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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

DISCURSO DO SANTO PADRE
AOS SACERDOTES REUNIDOS NA CATEDRAL
DE NOSSA SENHORA DA APRESENTAÇÃO

Natal, 13 de Outubro de 1991

 

1. É para mim uma grande alegria poder reunir-me com os sacerdotes nesta Igreja Catedral!

Desejo, antes de mais nada, agradecer ao Padre Francisco de Assis Pereira, as amáveis palavras que acaba de me dirigir, como também a todos os sacerdotes presentes - juntamente com os quais venerei esta manhã o inefável mistério da Eucaristia - a bondade de terem vindo aqui, para participar deste encontro com o Sucessor de Pedro. Tenho presente, neste momento, a memória de tantos sacerdotes que, no trabalho escondido, na vida de fé e de oração e no zelo apostólico, souberam plantar e cultivar a vida da Igreja no Brasil. Entre tantos, recordo agora a figura do Padre João Maria Cavalcanti, morto no início deste século, vítima da caridade sacerdotal, modelo de Pároco e guia espiritual do povo, tão querido, lembrado e venerado nesta cidade de Natal onde viveu e trabalhou. Tenho presentes também os sacerdotes de todo o Brasil que aqui não puderam vir, mas me acompanham nesta hora. A todos, muito obrigado e que Deus vos abençoe!

Gostaria de dirigir-vos um convite como o de Cristo aos seus Apóstolos: “Vinde vós sozinhos, retiremo-nos a um lugar afastado para que descanseis um pouco” ( Mc 6, 31). Seria com certeza o melhor descanso para minha alma poder entreter-me pessoalmente com cada um de vós e conversar com calma, em confidência, longamente.

Infelizmente não pode ser assim. Mas eu vos asseguro que me sinto muito próximo de cada um de vós, especialmente nestes momentos de forte união espiritual. Conheço bem as dificuldades que encontrais em vossa tarefa pastoral, e conheço bem a alegre e sacrificada generosidade com que vos entregais ao vosso ministério.

2. O que hoje desejava dizer-vos pode resumir-se em poucas palavras tomadas de São Paulo: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”( Rm 13, 14), e “tende em vós os mesmos sentimentos que teve Jesus Cristo” ( Fl 2, 5). Ou seja, procurai com todas as vossas forças identificar-vos com Cristo.

Na verdade, procurar a identificação com Cristo é um dever de todos os fiéis, pois nela consiste toda a vida cristã. Mas, no caso do sacerdote, esse dever adquire uma importância decisiva, por estar estreitamente vinculado à própria identidade sacerdotal.

3. Assumindo sua autêntica identidade, o sacerdote se tornará instrumento eficaz do único Mediador entre Deus e os homens, sendo ele próprio presença e transparência de Cristo.

Olhai à vossa volta! Não percebeis o imenso clamor de tantos homens e mulheres, de todas as condições, de todas as raças, de todas as idades que, hoje mais do que nunca, parecem dizer-nos, mesmo quando não formulam explicitamente esse desejo: queremos ver Jesus! (Jo 12, 21) Queremos ver Jesus na pessoa e na vida dos seus sacerdotes!

Como é bem sabido, em alguns ambientes, no período pós-conciliar - por motivos que não é o caso detalhar agora, e devido, com frequência, a uma leitura errônea do Magistério do Concílio Vaticano II -, ficou obscurecida a consciência da verdadeira identidade sacerdotal, e originou-se a tendência a “laicizar” as funções sacerdotais, paralela à tendência a “clericalizar” a figura do leigo (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Epistula universis presbyteris Feria V in cena Domini anno MCMXCI missa, 2, die 10 mar. 1991: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIV, 1 (1991) 493 ss).

As manifestações dessa tendência são diversas, desde a intervenção do presbítero em atividades próprias da ação política, atividades que fazem parte da missão livre e responsável dos leigos, ou o pouco apreço por tarefas especificamente sacerdotais ou pelos sinais externos do sacerdócio, até a praxe de confiar a leigos encargos cujo exercício corresponde aos presbíteros ou funções que só se justificam em caso de verdadeira necessidade, com caráter de suplência.

Graças a Deus, as vacilações sobre a identidade do sacerdote, que tiveram dolorosas consequências na vida de não poucos padres e na promoção das vocações sacerdotais, já vão sendo, embora não totalmente, pouco a pouco superadas. As intervenções de muitos Padres Sinodais, durante a última Assembléia Ordinária do Sínodo dos Bispos, dão um auspicioso testemunho deste fato (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Epistula universis presbyteris Feria V in cena Domini anno MCMXCI missa, 2, die 10 mar. 1991: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIV, 1 (1991) 493 ss).

Sem dúvida alguma, há no Povo de Deus uma consciência cada vez mais clara da absoluta necessidade do sacerdócio ministerial, com as características a que me venho referindo, em perfeita continuidade com o Evangelho, com a Tradição viva da Igreja e com os ensinamentos do Concílio Vaticano II.

Portanto, deveis assumir decididamente vossa identidade sacerdotal, em toda a sua plenitude. Dai ouvidos ao clamor dos vossos irmãos, que suplicam: queremos ver Jesus nos seus sacerdotes!

4. Queremos ver Jesus! Os homens têm necessidade de ver, em primeiro lugar, a santidade de Cristo refletida nos sacerdotes. O Brasil, o mundo inteiro, precisa de sacerdotes santos, fiéis a sua plena consagração a Deus, e totalmente entregues a sua missão peculiar. Sacerdotes cujo único objetivo seja cumprir a vontade do Pai e completar sua obra (Cfr. Jo 4, 34), dispostos a gastar sua vida, com uma caridade pastoral sem limites, na função de mediação que lhes é própria: levar os homens para Deus, e levar Deus aos homens. Sacerdotes que manifestem a imensa riqueza do amor de Deus, a única resposta às ânsias de infinito do coração humano, pela alegria com que lhe entregam o coração indiviso (Cfr. 1Cor 7, 32-34). O celibato sacerdotal não é somente uma lei eclesiástica mas possui um significado profundo à luz da teologia do sacerdócio. A Igreja não reconhece como aceitáveis as tentativas e pressões para reintegrar no ministério sacerdotal os que o deixam pela vida no matrimônio. Não será este o caminho para contornar a grave carência de sacerdotes no Brasil. O celibato, meus caros padres, deve ser para cada um de vós a jubilosa afirmação de se sentir escolhido pela predileção d’Aquele que o chamou para uma entrega completa e sem reservas a Seu Amor.

Um “homem de Deus” transforma uma comunidade. Um sacerdote piedoso torna-se um promotor de vocações autênticas para a plena dedicação a Deus e aos irmãos. Um padre fiel aos seus compromissos é o melhor estímulo para a santidade e a estabilidade da família. Um sacerdote animado pela caridade do coração de Cristo é um foco vivo, que acende nas consciências o ardor pela justiça e colabora eficazmente, dentro de sua missão específica, para que muitos leigos assumam a responsabilidade pessoal de promover uma ordem social mais de acordo com o plano de Deus e a dignidade da pessoa humana.

5. Os homens de hoje, como os de todas as épocas, precisam ver Jesus na santidade do sacerdote, no testemunho sacerdotal de uma fé íntegra, de esperança alegre e de ilimitada caridade.

Sede homens de fé. Cristo quer continuar a dirigir aos homens a palavra da salvação, sobretudo pela boca dos seus sacerdotes. “Quem vos ouve, a mim ouve” ( Lc 10, 16), dizia Jesus. Por isso, é preciso que sejais homens de fé íntegra, de tal maneira que, ao ouvir-vos, todos possam reconhecer inequivocamente a Palavra de Deus. Só Cristo é a “luz dos homens” que “resplandece nas trevas” ( Jo 1, 4-5). Essa luz, manifestada ao mundo, Ele a depositou nas mãos da Igreja que, com a assistência do Espírito Santo, fielmente a conserva e a transmite.

Portanto, uma expressão clara desta vossa fé será a adesão sincera e confiante a toda doutrina do Magistério autêntico da Igreja, da qual se fará eco vossa pregação e catequese. Que vossa catequese seja em seu conteúdo fiel à doutrina e compreensível ao povo. E vossa pregação seja sempre o anúncio do mistério de Cristo Ressuscitado, não se revestindo daquele falso profetismo que, não raro, a reduz a uma mera mensagem politizada.

Lembrai-vos de que nossa fé, como diz São Paulo, não se baseia na “sabedoria dos homens” nem se confunde com a “sabedoria deste mundo” ( 1Cor 2, 5-6). Por isso, nenhuma ideologia poderá oferecer um postulado que seja premissa à qual se deva subordinar a doutrina da fé. Pelo contrário, é a fé que julga, com a “sabedoria de Deus” ( Ibid. 2, 7), as conclusões válidas das ciências humanas que, se forem autênticas, jamais poderão estar em contradição com a Verdade da fé.

Para alimento da fé é muito importante vossa formação permanente. Não vos deixeis dominar por um ativismo pastoral, que, embora bem intencionado, pode levar-vos ao esvaziamento interior prejudicando vosso ministério. Reservai sabiamente alguma hora do dia ou dia na semana para uma oração pessoal mais tranqüila, para a leitura de bons livros de teologia ou espiritualidade, além, é claro, do razoável e indispensável descanso.

6. Sede também homens de esperança. Nós sabemos que, no exercício do ministério, somos “cooperadores de Deus”, e nossa esperança se apoia na certeza de que é Ele, o próprio Deus, quem “dá o crescimento” ( Ibid. 3, 9 e 7).

O Sacerdote, para exercer com fruto seu ministério, tem necessidade de permanecer unido à videira de onde brota a vida (Cfr. Jo 15, 5). Tem necessidade vital de se unir a Cristo mediante uma intensa vida eucarística, de se renovar interiormente, numa contínua conversão, pela frequente recepção pessoal do Sacramento da Reconciliação, de se entregar, mesmo que sejam múltiplas as suas atividades, ao silêncio da adoração, da meditação, da oração.

7. Sede ainda os homens da caridade. Animados pelo amor ilimitado do Bom Pastor, dai a vida pelas vossas ovelhas (Cfr. ibid. 10, 11), fazendo de vossa existência uma completa e autêntica diakonia, à imitação do Filho do Homem, que “não veio para ser servido, mas para servir” ( Mt 20, 28).

Um sacerdote que possui os sentimentos de Cristo gasta a vida servindo a todos os homens e tratando de corresponder a suas aspirações mais profundas, sem medir sacrifícios pessoais. É um coração aberto e compreensivo, que acolhe a todos com a caridade de Cristo, sem nenhuma discriminação.

Não permitais, por isso, que preconceitos ideológicos ou qualquer espécie de classismo leve a excluir alguém de vosso trato afetuoso e do vosso zelo pastoral.

Sem dúvida alguma, um sacerdote que procura ser outro Cristo experimenta a mesma compaixão de Jesus pelas multidões esfomeadas (Cfr. Mt 15, 32), e por todos os que jazem abatidos e fatigados como ovelhas sem pastor (Cfr. ibid. 9, 36). Em consequência, dedica um amor de preferência - embora não exclusivo - aos mais pobres, a todos os que sofrem como vítimas da injustiça e das violações dos direitos intangíveis da pessoa humana. Sem se desviar do que caracteriza a sua missão sagrada, como formador das consciências, e evitando a tentação de se tornar um líder terreno, político ou social, deve pois promover incansavelmente o bem da justiça e os direitos dos mais desamparados (Reconciliatio et Paenitentia, 18).

Não vos esqueçais, porém, de que a missão primordial da Igreja, mais do que a libertação puramente social ou econômica, é a libertação da miséria moral do pecado, que rompe a relação filial do homem com Deus e constitui a sua maior desgraça.

8. Queria ainda lembrar-vos, queridos irmãos e irmãs, que a caridade vos deve levar a ser testemunhas daquela “fraternidade sacramental” que liga cada padre “no vínculo da comunhão com os Bispos e com os demais irmãos no sacerdócio” (Presbyterorum Ordinis, 8 et 14).

Cooperadores da Ordem episcopal, vossa vocação vos pede, como diz Santo Inácio de Antioquia, “estar em tanta harmonia com o vosso Bispo, como as cordas na cítara” (Santo Inácio de Antioquia, Ad Ephesios). Segui, com confiança e obediência, suas diretrizes e orientações, sendo para eles apoio e conforto.

Esta recomendação tem um sentido muito especial para vós, sacerdotes religiosos que hoje desempenhais um papel tão importante e indispensável em quase todas as dioceses do Brasil. É claro que vosso trabalho pastoral não pode deixar de se inspirar nos carismas próprios dos institutos a que pertenceis. Entretanto deve ele estar em tudo subordinado à orientação e direção do Bispo com quem trabalhais. Não cabe aos Superiores Religiosos, mas única e exclusivamente ao Bispo, o governo pastoral dos fiéis de cada Igreja local, em todas as suas dimensões e níveis.

Queridos irmãos e irmãs, queridos sacerdotes! É muito importante a união fraterna entre vós. Sacerdotes diocesanos e religiosos devem se ajudar mutuamente na atividade pastoral e no apoio humano e material. Que nenhum irmão sacerdote sinta o sofrimento da solidão e da incompreensão! A Igreja vos reconhece, inclusive, o direito a terdes vossas próprias associações a nível diocesano, ou, se preciso, a nível interdiocesano. Muitas já existem no Brasil, na forma das tradicionais irmandades, confrarias ou movimentos sacerdotais. Devem ser elas “estímulo à santidade no exercício do ministério... e à união dos clérigos entre si e com o Bispo” ( Codex Iuris Canonici, can. 278). Não teriam, porém, sentido se fossem concebidas ou viessem a se tornar, na prática, uma espécie de sindicato de padres ou um grupo corporativo, com posturas reivindicatórias ou mesmo antagônicas em relação à autoridade de vossos Bispos.

A união fraterna dos presbíteros só pode se inspirar na mesma caridade de Cristo e no desejo de melhor servir a sua Igreja.

9. Caros irmãos e irmãs, devo terminar. Quero concluir estas palavras dirigindo-me a Nossa Senhora, Mãe dos sacerdotes, Mãe de nossa esperança. Que Ela acompanhe com seu amor misericordioso cada um de vossos passos, torne, cada dia mais santa, mais alegre e mais eficaz vossa missão de servidores de Deus e dos homens, no espírito de fé, de esperança e de amor.

E agora devemos concluir esta celebração da palavra com uma Bênção Apostólica para todos o presentes, todos o sacerdotes do Brasil.

 



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