dos irmãos do episcopado mato-grossense. Seu trabalho apostólico continua a obra dos antecessores e dos missionários, vindos de tantas partes, que plantaram a Igreja nos sertões e florestas desta região fascinante, desde aqui, desde que aqui aportou, em 1801 o primeiro Bispo-Prelado de Cuiabá, Dom Luiz de Castro.

6. “Quem nos separará do amor de Cristo” (Rm 8, 35) ? São Paulo faz esta pergunta aos primeiros cristãos, a homens que com freqüência padeciam tribulações em meio aos mais diversos perigos, e perseguições, chegando até mesmo a perder a própria vida.

No entanto, responde o Apóstolo, nada disso é capaz de nos separar do amor de Cristo. Ao contrário: “Em todas estas coisas saímos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou” ( Rm 8, 37).

Eis realmente uma Boa Nova, também para os homens de hoje que padecem injustiças, enganos e ameaças de morte por defenderem causas nobres.

O que nos pode separar do amor de Deus? Somente nossa falta de amor é que poderá separar-nos, o egoísmo, a indiferença, a falta de sensibilidade, a cobiça. Estes são os inimigos de nossa salvação. São eles que nos julgarão diante do Tribunal do Filho do Homem, e pronunciarão contra nós a sentença. Talvez agora a estejam pronunciando na voz interior da consciência. Quê fazer no caso da consciência surda e insensível? Dia virá em que ela se fará ouvir, quando não mais poderá calar-se, quando se encontrar face a face com a majestade do Filho do Homem, do Redentor do mundo crucificado e ressuscitado.

7. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8, 31) - pergunta ainda o Apóstolo. Deus está conosco. Deus quer a nossa salvação. Com efeito: “não poupou seu próprio Filho, mas por todos nós o entregou” (Rm 8, 32). N’Ele fomos escolhidos. Por meio d’Ele fomos justificados, por Jesus Cristo, “que morreu, melhor, que ressuscitou, que está à direita de Deus e intercede por nós” (Rm 8, 34)!

Portanto... quem nos poderá separar do amor de Cristo, daquele amor que é Deus? Somente nós. Somente a nossa própria falta de amor.

Meus caros Irmãos e Irmãs!

Que o amor vença em nós. Que vença na nossa vida social em todas as suas dimensões. Possa cada um de nós sequer uma vez, ouvir estas palavras do Filho do Homem: “Na verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”.

 



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