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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 AOS MEMBROS DO SACRO COLÉGIO,
AOS COLABORADORES DA CÚRIA ROMANA,
DA CIDADE DO VATICANO E DO VICARIATO DE ROMA

28 de Junho de 1980

 

Senhores Cardeais!
E vós todos aqui presentes,
meus colaboradores nos organismos da Cúria Romana
!

Saúdo-vos a todos muito cordialmente, nesta vigília da Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e exprimo-vos a minha alegria por me encontrar convosco. Agradeço ao Senhor Cardeal Carlo Confalonieri, Decano do Sacro Colégio, que interpretou, com a sua sempre notável agudeza de espírito, os sentimentos de todos vós, apresentando-me os vossos bons votos nesta vigília da festa do Pescador de Batsaida, de que sou o último e humilde Sucessor.

1. Muito desejei que, precisamente hoje, nos encontrássemos, porque é a nossa festa. E a festa da Curia Sancti Petri in Ecclesia Romana. Aqui, pouco longe do lugar onde Pedro deu a extrema prova do seu amor a Cristo, seguindo-o na cruz — «tu me sequere» (Jo. 21, 22) — estamos reunidos, nós todos que formamos a Cúria, em todas as suas ordens e graus.

Muito me empenhei em celebrar convosco esta festa, porque deve-mos sentir-nos, todos juntos, parte viva desta Santa Igreja de Deus que está em Roma, e experimentar a nobre glória de fazer parte dela, por motivo da nossa qualificação: o Papa, que vos fala, como Sucessor de Pedro; os Cardeais, que formam a título especial o Presbitério da Igreja Romana, como colaboradores directos do Papa; e todos os outros, Prelados Superiores, Oficiais, Religiosos e Religiosas, e Leigos, unidos num só vinculo de operosidade e de afecto, para um serviço de particular honra e de especial responsabilidade.

É também desejo meu, neste período que precede as férias, agradecer-vos o trabalho atento, eficaz e generoso, que prestais ao meu ministério de Papa da Igreja universal e de Bispo de Roma. Bem sei que o meu trabalho apostólico, se tem um raio de alcance tão vasto para corresponder às exigências crescentes apresentadas pela aplicação do Concílio Vaticano II, pode atingir estas finalidades, com a ajuda de Deus, exactamente porque está inserido numa mais ampla e capilar colaboração doutros postos, doutras pessoas e doutras células vitais. Muitas, muitíssimas destas mantêm-se desconhecidas, ocultas na sombra. Mas para levar à frente uma missão tão sobre-humana, são necessários muitos trabalhos ocultos, discretos e silenciosos. Este contributo, que julgo insubstituível, eu vo-lo agradeço.

2. Pretendo lançar convosco um olhar sobre os factos e elementos, muito importantes, que neste ano assinalaram a acção da Igreja «ad intra», na própria vida, autónoma e soberana, que se desenvolve no tempo para a prossecução do anúncio evangélico. Queremos juntos procurar a identificação do caminho que a Igreja deve seguir, sem temores e com grande confiança, na única consciência que ela tem de ser dirigida pelo Espírito Santo, que, segundo a promessa solene do Senhor, actua na Igreja. Agora, na perspectiva da conclusão do segundo milénio, vemos cada vez melhor como o Concílio Vaticano II foi «momento» particular e privilegiado da acção da Igreja na nossa época, e como o nosso dever é dar-lhe plena realização. A esta luz é necessário ver tudo quanto, humilde mas firmemente, a Santa Sé procurou levar a termo, com a vossa colaboração, nesta linha dominante da aplicação do Concílio em todos os campos da vida eclesial.

3. A solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo favorece estas reflexões, caríssimos irmãos e amigos. Eles estão nos fundamentos da Igreja de Roma.

Depois da Sua ressurreição, disse Cristo três vezes a Pedro: «Apascenta»; mas primeiro perguntou-lhe: «Simão, filho de João, tu amas-me?» (Jo. 21, 16). Deste modo reconfirmava a missão que lhe tinha confiado já antes, na comunidade fraterna dos «Doze»: missão que vários momentos importantes e significativos ajudam a preparar. O Evangelho enumera-os num «crescendo» contínuo, até aos cumes das palavras pronunciadas por Cristo em Cesareia de Filipe, que tornaremos a ouvir na Missa de amanhã (cf. Mt. 16, 13-19), na Ultima Ceia (Lc. 22, 31 s.) e junto do lago de Tiberíades, que bem pouco acima recordei. Todavia, o momento mais importante, consideradas as circunstâncias, é talvez este: «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo. 6, 68). Nas «palavras de vida eterna» encontra a Igreja a sua última razão de ser. Constituem a base da autêntica vida da Igreja também nas dimensões de cada período da história.

A Igreja contemporânea tem particular sensibilidade «histórica»: quer ser, em toda a extensão do termo, «Igreja no mundo contemporâneo». É exactamente por isso que a Igreja deve profundamente «sentir» a força do Evangelho, contida na plena dimensão do mistério de Cristo: «mistério escondido desde tempos antigos em Deus» (Ef. 3, 9), revelado no tempo, e, em certo sentido, sempre mais à medida das necessidades da história, isto é, «dos sinais dos tempos». Nisto consiste a justa proporção entre a «verticalidade» e a «horizontalidade»: não há «horizontalidade»» autenticamente evangélica sem a «verticalidade», e vice-versa.

Neste sentido o Vaticano II é o «dom» que o Espírito Santo fez à Igreja na grande viragem dos milénios: como gostei de fazer notar na Encíclica Redemptor Hominis, «aquilo que o Espírito disse à Igreja mediante o Concílio do nosso tempo... não pode — apesar das inquietudes momentâneas servir para outra coisa senão para uma solidez, mais consciente ainda, de todo o Povo de Deus, bem consciente da sua missão salvífica... Com as luzes e com o apoio do Espírito Santo, a Igreja tem uma consciência cada vez mais aprofundada quer pelo que se refere ao seu mistério divino, quer pelo que se refere à sua missão humana»» (n. 3).

4. O Concílio demonstrou que a missão de Pedro é «primacial» numa forte «moldura» de colegialidade. A esta verdade do «princípio existencial» da Igreja devemos subir sempre e em vários modos (cf. Lumen Gentium, 20-23), e ela quotidianamente vivida pela Igreja mesma, em forma cada vez mais adequada às exigências do tempo presente, segundo as indicações do Concílio.

Antes de tudo, o Sínodo dos Bispos abre grandes responsabilidades a esta colaboração colegial do corpo episcopal de todo o mundo, à volta do Sucessor de Pedro.

Mas é preciso não esquecer que há também na Igreja outras formas colegiais mais antigas que o Sínodo, por exemplo a antiquíssima forma institucional do Sacro Colégio Cardinalício; este, na sua fisionomia composta por Bispos de toda a Igreja, encardinados em Roma com as suas Sedes Suburbicárias, Títulos e Diaconias, circunda e sustenta com a sua sabedoria, experiência e conselho, a obra do Papa «na solicitude pastoral pela Igreja nas suas dimensões universais», como eu disse ao inaugurar a reunião plenária realizada de 6 a 9 de Novembro do ano passado. (Insegnamenti, II, 2, 1979, p. 1048). Se quis convocar esse encontro, que foi definido histórico porque — à parte as reuniões durante os dois Conclaves de 1978 — de há séculos não se tinha oferecido a possibilidade de convocá-lo (menos ainda na vasta medida hoje oferecida pela composição e pelo número do Sacro Colégio), isto foi, precisamente, em vista de um peculiar exercício da Colegialidade episcopal.

E como recordei naquela primeira solene assembleia do Sacro Colégio, apraz-me aqui recordar, à luz do mesmo princípio da colegialidade episcopal cum Petro et sub Petro, o primeiro Consistório do meu Pontificado, celebrado no ano passado, a 30 de Junho, quando 14 novos Cardeais, chamados de várias dioceses do mundo e do serviço da Cúria Romana, foram agregados ao vosso antigo Colégio: nova linfa vital inserida na raiz vetusta da Igreja Romana.

Há depois as Conferências Nacionais dos Bispos, que em vários modos tendem a exprimir aquele «iunctim» que é o ponto de contacto entre o carácter «colegial» dos Bispos e o «primacial» de Pedro, no exercício do respectivo ministério pastoral na Igreja.

5. Nesta altura apraz-me recordar com especial gratidão, nesta moldura de colegialidade vivida na oração intensa e na lúcida distinção dos problemas do momento, a celebração, aqui no Vaticano, de duas sessões extraordinárias de Sínodos particulares: o Sínodo particular dos Bispos Ucranianos, para a nomeação do Coadjutor, com direito de sucessão, do venerado e caro Arcebispo-Mor e Metropolita de Lviv, o Cardeal José Slipyj, Sínodo este convocado para 24 de Março de 1980; este fora precedido pelo Sínodo particular dos Bispos Holandeses, celebrado de 14 a 31 de Janeiro, que suscitou vivo e universal interesse na Igreja. Durante mais de duas semanas trabalhámos juntos, deixando-nos guiar pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que reúne o Povo de Deus (cf. Lumen Gentium, 4). A decisão de reunir o Sínodo foi chegando à maturidade nos numerosos encontros com os Bispos daquela Nação: e o sentido profundo da decisão depreende-se já do título da ordem do dia: «O exercício do trabalho pastoral da Igreja nos Países Baixos nas presentes circunstâncias, para que a Igreja se manifeste sempre mais como comunhão». Tal profundo significado foi também compreendido pelos fiéis, como demonstram as observações por eles apresentadas, mas sobretudo a oração fervorosa com que acompanharam os trabalhos dos seus Bispos juntos ao Papa. Pude estar presente todos aqueles dias e participar na maior parte das sessões de trabalho. Juntos orámos, juntos celebrámos a Eucaristia e juntos invocámos a Virgem Maria. Quero aqui prestar homenagem à disponibilidade, à devoção e à objectividade dos pastores holandeses, que se deixaram guiar unicamente pela realidade e pelas exigências fundamentais da comunhão eclesial — comunhão local e universal ao mesmo tempo.

Esta forma de diálogo, no interior da Igreja mesma, serve para reforçar os vínculos de uma comunhão, cujo princípio orgânico e construtor é sempre a caridade.

As conclusões finais daquele Sínodo revestem importância fundamental para a Igreja nos Países Baixos, mas também para a Igreja inteira, porque os problemas nele examinados à luz do Vaticano II dizem respeito também às outras Igrejas locais. Mas em primeiro lugar é o testemunho de comunhão e de colegialidade, dado no curso de todas as fases do Sínodo, que dele fazem um acontecimento histórico para toda a Igreja.

6. Mas como esquecer, como momentos privilegiados e únicos da Colegialidade episcopal — na moldura «primacial» — vivida ao lado dos mesmos Bispos nos seus próprios países, portanto em contacto directo com os seus problemas e as suas ansiedades pastorais, os memoráveis encontros que tive com os Pastores, durante as visitas até agora realizadas nos diversos países, participando nessas oportunidades nas sessões das várias Conferências Episcopais Nacionais? Trago profundamente impressa no coração, com lembrança que não se apagará nunca, a experiência feita em Puebla, no México, juntamente com todos os Bispos do Continente Latino-Americano; e com os Irmãos do Episcopado da Polónia, da Irlanda, dos Estados Unidos da América, do Zaire, do Congo, da República Centro-Africana e do Chade, do Quénia, do Gana, do Alto Volta, da Costa do Marfim e da França, além dos encontros com a Conferência Episcopal Italiana, aqui em Roma.

7. É-me também agradável recordar aqui as preciosíssimas e densíssimas experiências constituídas pelas visitas «ad limina» dos vários Episcopados do mundo que vêm, como Paulo de Tarso, videre Petrum (Gál. 1, 18) e apresentar-lhe um quadro vivo das suas Igrejas particulares, das quais como que se sente a vida pulsante nas suas riquezas de energia humana e de graça divina, nas suas esperanças e nas suas tribulações: até agora tive a consolação de encontrar-me, mesmo mais que uma vez, com os Bispos da Colômbia, da Argentina, do Chile, do Peru, da Papua Nova-Guiné e Ilhas de Salomão, do México, da Venezuela, do Equador, da Nicarágua, do Japão, da Malásia, Singapura e Bornéu, da Indonésia e do Vaticano.

Foi um recíproco darem e dar-se, os Bispos ao Papa e o Papa aos Bispos: estas visitas oferecem efectivamente a possibilidade de um colóquio pessoal com cada Pastor das várias Igrejas particulares, e de encontros colegiais, diria compendiosos e mais sintéticos, com os vários grupos do Episcopado do país ou da região, tomados em conjunto.

8. Acho ainda bastante importante a intensa e contínua troca da correspondência epistolar entre a Santa Sé e cada diocese do mundo, em todos os seus elementos que representam o rosto humano do Povo de Deus, as suas exigências, os seus problemas, os seus sofrimentos e as suas alegrias. É tão precioso o que esta Sé Apostólica «recebe» e «ouve», para poder por sua vez, de modo adequado, «dar» e «responder»! Tenho o prazer, nesta ocasião que nos vê reunidos como os membros de uma .só família, de dar testemunho do louvável e constante esforço comum que todos os Dicastérios realizam — e de que tenho todos os dias as confirmações consoladoras — pondo em prática a colegialidade «sui generis» existente no interior da Cúria Romana. Tal colegialidade manifesta-se no dever quotidiano, que tem a característica única e específica de uma colaboração prestada ao serviço exclusivo do Vigário de Cristo e Sucessor de Pedro, para a respiração de toda a Igreja; e esta cooperação está unida a uma estreita e responsável «co-responsabilidade» de todos os seus elementos, começando pelo Cardeal Prefeito e terminando nos Porteiros. A Constituição Apostólica Regimini Ecclesiae pôs em evidência a necessidade e as vantagens de uma cada vez mais estreita colaboração, especialmente em matéria de competência mista (cf. Cap. II, nn. 13-17), e nisto está dando os seus frutos: não posso portanto omitir uma palavra de elogio e de ânimo, quer pelos encontros de consulta e de estudo que se realizam no âmbito de cada Dicastério ou de vários Dicastérios juntos (entre Perfeitos, Secretários, Subsecretários com os seus Colaboradores), quer de modo particular pelas reuniões de todos os Chefes dos Dicastérios da Cúria Romana, inculcados pela mesma «Regimini» (ib., n. 18), e nas quais me senti obrigado a participar sempre, desde o início do Pontificado.

Agradeço, pois se apresenta a ocasião, aos Em.mos Cardeais König, Philippe e Bafile, que nestes dias deixaram os altos cargos que tinham, e estou-lhes obrigadíssimo pelo auxílio tão precioso, que deram a mim e à Cúria Romana; e saúdo, com os melhores votos, aqueles que lhes tomam os lugares.

Na citada reunião plenária do Sacro Colégio, fiz notar que «a perspectiva da ulterior aplicação do Concílio Vaticano II depende em boa parte do eficaz funcionamento das estruturas da Cúria Romana — e da programada cooperação delas com as análogas estruturas no âmbito das Igrejas locais e das Conferências Episcopais» (Insegnamenti, II, 2, 1979, p. 1056). Por isso é necessário perguntarmo-nos continuamente: Como deve ser a Cúria? Como deve operar, para corresponder cada vez melhor A. sua vocação, às obrigações específicas que tem para com a Igreja universal, em base ao carácter «primacial» e «colegial» juntamente, que é específico do ministério do Bispo e da estrutura hierárquica da Igreja, como também da sua missão apostólica e pastoral?

Na medida em que respondermos a estas interrogações, que interpelam a nossa consciência, poderemos dizer que respondemos à confiança, que o Senhor colocou em nós, chamando-nos a fazer parte de um organismo tão complexo e delicado.

9. O magisterium do Vaticano II contém estupenda e rica visão da Igreja, que requer perseverante «realização». Muitas coisas estão ainda por fazer, talvez mais do que foi já feito até agora. No centro da auto-realização da Igreja está a consciência da missão. Participamos na «missão trinitária» (cf. Lumen Gentium, 2-4; Ad Gentes, 2-9); é participação que deve exprimir-se na missionariedade da Igreja mesma («Ecclesia in statu missionis»). A missão é a revelação «do, poder de Deus para a salvação de todo o crente, em primeiro lugar do judeu e depois do grego» (Rom.1, 16), no significado e no alcance actual dos destinatários, a quem se dirige.

O Vaticano II ensinou-nos como «manifestar»este poder de Deus, com plena compreensão e respeito seja de cada homem, seja de cada nação e povo, de culturas, línguas e tradições, seja ainda das diferenças religiosas e mesmo da fé e da não-crença (tanto na afirmação como na negação de Deus).

10. Em tal contexto tomam o seu pleno significado todas e cada uma das viagens-peregrinações do Papa, no que diz respeito quer à especificidade de cada uma delas, quer à sua globalidade. Estas viagens são visitas feitas a cada uma das Igrejas locais, e servem para demonstrar o lugar que estas têm na dimensão universal da Igreja, para sublinhar a peculiar aptidão que têm para constituir a universidade da Igreja. Como afirmei noutra ocasião, cada viagem do Papa é «autêntica peregrinação ao santuário vivo do Povo de Deus» (17 de Outubro de 1979, Insegnamenti, 77, 2, 1979, p. 765).

Nesta perspectiva viaja o Papa, sustentado, como Pedro, pela oração de toda a Igreja (cf. Act. 12, 5), para anunciar o Evangelho, para «fortalecer os irmãos» na fé, para consolar a Igreja, para se encontrar com o homem. São viagens de fé, de oração, que têm sempre no coração a meditação e a proclamação da Palavra de Deus, a celebração eucarística e a invocação de Maria. São outras tantas ocasiões de catequese itinerante, de anúncio evangélico no prolongamento, para todas as latitudes do Evangelho e do Magistério apostólico, dilatado até às hodiernas esferas planetárias. São viagens de amor, de paz e de fraternidade universal (cf. Insegnamenti, ib., p. 710 s.). O México, a Polónia, a Irlanda, os Estados Unidos, a Turquia, a Africa, a França e proximamente o Brasil: nestes encontros de almas, mesmo na imensidade das multidões, reconhece-se o carisma do hodierno ministério de Pedro pelos caminhos do mundo.

Esse, e só esse, é o fim que tem em vista o Papa-peregrino, embora alguns possam atribuir-lhe outras motivações. A finalidade dos Pastores é «reunir o povo de Deus» com alcance e dimensão diversos. Em «reunião» a Igreja reconhece-se a si mesma e, ao mesmo tempo, realiza-se a si mesma. Entre vários métodos de aplicação do Vaticano II, este parece ser fundamental e particularmente importante. É o método apostólico: é o de Pedro e, mais ainda, o de Paulo. Como não nos sentiremos comovidos ao ler as peregrinações do Apóstolo das Gentes, tais como no-las propõem com tanta viveza os Actos? Como não nos sentiremos agitados por aquela ousadia, por aquele desafio a todos os obstáculos e a todas as dificuldades? Os meios técnicos, oferecidos pela nossa época, facilitam hoje este método e em certo sentido «constrangem» a que o sigamos. Já João XXIII o pressentia, mas foi Paulo VI quem lhe deu plena realização, e em vasta escala. João Paulo I tê-lo-ia certamente continuado.

11. Naquelas assembleias verdadeiramente plenárias das comunidades eclesiais nos vários países, aplica-se o fundamental Capítulo segundo da Lumen Gentium, que trata das muitas «esferas» em que se pode aderir à Igreja como Povo de Deus, e do laço que existe com ela, mesmo por parte daqueles que não lhe pertencem ainda.

Em tal visão múltipla da realidade da Igreja no mundo, as visitas levaram às vezes a uma sociedade em maioria «católica» (como o México, a Irlanda, a Polónia, a França e em breve o Brasil), mas também muitas vezes a países onde os «católicos» convivem com os irmãos de outras Igrejas e confissões cristãs (como nos Estados Unidos da América), formando muitas vezes minoria; e além disso a países onde os católicos convivem com os sequazes de outras religiões, e são um dos vários grupos operantes em cada nação (como nos países africanos até agora visitados), ou pelo menos formam modesta minoria (como na Turquia). Por fim, as viagens articulam-se também em várias situações que se apresentam entre crentes e não-crentes.

12. Pode dizer-se que, depois do Concílio Vaticano II (em base ao citado capítulo II da Lumen Gentium e a outros documentos particulares), o Papa-peregrino se sente em toda a parte como «em sua casa», mesmo «entre os estrangeiros». E tem disso prova também nas relações que estes travam consigo.

Não posso esquecer os encontros com o Rabino-Mor e os seus colaboradores em Istambul; com a comunidade hebraica em Battery Park, em Nova lorque; com os Chefes muçulmanos em Nairobi, em Acra e em Ouagadougou; com os Chefes hindus também em Nairobi; com os representantes da Comunidade muçulmana, e da hebraica em Paris. É a prossecução de um colóquio, que a Sé Apostólica continua a manter com os representantes das religiões não cristãs (recordo as Audiências a vários grupos de Budistas e de Xintuístas no Vaticano), graças também à obra inteligente e discreta do homónimo Secretariado, de que uma vez mais recordo o saudoso Presidente, Cardeal Pignedoli.

13. A toda a parte, sem reparar na tradição ou na filiação religiosa, o Papa leva consigo a profunda consciência de querer Deus que todos os homens se salvem e conheçam a verdade (1 Tim. 2, 4); a consciência da obra redentora de Cristo, que se realizou no Seu sangue derramado por todos os homens, sem distinção entre crentes e não-crentes. O Papa leva a toda a parte consigo também a consciência da fraternidade universal de todos os homens, em cujo nome eles devem sentir-se unidos à volta dos grandes e difíceis problemas da família humana inteira: paz, liberdade, justiça, fome, cultura e outros problemas que, com o auxílio de Deus, tratei amplamente na sede da ONU, em Nova Iorque, diante da Assembleia Geral das Nações Unidas, a 2 de Outubro do mesmo ano; na Organização dos Estados Americanos, a 6 de Outubro; na da FAO, em Roma, a 12 de Novembro, e por fim na sede de Paris da UNESCO, a 2 de Junho último. O Evangelho é a fundamental «magna charta» de tal consciência.

14. O encargo particular do caminho que diz respeito à missão da Igreja é o ecumenismo: a tendência para a unido dos cristãos. Trata-se de uma prioridade que se impõe à nossa acção, primeiramente porque ela corresponde à vocação mesma da Igreja. O esforço ecuménico não é empreendido por questões de oportunidade e não é ditado por situações ou condições contingentes, mas funda-se na vontade de Deus.

Fortalecido com esta convicção, fiz visita ao Patriarca ecuménico, Sua Santidade Dimítrios I, em Istambul. Era necessário eu visitar a primeira sede da Igreja ortodoxa, à qual estamos unidos por comunhão profunda, de que retomámos nova consciência nestes anos, durante os quais se desenvolveu o diálogo, que levou ao diálogo teológico. Este acaba de se iniciar em Patmos com um dinamismo espiritual que desperta em mim alegria e esperança. É necessário que o alvor do século que se aproxima nos encontre unidos na plena comunhão. O diálogo teológico deverá vencer os desacordos ainda existentes, mas, como tive ocasião de dizer noutro lugar, será necessário aprender de novo a respirar plenamente com dois pulmões, o ocidental e o oriental.

Recentemente, recebi, aqui em Roma, delegações dos Patriarcados de Moscovo e da Bulgária. Mas tive, também e sobretudo, a alegria de ter neste mês de Junho a visita do Catholicos-Patriarca da Geórgia, Elia II. Não esqueço as Antigas Igrejas Orientais. O meu encontro em Istambul com o Patriarca Snork Kaloustian assinala a vontade de levar avante o que tinham empreendido o meu venerado predecessor e o Catholicos da Igreja arménia. Com a Igreja copta está-se ultimando um documento, cuja preparação teve início com a visita, por mim recebida o ano passado, de uma importante delegação dessa Igreja. Também recebi recentemente a visita de um metropolita da Igreja síria na Índia, e de uma delegação da Igreja da Etiópia, com cujo Patriarca espero encontrar-me. Mas sobretudo, em Maio passado, o saudoso Mar Ignatius Yacoub III, Patriarca da Igreja síria, falecido há poucos dias, presidiu a uma importante delegação, para renovar a visita à Igreja de Roma em 1971.

Mas é também agradável fazer votos por que aqueles que mais directamente estão encarregados de promover a unidade — os responsáveis pelo ecumenismo nas dioceses, as comissões ecuménicas nas Conferências Episcopais, o Secretariado para a União dos Cristãos no âmbito da Cúria Romana a quem agora desejo publicamente agradecer — por que, . dizia, esses estejam intimamente associados numa frutuosa colaboração.

15. O esforço para restabelecer a plena comunhão com as Igrejas, herdeiras das diversas tradições orientais, não leva porém a que se descure a preocupação de extirpar as divisões nascidas no século XVI no Ocidente. Em menos de dois anos e com espírito de amizade cristã, tive encontros com dois Arcebispos de Cantuária: o Dr. Coggan, que desejou assistir à inauguração solene do meu pontificado, e o Dr. Runcie, que se encontrou comigo na Africa. Nestes encontros vi reflectidas as intenções de muitos anglicanos no sentido do restabelecimento da unidade.

Esta intenção infunde força a muitos diálogos e a muita colaboração que se estão a dar no mundo de língua inglesa. É experiência que deve conduzir-nos a seguir na oração o trabalho realizado pela Comissão mista entre a Igreja católica e a Comissão anglicana, cujos resultados, muito importantes, serão apresentados no fim do próximo ano.

Os Metodistas seguiram de perto o Concílio Vaticano II e encontraram, no renovamento que ele produziu, muitas inspirações que se aproximam dos ideais deles quanto à santidade de vida. No diálogo oficial coma Federação Luterana Mundial, numerosas controvérsias do século XVI, não destituídas ainda hoje do seu efeito, foram estudadas num esforço comum teológico.

No enquadramento destes contactos com a cristandade luterana, assumiu nestes tempos particular significado a discussão sobre a «confissão de Ausburgo». Deste fundamental documento, que data de 1530, decorrem nestes dias 450 anos de publicação. Do facto foi apresentado um enunciado especial, como sabeis, quarta-feira passada.

Também no diálogo com a Aliança Mundial das Igrejas reformadas se reflectiu sobre as origens comuns e houve acordo em reflectir a respeito da responsabilidade cristã no mundo de hoje.

Com as Igrejas pentecostais é levado à frente um diálogo que apaga muitos mal-entendidos.

Paralelamente aos contactos e aos diálogos «bilaterais» com as diversas Igrejas, desenvolveu-se contemporaneamente uma colaboração com o Conselho Ecuménico das Igrejas e com os seus vários departamentos. Pedi que tal colaboração se vá intensificando, porque estou convencido — apesar das dificuldades — da importância deste diálogo multilateral e dos resultados benéficos que ele pode ter. Tive a este propósito conversas úteis com o Secretário-geral deste organismo, o Pastor Philip Potter, no princípio do ano passado.

Em cada uma das minhas viagens empenhei-me em encontros com os meus irmãos das outras Igreja e comunidades eclesiais. Isto aconteceu sobretudo na Irlanda, nos Estados Unidos da América, em vários países da Africa, e em Paris. Estes encontros permitiram, com a ajuda da experiência, realizar progressivamente trocas fraternas, e tornaram possível uma boa auscultação recíproca e uma recíproca compreensão. E espero que eles aumentem e se desenvolvam nesta direcção durante as viagens futuras.

16. Mas como só Deus nos concede progredir na realização do supremo desejo de Cristo, «ut unum sint» (Jo. 17, 21 ss), compreende-se a importância capital da oração, como sublinhou o Concílio Vaticano II (cf. Unitatis Redintegratio, 8). Uma vez mais e com insistência, convido os fiéis católicos, e sobretudo os chamados à vida contemplativa, a que elevem sem descanso a própria súplica pela unidade verdadeira e completa de todos os discípulos de Cristo. A semana de oração pela unidade dos cristãos deve ser cada ano o tempo forte, o fulcro desta súplica. Deste modo, os princípios católicos do ecumenismo, estabelecidos pelo Concílio Vaticano II, poderão ser plenamente aplicados, e deste modo conseguiremos seguir os impulsos presentes e futuros do Espírito Santo, com discernimento, em total docilidade e generosidade (cf. Unitatis Redintegratio, 24).

17. Todavia, como sublinhei na minha recente Carta ao Episcopado alemão, segundo o recordado Decreto conciliar «Unitatis Redintegratio», a união dos cristãos não pode procurar-se num «compromisso» entre as diversas posições teológicas, mas só em comum encontro na mais ampla e reflectida plenitude da verdade cristã. E desejo nosso e deles. É dever de mútua lealdade. O Concílio Vaticano II afirmou: «Nada é mais alheio ao ecumenismo do que aquele falso irenismo, de que vem a sofrer a pureza da doutrina católica e fica obscurecido o seu sentido genuíno e preciso» (ib., n. 11).

O autêntico diálogo ecuménico exige, por isso, por parte dos teólogos, particular maturidade e certeza na verdade professada pela Igreja, e exige particular fidelidade deles ao ensinamento do Magistério. Só mediante este diálogo «o ecumenismo, esta grande herança do Concílio, pode tornar-se realidade cada vez mais madura, isto é, só no caminho de um grande esforço da Igreja, inspirado pela certeza da fé e por uma confiança na força de Cristo, nas quais desde o princípio se distinguiram os pioneiros desta obra» (Carta ao Episcopado alemão, 22 de Maio de 1980). Em tal esforço baseamo-nos unicamente na doutrina do Concílio e queremos tornar verdadeiras as palavras programáticas do seu decreto sobre o Ecumenismo: Unitatis Redintegratio, o «restabelecimento da unidade».

18. Em todo o processo da «auto-realização» da Igreja, segundo a visão que ela, benignamente assistida pelo Espírito Santo traçou para si mesma durante o Concílio, é necessário manter plenamente a fidelidade ao Espírito Santo: o que significa fidelidade da Igreja também a si mesma, à própria identidade.

Esta fidelidade é condição e ao mesmo tempo verificação da entrega a Cristo, da confiança em Cristo, que prometeu: «Eu estou convosco» (Mt. 28, 20); e nesta confiança está «enervada», por assim dizer,,a raiz mesma da vida e do desenvolvimento da Igreja. Conforme disse eu no «Angelus» do primeiro domingo da Quaresma, «a Igreja, na época presente, não tem nenhuma outra necessidade tão grande, fora desta — inflexível e intocável — no poder de Cristo, que deseja actuar nos corações humanos como Redentor e Esposo da Igreja e desvela o mistério daquele amor que é eterno e dura pelos séculos» (24 de Fevereiro de 1979).

O verdadeiro caminho da Igreja é a fidelidade a Cristo. Por isso, a Igreja deve perdurar na «sua verdade» e guardar o «depósito» dela no espírito do amor e pelo amor em que Deus se revela mais plenamente, porque» Deus é amor» (1 Jo. 4, 8). Não se pode, honestamente, fazer coexistir esta fidelidade tomando outros caminhos que se afastem progressivamente de Cristo e da Igreja, pondo em discussão pontos fixos da doutrina, que, como tais, foram confiados à Igreja e ao seu mandato, com garantia de fidelidade assegurada pelo Espírito Santo. A fidelidade a Cristo é fidelidade à guia indefectível do Espírito: «ubi enfim Ecclesia, ibi et Spiritus Dei, et ubi Spiritus Dei illic Ecclesia et omnis gratia: Spiritus autem veritas»: são as célebres palavras de Santo Ireneu (Adv. Haer. 11, 24, 1). E Cipriano: «Unus Deus est, et Christus unus, et una ecclesia eius, et fides una, et plebs una in solidam corporis unitatem concordiae glutino copulata: scindi unitas non potest» (S. Cypriani, De unitate Eccl., 23).

Portanto é mandato do Colégio episcopal, reunido à volta do humilde Sucessor de Pedro, garantir, proteger e defender esta verdade, esta unidade. Sabemos que, no exercício deste mandato, a Igreja docente é assistida pelo Espírito com o carisma específico da infalibilidade. Esta infalibilidade é dom do alto. O nosso dever é mantermo-nos fiéis a este dom, que não nos vem das nossas pobres forças ou capacidades, mas unicamente do Senhor. E é o de respeitar e não iludir o «sensus fidelium», isto é, aquela particular «sensibilidade» com que o Povo de Deus adverte e respeita a riqueza da Revelação confiada por Deus A Igreja e exige dela absoluta garantia.

Do princípio da colegialidade e da missão pastoral e magisterial dos Bispos deduz-se a comum responsabilidade deles na salvaguarda da pureza da doutrina da Igreja. São chamados a colaborar intimamente com os competentes dicastérios da Sé Romana, centro da comunidade eclesial, para a tornarem cada vez mais capaz de cumprir a sua missão, isto é, de unir e unificar, na mesma fé comum, cada uma das Igrejas locais e todos os fiéis. De tal realidade, às vezes custosa, deram prova recentemente os Cardeais e Bispos alemães.

19. Efectivamente os Bispos, como Pastores e Mestres, são pro-motores de um autêntico diálogo com todos os fiéis. Como escrevi na minha recente Carta ao Episcopado alemão, devem-se «ter na devida conta também as particulares responsabilidades dos teólogos que têm o encargo de ensinar em nome da Igreja, por uma missão especial. Do mesmo modo, não se deve esquecer nem o direito do Magistério de decidir o que é conforme ou não à doutrina da Igreja sobre a fé e sobre a moral. A verificação, a aprovação ou a rejeição de uma doutrina, são coisas que pertencem à missão profética da Igreja».

Como sublinhou o meu Predecessor Paulo VI, ao completar cinco anos de actividade a Comissão Teológica Internacional, é necessário «afirmar que todos os teólogos, por norma inerente ao cargo que têm, participam, sendo embora em graus diversos, da autoridade, no cargo próprio dos Pastores neste campo: isto é, no de fazerem frutificar a fé e afastar com vigilância os erros que ameaçam o rebanho» (11 de Outubro de 1973; Insegnamenti di Paolo VI, 1973, p. 990). É portanto dever complementar, baseado no princípio de subsidiariedade, que aos teólogos é confiado pela Igreja com grande esperança: eles, mediante os instrumentos da investigação teológica realizada na fé viva em Deus vivo, devem indicar ao Povo de Deus o caminho real da Igreja, a fidelidade à Palavra encarnada, que prossegue no mundo a própria missão. Infelizmente, depois do Concílio Vaticano II, apresentou-se uma nova Eclesiologia, fortemente apoiada por alguns meios de comunicação social, que pretendeu indicar à Igreja caminhos que não são os do Concílio Vaticano II. Os teólogos têm o dever de dar confirmação autoritária e autorizada ao ensinamento da Igreja, orientação que deve seguir-se para compreender, cada vez mais a fundo, a verdadeira doutrina da Igreja. Certamente, ao fazerem isto, têm direito à livre análise e investigação, mas sempre em conformidade com a natureza mesma da «ciência de Deus». Toda a «teologia» é um falar de Deus: mais, segundo a linha dominante dos grandes Padres da Igreja, em particular orientais, ela é também, e não pode deixar de ser, uma «teoria», uma «teopsia»: um ver a Deus, um mergulhar-se n'Ele na contemplação e na adoração. Uma teologia que não reze está destinada a tornar-se estéril; melhor, o que é mais prejudicial, a tornar estéreis os corações dos fiéis e dos futuros sacerdotes, lançando sobre eles a sombra da dúvida, da incerteza e da superficialidade. Tudo isto deve fazer reflectir na grave responsabilidade, que os teólogos têm na Igreja, e nas obrigações a que devem ater-se para estarem à altura do seu nome.

20. Nesta altura não posso deixar de recordar os méritos que, em tal campo, adquiriu a Comissão Teológica Internacional, desde 1968. Nem posso esquecer o papel e a actividade da Pontifícia Comissão Bíblica. Ambas são organismos que se deixam guiar pela luz que promana da Sabedoria Cristã e para ela guiam, para unificar «numa única síntese vital» as actividades humanas juntamente com os valores religiosos, «sob cuja direcção todas as coisas estão entre si coordenadas para a glória de Deus e para o integral desenvolvimento do homem» (cf. Sapientia Christiana; AAS 71, 1979, p. 469).

21. Particular significado adquire, a esta luz de investigação e de contemplação da celestial Sabedoria, o papel que são chamadas a desempenhar as Universidades e as Faculdades Teológicas na preparação do clero de amanhã e da juventude culta, que deseja aprofundar o conhecimento da Ciências sagradas para o ensino da religião nas escolas e para melhor cumprimento das funções de catequistas. Recordo com particular alegria as visitas por mim feitas a estes centros de irradiação da doutrina católica, tanto aqui em Roma, às Pontifícias Universidades de São Tomás de Aquino (17 de Novembro de 1979), Gregoriana (15 de Dezembro de 1979) e Lateranense (16 de Fevereiro de 1980), como, durante as viagens apostólicas à Faculdade Teológica de Cracóvia (8 de Junho de 1979), A. Universidade Católica de Washington (7 de Outubro de 1979) ao Institut Catholique de 1'Afrique Occidentale, em Abidjão (11 de Maio de 1980), e ao Institut Catholique, de Paris (1 de Junho de 1980).

22. Sempre no entendimento que move a Igreja pelo caminho da realização do Concílio, é necessária uma menção do esforço que se está realizando em tratar das relações entre a Igreja e a cultura e a ciência. E campo antigo tanto como o Cristianismo, que sempre procurou contactos com as grandes etapas do espírito humano, desde o Didaskaleion de Alexandria até à salvaguarda e conservação das obras-primas clássicas gregas e latinas, confiadas aos Scriptoria unidos aos Conventos e às Cátedras Episcopais, e até às fundações das Universitates Studiorum na Idade Média.

O Concílio, na Constituição pastoral «Gaudium et Spes» (nn. 53-62), deu novo impulso A. «promoção do progresso da cultura», encargo que deve considerar-se fundamental neste momento, em que a difusão dos «mass-media» faz entrar rapidamente na opinião pública, e depois na mentalidade corrente não só as teorias científicas mas também as ideologias que atraem, num contínuo juízo crítico, a inteligência do homem contemporâneo e também a fé do crente. E desafio a que não podemos fugir. Uma relação positiva entre o mundo da ciência e o da cultura não pode deixar de resolver-se numa resposta aos problemas vitais do homem e da fé. Expliquei, na reunião plenária dos Cardeais, a importância que atribuo a esta obrigação primária; e testemunho publicamente o empenho e o juvenil entusiasmo com que o Cardeal Garrone, renunciando ao precedente cargo, se dedicou às relações com a cultura e a ciência. E apraz-me evocar, além dos encontros que tive e tenho com vários representantes da cultura, a solene sessão com que a Pontifícia Academia das Ciências comemorou o primeiro Centenário do nascimento de Albert Einstein, a 10 de Novembro.

Continuemos por este caminho para procurar, segundo o espírito da Gaudium et Spes, «Uma expressão adequada da relação da Igreja com o vasto campo da antropologia contemporânea e das ciências humanísticas» (ib.), sempre na visão sublime do Verbo, da Sabedoria, «a luz verdadeira, a que ilumina todo o homem» (Jo. 1, 14), para que o homem encontrasse a plenitude da verdade, a síntese dos elementos criados, operada na superior coerência entre razão e fé, entre a nobreza ingénita da inteligência e o transcendente complemento que lhe dá a Verdade divina. Agradeço de coração a todos quantos prestam a sua actividade, silenciosa e eficiente, para que se desenvolvam cada vez mais as relações entre a religião e a ciência.

23. É preciso pois que a Igreja — cujo dever é servir a Deus e aos homens em Cristo — se recolha continuamente no caminho da sua auto-realização, nas diversas esferas e estruturas do seu organismo apostólico. É uma grande articulação, estuante de vida, que dá e recebe contributos de cada um dos seus elementos, os quais portanto o Papa, que tem o dever de «fortalecer os irmãos», deve seguir e animar com toda a energia. Mas, ao fazer isto, bem ele sabe que é devedor a muitas pessoas, especialmente aos membros dos Discatérios da Cúria, aos quais dirige portanto vivo e necessário reconhecimento.

24. Antes de tudo os Seminários, que têm a delicadíssima responsabilidade de acolher, estudar e fortificar as vocações, problema-chave na Igreja de hoje. A esta luz desejaria recordar as visitas realizadas, aqui em Roma, ao Colégio da Polónia, ao Colégio Inglês, ao Mexicano, ao Irlandês, ao Almo Colégio Caprânica, ao Colégio Holandês, ao Seminário Romano Maior e Menor, ao Colégio Norte-Americano, além da audiência concedida ao Seminário Regional da Apúlia em Molfeta; fora de Roma, nas peregrinações até agora realizadas, visitei o Seminário de Guadalajara, no México, o de São Carlos, em Filadélfia, o de Quigley South, em Chicago, o de Kumasi, no Gana, e o de Issy-les-Moulineaux, em Paris; e, além disso, em cada nação houve um vibrante e cordial encontro com os jovens Seminaristas, esperança fundamental da Igreja de amanhã.

Igual importância tem na vida eclesial hodierna a presença dos Religiosos e das Religiosas, testemunho vivo do reino de Deus, do anúncio pascal da ressurreição e do espírito das bem-aventuranças evangélicas. Por isso me encontrei com os representantes centrais da Companhia de Jesus, com o Conselho da União dos Superiores-Gerais, com o Capítulo e com a Assembleia Plenária da Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares.

25. Há depois a juventude, que se abre ao Evangelho, aos valores espirituais com todo o impulso do seu entusiasmo, com a sua sede de autenticidade e de verdade, com o seu enfrentar problemas cruciais da própria vida espiritual e moral. É sempre alegria para o Papa encontrar-se com os jovens. E é sempre alegria devolvida. Que enorme entusiasmo encontrei sempre no meio deles! Recordo as noites de Castel Gandolfo com os grupos que se foram sucedendo. Recordo as Santas Missas e as Audiências, em Roma, com os alunos das Escolas médias e com Universitários de várias Nações. E, durante todas as minhas viagens apostólicas, constituiu festa para todos o colóquio directo — face a face, olhos nos olhos com as multidões de jovens que me rodearam, exultantes e pensativos: volto com o pensamento aos universitários do México, em Guadalupe; aos da Polónia, em Cracóvia; à missa de Galway, na Irlanda; ao encontro no Madison Square, de Nova Iorque; penso nos jovens de Nórcia, nos de Turim, nos estudantes do Zaire e da Costa do Marfim, nos jovens operários da Acção Católica em Paris, e depois no encontro do Parc des Princes.

26. Lugar especial nas atenções do Papa é ocupado pela família, que o Vaticano II definiu como primeira e vital célula da sociedade (Apostolicam Actuositatem, 11), encontro de gerações (Gaudium et Spes, 52), Igreja doméstica (Lumen Gentium, ), tirocínio de apostolado (Apostolicam Actuositatem, 11, 30), primeiro seminário e viveiro de vocações (Optatam Totius, 2; Ad Gentes, 19, 41). Como não dirigir hoje todas as atenções, correspondentes às que tem Deus Pai, em Cristo, para com a humanidade, neste gânglio central da vida moderna, ameaçado por tantos perigos e tornado tão vulnerável para a inoculação dos germes mortais — legalizados talvez pelas intervenções das leis civis — como são o permissivismo, o amor livre, a instituição do divórcio, a liberalização dos produtos anticoncepcionais e a introdução do aborto! Há que tremer diante das estatísticas verdadeiramente trágicas, que desvelam abismos tenebrosos no hodierno comportamento moral. A família é a mais directamente ameaçada. Eis portanto o tema, de importância capital, proposto ao Sínodo dos Bispos, no próximo Outono, dedicado precisamente à família, e do qual estão fervendo os preparativos. Nesta perspectiva, dediquei, desde o verão do ano passado, a catequese das Audiências gerais das quartas-feiras para oferecer ao Povo de Deus uma reflexão global — do ponto de vista bíblico e teológico — sobre a realidade do amor, da doação e do complemento recíproco através dos sexos, segundo o plano primitivo de Deus e segundo o ensinamento de Cristo, que reconduz ao «princípio».

27. Pelo menos uma alusão me apraz dedicar, em seguida, às Paróquias, expressão visível da unidade da Igreja e da sua vida de oração litúrgica e de caridade, nos laços que nelas se entretecem, através de todas as categorias sociais, no vínculo do único amor a Cristo. Como Bispo de Roma, tenho directa responsabilidade pastoral quanto a cada uma das Paróquias romanas: por isso comecei a visitá-las uma a uma, desde o princípio do meu serviço pontifical, mas falta o tempo para enumerar todas as que me acolheram. O Cardeal Vigário tem essas notas. Obrigado a ele e aos seus colaboradores pela estupenda realidade que é constituída por estes encontros do Bispo de Roma com as suas Paróquias.

28. A vida cristã manifesta-se quotidianamente no exercício de cada profissão e do trabalho humano: daqui o cuidado de alcançar e encontrar — em Roma, no Lácio, e nas viagens na Itália e nos vários Continentes — a realidade dos homens empenhados na edificação da cidade terrena, para que saibam proceder com a ajuda de Deus, dentro da coerência dos princípios morais e deontológicos, e na fraternidade e no respeito do homem: empresários e dirigentes, trabalhadores da indústria nos seus vários ramos, homens dos ofícios, agricultores, pescadores, homens da política internacional e nacional, jornalistas, artistas e actores, desportistas, etc. A todos, quando se ofereceu ocasião, não faltou a palavra do Papa para mostrar que a Igreja os espera de braços abertos e muito conta com eles para a construção de um mundo «à medida do homem». E para que Deus seja amado.

29. Amar a Deus! A vida litúrgica é o lugar privilegiado onde se efectua esta troca entre Deus e o homem: e o altar da Eucaristia, onde Cristo Jesus, Sacerdote verdadeiro e eterno, se oferece como vítima ao Pai pela humanidade, é o ponto de encontro entre o céu e a terra. O Concílio Vaticano II deu magnífico impulso à renovação litúrgica, que fora preparada por um grande movimento que floresce, já desde as inovações introduzidas por São Pio X, em todo o mundo: a Constituição «Sacrosanctum Concilium» foi o primeiro documento solenemente aprovado pelos Padres Conciliares, de que partiu a reforma empreendida com ânimo humilde e corajoso pelo grande Pontífice Paulo VI. É sabido todavia que — ao lado daquela perigosa eclesiologia, a que me referi acima — se desenvolveram movimentos e mentalidades, quer de regresso quer de experiência arbitrária, que levaram por vezes a grave perturbação dos fiéis, dos sacerdotes e da Igreja inteira. E as contradições mais patentes vieram à luz precisamente à volta da Eucaristia, precisamente no Altar, onde a «regula fidei» deve, pelo contrário, inspirar-se no maior respeito por Aquele que, na Missa, renova o Seu Sacrifício em forma sacramental, e o deixa à Sua Igreja como memorial perpétuo do Seu Amor Imolado. Daqui tiraram origem as cartas que dirigi aos Bispos e, por meio deles, aos Sacerdotes, na Quinta-feira Santa da Páscoa do ano passado e desta «Dominicae Cenae». Seguiram-se as Normas litúrgicas do competente Sagrado Dicastério acerca do culto do mistério eucarístico. Peço a toda a Igreja que viva nesse espírito de respeito e amor, que estes documentos desejam inculcar.

30. A entrega total a Cristo, que é como a condição e a consequência do Seu dar-se à Igreja, com todas as forças de redenção que Lhe são próprias, é fundamental e vital para a Igreja mesma, para a sua autêntica auto-realização, para o seu progresso: quero dizer, para o seu verdadeiro progresso, e não para uma problemática «progressividade»que destrói sem deixar atrás de si nada de válido.

Portanto, nasce daqui a necessidade de uma contínua renovação, numa particular união com Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja. «A Ela — dizia-vos antes do Natal —  confiei os inícios do meu Pontificado, e a Ela levei no decurso do ano a expressão da minha piedade filial, que aprendi dos meus pais. Maria foi a estrela do meu caminho, nos seus santuários mais célebres ou mais silenciosos» (Insegnamenti, II, 2, 1979, p. 1497). A lista daqueles lugares, tão queridos ao meu coração, vieram juntar-se nestes seis meses outros nomes suaves: A Consolata e a «Gran-de Mãe» em Turim; Nossa Senhora do Zaire, em Quinxassa; Nossa Senhora do Rosário, em Kisangani; Notre Dame, de Paris; e na Costa do senhora do Rosário, em Kisangani; Notre Dame , de Paris; e na Costa do Marfim coloquei a primeira pedra da igreja de «Notre Dame d'Afrique».

É apelo que, com gesto simbólico, coma palavra e com a oração do «Angelus» ou da «Regina Caeli», dirijo à Igreja e ao mundo em numerosas circunstâncias, aproveitando a riqueza da tradição, da piedade mariana de cada Igreja local, e das várias Nações, florescida em mil for= mas gentis e comoventes em honra da Virgem Santa. Também nisto, a inspiração doutrinal fundamental vem do Concílio, da Constituição dogmática Lumen Gentium, que no capítulo VIII deu a síntese global, sóbria na sua extraordinária riqueza, da teologia mariana, e convidou todos os crentes a porem-se com empenho maior na estrada real da verdadeira piedade mariana, que leva a Cristo.

A idade pós-conciliar, se bem que em meio de alguma sombra, levou a um rico aprofundamento desta doutrina, mediante o contributo dos teólogos, e sobretudo por obra desta Sé Apostólica: não serão nunca esquecidos os ensinamentos do meu predecessor Paulo VI, que nas suas estupendas Exortações apostólicas «Signum Magnum» e «Marialis Cultus», deixou monumento da sua devoção e do seu amor a Maria, e uma síntese completa dos motivos bíblicos, teológicos e litúrgicos, que devem guiar o Povo de Deus no incremento contínuo do culto devido Aquela que é Mãe de Deus, Mãe nossa e Mãe da Igreja.

Ainda no âmbito ecuménico, em particular nas relações com as igrejas irmãs do Oriente, esta inspiração para o renovamento vem-nos da confiança na intercessão de Maria, que a todos nos considera seus filhos, e na qual podemos já encontrar forte impulso para uma unidade que, no culto mariano, já encontramos realizada.

31. Além disso, Maria está presente na Igreja, a estimular a santidade dos seus filhos melhores, a dirigi-los para os caminhos heróicos de doação evangélica e missionária, em favor dos pobres, dos pequenos, dos simples, dos que sofrem e daqueles que esperam a mensagem de Cristo. Maria é inspiradora da santidade na igreja; e disso encontramos comovente confirmação também naqueles novos Beatos, que o Senhor me deu o incomparável conforto de propor à devoção e à admiração dos fiéis do mundo inteiro: Francisco Coll, Tiago Laval, Henrique de Ossó y Cervelló, José de Anchieta, Maria da Encarnação (Guyart), Pedro de Bentancur, Francisco de Montmorency-Laval e Catarina Tekakwitha.

32. Veneráveis e caros Irmãos! Considerei meu dever exprimir confidencialmente tudo isto na véspera do dia que é a festa da Igreja Romana. E tudo o que vos disse, sintetizando nos limites do possível a actividade pontifícia de um ano inteiro, coloca-se, diria, na mesma linha de continuidade com a profissão de Pedro em Cesareia de Filipe (cf. Mt.16, 16), que já renovei a 22 de Outubro de 1978, no início do meu serviço pontifício.

Nesta festividade, é necessário, de modo especial, remontar às próprias raízes para ver como delas se desenvolve e cresce aquela árvore que nasceu da «mais pequena de todas as sementes» (Mt. 12, 32) no solo fertilizado pelo preciosíssimo sangue do Redentor e aqui, em Roma, também pelo sangue dos Seus Santos Apóstolos Pedro e Paulo. Sinta-mos o orgulho santo de pertencer a este lugar: «Ista quam felix Ecclesia, cui totam doctrinam apostoli cum sanguine suo profuderunt, ubi Petrus passioni dominicae adaequatur, ubi Paulus Ioannis exitu coronatur» (Tertuliano, De praescript, haer. 36): na verdade, os dois grandes Apóstolos deixaram-nos em herança «a inteira doutrina juntamente com o seu sangue». Tão preciosa herança desejamos nós trazer nos nossos corações, e no nosso ministério, com humildade e amor, diante das «grandes obras de Deus», que eles nos transmitiram no Património que perenemente nos dá vida.

 

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