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MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II
ASSINADA PELO SECRETÁRIO DE ESTADO
CARDEAL AGOSTINO CASAROLI
POR OCASIÃO DA JORNADA ANUAL DA EMIGRAÇÃO

 

Ao Cardeal Sebastiano Baggio
Presidente da Pontifícia Comissão
para a Pastoral das Migrações e do Turismo

 

Senhor Cardeal

Ao dirigir, por meu intermédio, esta Sua mensagem, por ocasião da Jornada Anual da Emigração (que as Igrejas das várias Nações celebram, segundo a própria conveniência, em datas diversas), o Santo Padre deseja chamar a atenção das Conferências Episcopais para o tema que foi tratado no Sínodo, recentemente encerrado. Com efeito, também a família Imigrante, como toda a família cristã, tem uma missão a cumprir no mundo moderno: primeiro de tudo, ela é e deve ser "igreja doméstica" (Const. Dogm. Lumen Gentium, 11), "santuário doméstico da Igreja" (Decreto Apostolicam Actuositatem, 11).

1. A família é a célula fundamental da sociedade, embora, ela, hoje, de modo especial na emigração, seja uma daquelas partes mais vulneráveis da mesma sociedade. A família emigrante, além de sofrer como as demais a crise social geral, corre o risco de ser atingida, precisamente por causa do fenómeno emigratório, nos seus dois elementos vitais: a estabilidade e a coesão (cf. Const. Past. Gaudium et Spes, 51). A emigração, no momento presente, envolve à volta de uns cinquenta milhões de pessoas. Neste fluxo imponente estão comprometidos centenas de milhares de maridos e de esposas, constrangidos a uma separação forçada, embora se constate, com satisfação, que o reagrupamento conjugal e familiar está sendo, cada vez mais, objecto de preocupação e de interesse, por parte da legislação e dos acordos internacionais que procuram regular e disciplinar a política migratória.

Ao mesmo tempo, porém, também se constata que, frequentemente, ainda hoje, em matéria de mão-de-obra, se continua buscando o máximo de rendimento com o mínimo de despesas no que respeita a infra-estruturas e a contribuições sociais. Em lugar de famílias, são preferidos homens sós, que vêm amontoados em habitações colectivas, se não mesmo em simples barracas. Preferem-se mulheres sós. A estes homens e a estas mulheres, que as necessidades económicas e as situações sociais obrigaram a emigrar, devem juntar-se milhares e milhares de pessoas, constrangidas a abandonar o seu País por motivo de perseguições políticas e religiosas, por causa de contrastes ideológicos que inquietam uma grande parte da vida social.

Este estado de coisas produz facilmente efeitos desastrosos que, com frequência, se concluem na destruição do lar.

Apresenta-se ainda o problema dos filhos. A sua educação integral tem lugar no seio da família. É na família que, de modo espontâneo e natural, se realizam a mútua doação, a mútua abertura, a comunhão de sentimentos, a mútua consultação, colaboração entre os cônjuges no que diz respeito a um campo tão delicado, como é o da educação das crianças (cf. Const. Past. Gaudium et Spes, 51).

Ora esta missão primária torna-se extremamente difícil, quando um ou ambos os pais são obrigados a emigrar e a deixar na sua Pátria os filhos, confiando-os aos cuidados de outros familiares ou de instituições sociais. Em tais casos, a emigração transforma-se num autêntico trauma com reflexos profundamente negativos quer nos pais, como nos filhos.

As qualidades potenciais físicas, sociais, psíquicas da criança exigem o amparo do ambiente que facilita e acompanha o seu desenvolvimento; tal ambiente, porém, é constituído essencialmente pela presença dos pais e pelo convívio com eles mesmos. Por outro lado, os pais, privados forçadamente da presença e da convivência com os filhos, e, consequentemente, privados daquela mútua acção e comunhão que nobilitam e exaltam a sua missão, começam a sentir que se vai apagando na sua vida conjugal aquela chama sentimental e moral que alimentava e vivificava tal compromisso. Com efeito, nos pais, os laços de afectos e de interesses mútuos desenvolvem-se e solidificam-se nas suas manifestações, precisamente quando eles se sentem comprometidos no desafio da educação dos filhos. Por consequência, aqueles mesmos sacrifícios que os pais afrontam para conseguirem uma segurança económica e financeira com o fim de garantirem aos filhos um futuro melhor, poderão perder, diante dos seus olhos, muito de sentido.

2. Todavia, nem mesmo a família que consegue emigrar sem separação de pais e de filhos, pode considerar-se isenta de penosos problemas.

Geralmente, ela provém de um ambiente rural, dominado por valores, ideias, princípios morais tradicionais, que não foram ainda ou pelo menos profundamente levedados pelo frumento de uma sociedade secularizada ou até mesmo paganizada. Chegada ao País que a hospeda, frequentemente ela vem a encontrar-se num mundo industrializado, o qual, pela sua própria complexidade, lhe cria dificuldades de inserção, fazendo nascer no seu ânimo a impressão de sentir-se emarginada. O fenómeno de isolamento deriva de um conjunto de circunstâncias: o não conhecimento da língua, os costumes diversos com as consequentes dificuldades de adaptação, a habitação muitas vezes imprópria e precária.

Torna ainda mais difícil vencer estas dificuldades de adaptação o desejo, que permanece profundamente no seu coração, de regressar, o mais depressa possível à sua Pátria, não apenas ela tenha conseguido as vantagens financeiras que se propôs buscar no País estrangeiro.

Não se pode ignorar que o isolamento da família emigrante, não raramente, é agravado pelas atitudes discriminatórias e por preconceitos que assumem as populações do País de acolhida. Este conjunto de coisas produz um mal-estar que se reflecte, embora inadvertidamente, sobre as relações entre marido e esposa, entre pais e filhos, trazendo consigo a perigosa ameaça de incomunicabilidade e até mesmo de ruptura.

Deste modo, sobre o núcleo familiar incumbe a ameaça de desintegração: por um lado, os pais que, não obstante tudo, se decidem a afrontar fadigas, sacrifícios, humilhações, alterações psíquicas e emotivas, no esforço de poderem dar aos seus filhos uma educação e um futuro melhor; por outro, os filhos que vão à escola, aprendem a língua local, assimilam uma cultura diversa, sendo levados a não apreciar devidamente a nobreza e a generosidade do sacrifício dos pais, cujos valores e princípios rejeitam. A possibilidade de uma convivência feliz e serena transforma-se consequentemente na mais amarga das ilusões. Muito significativamente, os Bispos da Europa, na sua mensagem proferida em Subiaco, sublinharam este estado de coisas (cf. L'Osservatore Romano, 29-30 de Setembro de 1980).

3. Tendo presente este quadro da família emigrante, o Santo Padre entende fazer uma exortação para que, neste sentido, se proveja a uma cura pastoral cada vez mais adequada e iluminada.

Os agentes de pastoral deverão intensificar os seus esforços para se aproximarem da família com o amor e a luz de Cristo, com a estima e com o desejo de estudarem e de compreenderem os seus problemas, no respeito prudente e atento dos valores e dos modelos ínsitos no coração e no espírito da família emigrada, a fim de poderem ser-lhe de orientação e de guia nas numerosas inquietações, dificuldades, penas e aspirações que a oprimem. Este é o caminho que conduz a ganhar a confiança da família em emigração e pode convencê-la a ver a dura realidade da emigração à luz da fé, ajudando-a a superar lentamente o seu drama, a ser e a permanecer família cristã, unida, confiante, comprometida em viver o Evangelho, encarnando o exemplo da família de Nazaré. Os agentes da pastoral migratória não poderão imaginar uma rápida integração no ambiente e, nem mesmo, nas manifestações de fé e de religiosidade da gente do lugar de acolhida, manifestações essas que a família emigrada não consegue compreender na sua autenticidade e na conformidade substancial com as suas tradições específicas; a falta de cultura, também religiosa e, talvez, sobretudo esta, exige tempo, por vezes até mesmo a passagem de gerações. A tal propósito, são para recordar as directrizes e orientações que se encontram nos documentos mais significativos do Magistério: Exul Família, Christus Dominus, do Concílio Vaticano II, Pastoralis Migratorum Cura, De Pastorali Migratorum Cura, Igreja e Mobilidade Humana.

O Santo Padre volta a considerar estas indicações, quando, nas Suas múltiplas viagens, dirige a Sua palavra aos Bispos, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, aos leigos comprometidos no apostolado da emigração. A tal respeito, é suficiente recordar a mensagem que Ele, em 31 de Maio passado, em Paris, dirigiu aos imigrantes poloneses em França. Depois de ter louvado os sacerdotes poloneses por haverem ajudado os próprios emigrantes a conservarem a sua fé, a sua identidade, a sua língua, os seus vínculos com a terra de origem, referindo-Se ao problema delicado da integração, afirma: "A integração é sem dúvida um problema importante para todos e necessário. Hoje, ninguém se pode fechar no próprio "gueto". Deveis servir o País, no qual viveis, trabalhar para ale, amá-lo, contribuir para o seu progresso, desenvolvendo-vos a vós mesmos, a vossa humanidade, tudo o que está em vós, que vos forma, sem falsificar, sem cancelar aquelas linhas que se prolongam no passado e, através dos vossos pais e das gerações, talvez já muitas, se radicam numa realidade mais modesta e mais pobre daquela na qual viveis, todavia grande e preciosa".

As palavras do Sumo Pontífice põem em evidência uma experiência já secular: a integração advém tanto mais fácil e autenticamente, quanto mais ela se realiza na liberdade, quanto mais os imigrados se sentem aceites e respeitados nas suas peculiaridades, na sua cultura e tradição. Nada mais do que a liberdade e o sentir-se aceite, faz amar a terra e a sociedade de adopção; por este motivo, a integração torna-se fonte de riqueza para a igreja local, à qual oferece novas "vozes" e novos estímulos. Depois, pelo que diz respeito directamente ao núcleo familiar, a possibilidade de maturar e de afirmar-se no contexto dos seus valores tradicionais, também enriquecidos pela contribuição daqueles que ela encontra e consegue assimilar no novo ambiente, assegura-lhe uma estabilidade e uma coesão, que, diversamente, poderiam estar em perigo.

O Santo Padre aproveita esta oportunidade para renovar a expressão do Seu apreço para com aqueles que se sacrificam em favor dos emigrantes e se dedicam com empenho assíduo e inteligente a ajudá-los na procura de soluções oportunas, sob o ponto de vista humano e cristão, para os problemas conexos com a sua vida familiar. Incitando-os a continuarem com renovado entusiasmo numa acção pastoral tão meritória e urgente, Ele invoca sobre os mesmos a abundância de favores celestes, em penhor dos quais concede de coração uma propiciadora Bênção Apostólica, que estende com afecto paterno a todas as famílias envolvidas no grande fluxo das migrações modernas.

Aproveito a oportunidade para subscrever-me com protestos de distinta estima, de Vossa Eminência dev.mo in Domini

Vaticano, 8 de novembro de 1980

 

AGOSTINO Card. CASAROLI

 



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