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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 ÀS RELIGIOSAS URSULINAS
VINDAS A ROMA PARA A BEATIFICAÇÃO
 DE MARIA DA ENCARNAÇÃO

Quarta-feira, 25 de Junho de 1980

 

Caras Irmãs

No dia que segue uma data tão importante e animadora para o Canadá e para as Religiosas Ursulinas, sinto especial prazer em receber-vos, vindas de diversos países onde estais estabelecidas. Tendo beatificado uma das vossas Irmãs mais ilustres, associo-me à vossa alegria e desejo que a vossa congregação e a vida religiosa de cada uma de vós, recebam deste acto entusiasmo novo.

1. Maria da Encarnação é, de facto, exemplo eminente de vida religiosa tal como a Igreja a vive há tantos séculos, e tal como o recente Concílio no-la recordou. Fundada nas palavras e nos exemplos do Senhor, a vida religiosa leva à entrega completa a Deus, amado acima de tudo, para a pessoa se ordenar ao serviço do Senhor a titulo novo e particular.

E os conselhos evangélicos unem de maneira especial os que os praticam à Igreja e ao seu mistério (cf. Lumen gentium, nn. 43 e 44).

Este ideal religioso, viveu-o Maria da Encarnação de tal maneira que a Igreja, ao declará-la Beata, afirma que ela constitui exemplo autêntico, e que, seguindo-o, as religiosas de hoje não só não se enganarão mas estarão no caminho da perfeição e do maior serviço da Igreja. Merece acaso a pena dizer que este exemplo vale especialmente para vós que estais aqui, minhas Irmãs, para vós que pertenceis à grande família fundada por Santa Angela Merici — família de que a nova Beata é uma das maiores glórias —  e para vós sobretudo, Irmãs Ursulinas do Canadá, de quem ela é a fundadora? Irmã Maria da Encarnação é chamada "a Mãe da Igreja no Canadá"! Não o é somente porque ela foi historicamente a primeira. É-o sobretudo por causa da orientação espiritual da sua vida e acção. É por isso que urge segui-la, hoje mais que nunca, nas dificuldades do nosso tempo. Limito-me esta manhã, caras Irmãs, a indicar-vos alguns pontos.

O primeiro, em que tenho muito empenho, é á unidade da vossa vida. Existe tão grande tendência a opor! Opõe-se humanismo e religião, sentido de Deus e sentido do homem, vida contemplativa e vida activa, e tantas outras coisas. Não quer dizer que estas distinções não tenham alguma coisa de verdade; mas seria ainda necessário encontrar as condições superiores da unidade. De tal unidade, a Irmã Maria da Encarnação é exemplo de primeira ordem. Poder-se-ia desenvolver longamente a variedade da sua experiência humana, tanto como o aprofundamento continuo da sua vida mística. Neste itinerário, as biografias fizeram notar com razão a importância do período espiritual de 1653, marcado pela oferta total de si mesma em pró do futuro cristão do Canadá. Quando ela se esforça, e desde sempre, "por obedecer às cegas" à vontade de Deus, aparece-lhe a unidade da sua vida: realmente, a intimidade mística com Deus não faz senão um com a vida apostólica e com o espírito de serviço que nunca parara de orientar a sua existência, na sua casa ou em casa do cunhado, até à decisão de entrar nas Ursulinas de que ela só ouvirá falar, "porque elas estavam instituídas para ajudar as almas, coisa a que, escreve ela, eu fortemente me inclinava" (Autobiografia, cap. XXIX). Todas vós sabeis qual foi a eficácia da sua acção, ainda que tenha vivido praticamente enclaustrada no seu mosteiro: todas as suas qualidades de espírito e de coração eram orientadas pela vontade de fazer, em toda a parte, unicamente a vontade divina.

3. O segundo ponto para o qual desejo chamar a vossa atenção deve constituir para vós, minhas Irmãs, vigoroso incitamento no vosso apostolado. Trata-se da predominância, na vossa fundadora, da vida interior fundada primeiramente na procura da vontade de Deus e na obediência. A sua fidelidade ao Espírito de Cristo tudo domina. "É este espírito que faz correr, por terra e por mar, os operários do Evangelho e os faz mártires vivos antes de o ferro e o fogo os consumir", escrevia ela, e as suas palavras tomavam sentido bem concreto, se as referimos aos primeiros mártires do Canadá.

É bom meditar e aprofundar este fundamento da vida espiritual da nossa Beata. É possível evitar assim um grave obstáculo para a orientação e a eficácia da vida religiosa e do apostolado no mundo moderno. Bem sabemos, sem dúvida, que o apelo da graça se vem inserir na nossa natureza, e também nas condições históricas particulares, e portanto mudáveis. Por causa disto, certas modalidades da vida da Madre Maria da Encarnação já não podem ser para vós exemplos para imitar à letra. Mas falei-vos da sua fidelidade ao "espírito do Verbo Encarnado" que a levou, como ela escrevia em 1653, a oferecer-se "em holocausto à divina Majestade para ser consumida da maneira que Ele quisesse ordenar, por todo este desolado país". A meditação da sua vida deve permitir às Irmãs Ursulinas escapar a uma tentação frequente na nossa época e dar prova de verdadeiro discernimento espiritual. É preciso atender a não atribuir a concepções ou a circunstâncias do passado o que é na realidade exigência permanente da vida religiosa segundo a Igreja, assim como do verdadeiro abandono a Deus de que Maria da Encarnação deu exemplo. Com efeito, o aspecto excepcional das graças místicas — de que ela foi favorecida e dela fazem mestra de vida espiritual, igual às maiores — não deve levar a que se esqueçam os princípios muito simples segundo os quais ela viveu e se dedicou à formação cristã da juventude, para servir Cristo e a Sua Igreja como Ele queria ser servido. Estes princípios devem ser ainda agora os vossos, na vossa vida religiosa como no apostolado que vos é ainda confiado junto dos jovens. É o que se pode chamar a fidelidade ao carisma da fundadora. Quanto seria prejudicial que uma adaptação indevida ao espírito da nossa época levasse algumas almas consagradas a colocarem, no primeiro plano das suas motivações explícitas, o cuidado do desenvolvimento pessoal e dos gostos próprios! A Madre Maria da Encarnação, na sua fidelidade, soube resistir a esta tentação de uma "vocação oblíqua", como lhe ensinavam os seus directores jesuítas, segundo Santo Inácio. Segui-a com alegria e coragem pelo caminho da vossa bela vocação, no amor e no dom sem reserva.

4. Nos princípios da sua vida religiosa, Maria da Encarnação viu, num sonho profético, "um grande e vasto país, cheio de montanhas, de vales e de nevoeiros espessos que tudo enchiam", como ela própria escreveu (Autobiografia, cap. XXXVII). Mais tarde iria ela reconhecer nisto esse Canadá, a que ela tanto contribuiu a levar — e no meio de que sofrimentos! — a luz do Evangelho. Que encorajamento e que exemplo! Hoje também, minhas Irmãs, vivemos num mundo que está muitas vezes mergulhado no nevoeiro, e já não se trata apenas, infelizmente, da ignorância do Evangelho, mas muitas vezes do abandono do Evangelho. Neste mundo, somos nós chamados a restituir a luz e a alegria. Oxalá as festas destes dias vos encham de conforto espiritual e coragem, para rectificardes, se necessário, o que precise de o ser, para vos remergulhardes no amor do Senhor, a exemplo da Beata Maria da Encarnação, e vos tornardes cada vez mais verdadeiras testemunhas e apóstolas dele, especialmente junto da juventude. Sinto-me feliz por ter podido celebrar esta nova Beata convosco, com todas as Irmãs Ursulinas e com aquelas que são mais particularmente suas filhas e de algum modo suas herdeiras espirituais. Continuai a caminhar fielmente segundo as suas pisadas com a ajuda do Senhor. É a Ela que vos confio a todas, dizendo-vos quanto a Igreja precisa de vós e conta convosco. Abençoo de todo o coração as vossas casas, as vossas obras e todos os que vos são caros, dando-vos a Bênção Apostólica.

 

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