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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 ÀS RELIGIOSAS DE CLAUSURA
 NO MOSTEIRO DA ENCARNAÇÃO

Ávila, 1 de Novembro de 1982

 

Queridas irmãs, religiosas de clausura da Espanha

1. Peregrino nas pegadas de Santa Teresa de Jesus, com grande satisfação e alegria venho a Ávila. Nesta cidade encontram-se tantos lugares teresianos, como o mosteiro de São José, o primeiro dos "pombais" fundados por ela, este mosteiro da Encarnação, onde Santa Teresa recebeu o hábito do Carmo, fez a sua profissão religiosa, teve a sua "conversão" decisiva e viveu a sua experiência do consagração total a Cristo. Pode-se bem dizer que este é o santuário da vida contemplativa, lugar de grandes experiências místicas, e centro irradiador de fundações monásticas.

É-me grato, por isso, poder encontrar-me neste lugar convosco, monjas espanholas de clausura, representantes das diversas famílias contemplativas que enriquecem a Igreja: beneditinas, cistercienses, dominicanas, clarissas, capuchinhas, concepcionistas, além das carmelitas.

O acontecimento de hoje mostra como os diversos caminhos e carismas do Espírito se completam na Igreja. Esta é uma experiência única para os mosteiros e conventos de clausura que abriram as suas portas para virdes em peregrinação a Ávila. Para honrardes, juntamente com o Papa, Santa Teresa, essa mulher excepcional, doutora da Igreja, e sem dúvida "envolta toda ela de humildade, de penitência e de simplicidade", como disse o meu predecessor Paulo VI (Homilia, 27 de Setembro de 1970).

Dou graças a Deus por esta mostra de união eclesial e por poder realizar esta ampla visita ao que aparece diante dos meus olhos como o grande Mosteiro de Espanha, que sois vós.

2. A vida contemplativa ocupou e continuará a ocupar um lugar de honra na Igreja. Dedicada à oração e ao silêncio, à adoração e à penitência do claustro, "a vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Col 3, 3). Essa vida consagrada é o desenvolvimento e tem o seu fundamento no dom recebido no baptismo. De facto, por este sacramento, Deus, que nos escolheu em Cristo "antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dos seus olhos" (Ef 1, 4), libertou-nos do pecado e incorporou-nos a Cristo e à sua Igreja, para que "vivamos uma vida nova" (Rom 6, 41).

Essa vida nova frutificou em vós no seguimento de Jesus Cristo mediante a virgindade, a obediência e a pobreza, que é o fundamento da vida contemplativa. Ele é o centro da vossa vida, a razão da vossa existência: "O Bem de todos os bens é o meu Jesus", como resumia Santa Teresa (Livro da Vida, 21, 5).

A experiência do claustro torna ainda mais absoluto este seguimento até identificar a vida religiosa com Cristo: "A nossa vida é Cristo" (As Moradas, V, 2, 4), dizia Santa Teresa fazendo suas as exortações de São Paulo (cf. Col 3, 3). Esta semelhança da religiosa com Cristo constitui o centro da vida consagrada e a marca que a identifica como contemplativa.

No silêncio, no quadro da vida humilde e obediente, a vigilante espera do Esposo converte-se em amizade pura e verdadeira: "Posso tratar como com um amigo, embora seja o Senhor" (Livro da Vida, 37, 5). E este trato assíduo, de dia e de noite, é a oração, tarefa primordial da religiosa e caminho indispensável para a sua identificação com o Senhor: "começam a ser servos do amor... os que por este caminho de oração seguem Aquele que tanto nos amou" (cf. Livro da Vida, 11, 1).

3. A Igreja bem sabe que a vossa vida silenciosa e retirada, na solidão exterior do claustro, é fermento de renovação e de presença do Espírito de Cristo no mundo. Por isso dizia o Concílio que as religiosas contemplativas "continuam a ter sempre parte eminente no Corpo Místico de Cristo... Oferecem, com efeito, um exímio sacrifício de louvor a Deus, honram o povo de Deus com a abundância dos frutos de santidade, movem-no pelo exemplo, fazendo-o crescer por uma arcana fecundidade apostólica. É desta forma que se distinguem como ornamento da Igreja e como fontes de graças celestes" (Perfectae caritatis, 7).

Essa fecundidade apostólica da vossa vida procede da graça de Cristo, que toma para si e integra a vossa oblação total no claustro. O Senhor que vos escolheu, ao identificar-vos com o seu mistério pascal, vos une a Si mesmo na obra santificadora do mundo. Como ramos enxertados em Cristo podeis dar muito fruto (cf. Jo 15, 5), a partir da admirável e misteriosa realidade da comunhão dos santos.

Essa há-de ser a perspectiva de fé e gozo eclesial de cada dia e obra vossa. Da vossa oração e vigílias, do vosso louvor no ofício divino, da vossa vida na cela ou no trabalho, das vossas mortificações prescritas pelas Regras ou voluntárias, da vossa enfermidade ou sofrimentos, unindo tudo ao Sacrifício de Cristo. Por Ele, com Ele e n'Ele, sereis oferenda de louvor e de santificação do mundo.

"Para que não tenhais dúvida alguma a este respeito — como eu disse às vossas irmãs no Carmelo de Lisieux —, a Igreja, no nome mesmo de Cristo, tomou posse um dia de toda a vossa capacidade de viver e de amar. Era a vossa profissão monástica. Renovai-a frequentemente! E, a exemplo dos santos, consagrai-vos, imolai-vos cada vez mais, sem pretender sequer saber como Deus utiliza a vossa colaboração" (Alocução às religiosas de clausura, Lisieux, 2 de Junho de 1980).

A vossa vida de clausura, vivida em plena fidelidade, não vos separa da Igreja nem vos impede um apostolado eficaz. Recordai a filha de Teresa de Jesus, Teresa de Lisieux, da sua clausura tão perto das missões e dos missionários do mundo. Oxalá, como ela, no coração da Igreja sejais o amor!

4. A vossa virginal fecundidade tem de se tornar vida no âmago da Igreja universal e das vossas Igrejas particulares. Os vossos mosteiros são comunidades de oração em meio das comunidades cristãs, prestando-lhes apoio, estímulo e esperança. São lugares sagrados e poderão ser também centros de acolhimento cristão para aquelas pessoas, sobretudo jovens, que vão buscar com frequência uma vida simples e transparente, em contraste com a que lhes oferece a sociedade de consumo.

O mundo necessita, mais do que às vezes se cré, da vossa presença e do vosso testemunho. É necessário, por isso, mostrar com eficácia os valores autênticos e absolutos do Evangelho a um mundo que exalta frequentemente os valores relativos da vida. E que corre o risco de perder o sentido do divino, sufocado pela excessiva valorização do material, do efémero, do que ignora a alegria do espírito. Trata-se de abri-lo para a mensagem evangelizadora que resume a vossa vida e que encontra ressonância naquelas palavras de Teresa de Jesus: "Ide, pois, bens do mundo... mesmo que perca tudo, só Deus basta" (Poesias, 30).

5. Ao contemplar hoje tantas religiosas de clausura, não posso deixar de pensar na grande tradição monástica espanhola, na sua influência na cultura, nos costumes, na vida espanhola. Não será aqui que reside a força moral, e onde se encontra a continua referência ao espírito dos espanhóis?

O Papa vos chama hoje a continuar cultivando a vossa vida consagrada mediante uma renovação litúrgica, bíblica e espiritual, seguindo as directrizes do Concilio. Tudo isto exige uma formação permanente que enriqueça a vossa vida espiritual, dando-lhe fundamento doutrinal, teológico e cultural. Desta forma, podereis dar a resposta evangelizadora esperada por tantas jovens do nosso tempo, que também hoje se acercam dos vossos mosteiros, atraídas por uma vida de generosa entrega ao Senhor.

A este respeito quero fazer um apelo às comunidades cristãs e aos seus Pastores, recomendando-lhes o lugar insubstituível que ocupa a vida contemplativa na Igreja. Todos devemos valorizar e estimar profundamente a entrega das almas contemplativas à oração, ao louvor e ao sacrifício.

São elas muito necessárias na Igreja. São profetas e mestras vivas para todos; são a vanguarda da igreja rumo ao Reino. A sua atitude diante das realidades deste mundo, que elas contemplam segundo a Sabedoria do Espírito, ilumina-nos a respeito dos bens definitivos e faz que sintamos a gratuidade do amor salvífico de Deus. Exorto todos, portanto, a que procurem entre as jovens suscitar vocações para a vida monástica, na certeza de que estas vocações enriquecerão toda a vida da Igreja.

6. Devemos concluir este encontro, apesar de ser agradável ao Papa estar com estas fiéis filhas da Igreja. Termino com uma palavra de estimulo: Mantende a vossa fidelidade! Fidelidade a Cristo, à vossa vocação de contemplativas, ao vosso carisma original.

Filhas do Carmelo: sede imagens vivas da vossa Mãe Teresa, da sua espiritualidade e humanismo. Sede deveras, como ela foi e quis ser chamada — e como eu desejo que a chamem — Teresa de Jesus.

Religiosas todas contemplativas que também através de vós mesmas se possa ver os vossos Fundadores e Fundadoras.

Vivei com alegria e ufania a vossa vocação eclesial, rezai umas pelas outras e ajudai-vos mutuamente, rezai pelas vocações religiosas, pelos sacerdotes e pelas vocações sacerdotais. E rezai também pela fecundidade do ministério do Sucessor de Pedro que vos fala. Sei que o fazeis e vo-lo agradeço vivamente.

Apresento ao Senhor, as vossas pessoas e intenções. Recomendo-vos à Mãe Santíssima, modelo das almas contemplativas, para que vos torne, a partir da cruz e glória do seu Filho alegre doação à Igreja.

Levai a minha cordial saudação às vossas irmãs que não puderam vir a Ávila. E a todas vos abençoo com afecto no nome de Cristo.



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