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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE
À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
[15-18 DE NOVEMBRO DE 1980]

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
COM OS EMIGRADOS POLACOS

Catedral de Mogúncia, 16 de Novembro de 1980

 

Caros Compatriotas
Amadíssimos Irmãos e Irmãs

1. A Divina Providência e aos homens agradeço poder, durante esta minha peregrinação em terra alemã, encontrar-me com os meus compatriotas a quem, aqui na Alemanha, tocou viver e trabalhar, criar a própria história, a das suas famílias, do País, e, ao mesmo tempo, a história da salvação. Esta história dos caminhos de Cristo para o homem, e dos caminhos do homem para Deus, decide do homem e só nela pode o homem encontrar-se plenamente a si mesmo, reler o valor e as possibilidades do seu coração e encontrar um justo lugar no mundo.

Precisamente estes caminhos divinos da salvação, da graça, do poder e do amor desejamos encontrá-los sempre de novo, no decurso desta peregrinação, juntamente com a Igreja na Alemanha, com os seus Pastores e os seus fiéis, com os nossos irmãos na fé em Cristo, e também com todos os homens de boa vontade.

2. Encontrando-nos diante da milenária Catedral de Mogúncia, que no decorrer de séculos inteiros foi o lugar da coroação dos imperadores e dos reis, não se pode fugir a pensar em todo o processo histórico da formação da convivência dos povos na Europa cristã: especialmente quando, no horizonte da história, nasciam para existência autónoma novas Nações, novos Países que, por vezes a alto preço, conquistavam o seu lugar na Europa, no mundo e na história.

Conhecemos este processo, suas luzes e sombras, e sabemos que não foi nem é fácil. Sabemos que a vizinhança geográfica deve e pode ser bênção, mas, como tudo o que é humano, pode tornar-se também maldição. Se assim é, quer dizer que esse processo é principalmente encargo, encargo posto diante de cada homem, como também diante das Nações inteiras. Assim o entendia já o segundo soberano histórico da Polónia, o rei Boleslau Chrobry que, mediante a aliança com o césar Otão III, introduziu a Polónia, como membro de pleno direito, na sociedade latina cristã da Europa.

3. Só os santos são capazes de construir pontes estáveis entre as Nações, porque só os santos fundam a sua actividade no amor; no amor do homem, pois constroem a vida e o futuro sobre Deus. "O amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-O... porque Deus é amor" (1 Jo 4, 7-8). Só o que é construído sobre Deus, sobre o amor, é duradouro, como testemunha a veneração, em prática até agora, do túmulo, em Trzebnica, de Santa Edviges, Padroeira da reconciliação.

Se o lugar dos crentes e dos santos é ocupado por homens sem Deus, então o egoísmo e o ódio tornam-se lei, conforme testemunha a sucessiva história da convivência entre as Nações da Alemanha e da Polónia.

4. No decurso da história, entre os acontecimentos que se vão seguindo, entre as decisões políticas, entre o ódio ou a amizade, no meio de tudo o que são os homens concretos, que desejam viver, desenvolver-se e manter a própria identidade, os direitos, a liberdade, a fé e a dignidade: a estes sobretudo dirijo o meu pensamento durante este encontro.

No século passado muita gente veio da Polónia para a Alemanha por motivos económicos. Com trabalho difícil e fatigante, contribuiu para o desenvolvimento económico do País, que lhe oferecera trabalho e pão.

Depois da primeira guerra mundial e depois da independência readquirida pela Polónia, muitos desses ficaram neste lugar. E nos territórios confinantes ficou também grande número que já habitava lá anteriormente. Organizaram-se numa federação cultural com o objectivo de cultivarem a tradição e a cultura do Cristianismo e da Polónia. Estas organizações quase sempre eram dirigidas por Sacerdotes, que fomentaram uma convivência harmónica e um laço cristão de amor. Não era vida fácil. Talvez vós mesmos, ou os vossos pais, tenhais sido expostos a repetidas humilhações e tenhais sofrido por causa da religiosidade ou da atitude patriótica.

5. Os acontecimentos da última guerra mundial influíram seriamente na convivência das Nações. Trouxeram tantos sofrimentos, danos e desgraças! Estes acontecimentos fizeram que, depois de se concluírem as actividades bélicas, no território alemão encontraram-se quase dois milhões de pessoas originárias da Polónia. Algumas sofreram a geena dos campos (lager), outras foram provadas por enorme trabalho, e outras ainda, conduzidas pelos acontecimentos da guerra, não puderam, por diversos motivos, voltar à Pátria. Mas não cederam ao desespero. Não obstante as difíceis provas e aventuras, não obstante a grave situação material devida à destruição da guerra, depressa se organizaram.

É grande mérito dos Sacerdotes da Polónia. Extenuados nos campos, dedicaram-se a organizar a vida religiosa para os seus compatriotas. Depois das terríveis provações da guerra, era necessário de novo reconstruir a fé: a fé em Deus e a fé no homem. Era necessário reconstruir a confiança no homem e a fé na própria dignidade humana, que tinham querido destruir os campos (lager). E tudo isto se podia fazer sobre o fundamento de Cristo, por que só sobre a Sua doutrina, sobre a ética cristã do amor, da conversão e do perdão "se podia construir o futuro e a nova convivência inter-humana. É grande mérito precisamente destes Sacerdotes, ex-prisioneiros dos campos de concentração, se muita gente voltou à vida normal, se muitos não se renderam, no período difícil sob todos os aspectos que veio depois da guerra, e reencontraram a fé, a dignidade e o amor.

6. Vós todos, independentemente das circunstâncias e do tempo da vossa chegada, escreveis aqui a vossa história; aqui levais à frente o vosso diálogo com Deus, com o homem e com o mundo. Quereis ser cidadãos de valor pleno e contribuir para o desenvolvimento do País em que viveis. Quereis assegurar futuro melhor aos vossos filhos e netos. Aqui imprime cada um de vós e deixa uma pegada irrepetível da sua existência, da sua vida, da sua fé, das suas escolhas e das suas decisões. Cada um há-de portanto proteger, reler e desenvolver o que está nele, o que está dentro, o que está inscrito no seu coração, deve recordar-se do solo, da herança que o levou a crescer, que o formou e constitui parte integrante da sua "psique" e da sua personalidade.

Com tal espírito se exprimem os Bispos do nosso Continente na mensagem dirigida ao mundo por ocasião do ano jubilar de São Bento, Padroeiro da Europa. Lemos nela, em particular: "A liberdade e a justiça requerem que homens e povos tenham espaço suficiente para o desenvolvimento dos valores que lhes são próprios. Cada povo, cada minoria étnica tem a sua identidade, tradição e cultura: Estes valores têm grande importância para o progresso humano e para a paz..." (Solene Declaração dos Bispos Europeus, 28 de Setembro de 1980).

Também a Verdade revelada chega ao homem na moldura de uma determinada cultura. Existe portanto o grande perigo de o abandono dos valores herdados pela cultura poder levar, por consequência, à perda da fé, em particular quando os valores da cultura do novo ambiente não têm aquele carácter cristão que distingue a cultura original.

7. Existe ainda outro perigo. É necessário estarmos atentos a não deixar-nos irracionalmente fascinar e não deixar-nos atrair pela civilização técnica com simultâneo risco para a fé, para a vida interior e para a capacidade de amar, numa só palavra, para tudo o que decide do homem, da plena dimensão do homem e da sua vocação.

Precisamente o radicar-se na tradição, na cultura, como a da Polónia, impregnada pelos valores religiosos, fará que "a egoísta cultura e a egoísta tecnologia do trabalho não consigam reduzir o homem ao papel de instrumento do trabalho" (Discurso em Salvador).

Sobre o valor do homem decide afinal aquilo que ele é, não quanto ele tem. E se o homem está disposto a perder a sua dignidade, a fé e a consciência nacional só para ter mais, tal atitude não pode deixar de o conduzir a desprezar-se a si mesmo.
Pelo contrário, o homem consciente da sua identidade, proveniente da fé e da cultura cristã dos avós e pais, conservará a sua dignidade, encontrará o respeito dos outros e será membro de pleno valor na sociedade em que vive.

8. Uma das características mais profundas da religiosidade da Polónia é a devoção e o culto de Maria, Mãe de Deus.

Também para aqui na Alemanha, e para todo o lugar onde se tenham domiciliado filhos da Polónia, trouxeram no coração o amor à Mãe e a Ela confiaram a própria sorte. O mesmo se viu, de modo particular, no período que sucedeu à segunda guerra mundial. Uma das primeiras iniciativas pastorais consistiu nas peregrinações aos santuários marianos na Alemanha. Até hoje vos dirigis vós, todos os anos, em peregrinação a Neviges, a Maria Buchen em Altotting, ou aos outros lugares, como por exemplo à festa em Hannover.

Em todos estes santuários, assim como nas vossas igrejas em que vos reunis com regularidade, se encontram as imagens de Nossa Senhora de Czestochowa. A sua efígie foi vista em quase todos os vossos estandartes. A Senhora Negra de Jasna Gora fala-vos do amor de Deus e recorda-vos a terra em que estão as vossas raízes. Rezais diante d'Ela, a Ela confiais as vossas famílias, particularmente neste período em que a imagem da Virgem de Czestochowa anda a visitar todos os centros pastorais dos filhos da Polónia na Alemanha. Maria, que no momento da anunciação acreditou na Palavra, tornou-se a primeira crente da Nova Aliança, a Mãe da nossa fé; e leva-nos ao conhecimento mais pleno do Deus Único na Trindade das Pessoas.

9. Encontrando-me aqui hoje diante de vós, não me posso esquecer que o nosso precedente encontro se realizou em Setembro de 1978. Estivemos aqui então juntamente com o Primaz, que estava à frente da delegação dos Bispos da Polónia a convite dos Bispos alemães. O ponto central do encontro com os Compatriotas foi o santuário da Mãe de Deus em Neviges. Tudo isto se deu logo a seguir à eleição de João Paulo I. Segundo cálculos humanos, ninguém podia prever que dentro de pouco me aconteceria vir a suceder-lhe na Sé de São Pedro em Roma. Esta circunstância dá particular significado àquele encontro.

Mas uma vez mais quero remontar a alguns anos mais acima. Em 1974, também então em Setembro, participei, em Francoforte, nas bodas de ouro sacerdotais do saudoso Monsenhor (Protonotário Apostólico) Edward Lubowiecki, que foi íntimo colaborador, antes da guerra, do grande Metropolita de Cracóvia, Cardeal Adam Stefan Sapieha. Depois de liberto do campo de concentração, ficou aqui, primeiro como Vigário-Geral do Arcebispo J. Gawlina, e depois como Visitador Canónico dos seus compatriotas na Alemanha. Aquela demora foi ligada à minha memória, com a figura do Cardeal J. Döpfner tão cedo falecido, que juntamente comigo quis celebrar a Santa Missa em Dachau.

Recordando a figura de Monsenhor Lubowiecki, desejo ao mesmo tempo formular os melhores votos de todas as Bênçãos de Deus para o actual Reitor da mesma Missão Católica, Rev. Stefan Leciejewski, e para todos os sacerdotes e religiosas, e desejo o mais cordial "Szczesc Boze" a todos os Compatriotas.

Sempre ficarei grato pelas vossas orações.

De coração concedo a Bênção Apostólica a vós aqui presentes e a todos quantos não puderam vir; às vossas famílias e aos que vos são caros. Com os sentimentos mais cordiais abraço os doentes e as pessoas idosas, os que vivem sós, os abandonados e os esquecidos pelos outros.

Vivamente saúdo e abençoo os jovens e as crianças.

A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco.

 



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