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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AO II GRUPO DE BISPOS DO ZAIRE
EM VISITA
« AD LIMINA APOSTOLORUM »

 

 

Caros Irmãos no Episcopado

1. É-me grato acolher-vos no Vaticano no momento em que realizais a vossa visita «ad Limina». Como Pastores da Igreja no Zaire nas Províncias eclesiásticas de Bukavu, de Kisangani e de Lubumbashi, pela vossa peregrinação ao túmulo dos Apóstolos, viestes renovar o vosso empenho no serviço da missão de Cristo e da Sua Igreja e fortalecer os vossos vínculos de comunhão com o Sucessor de Pedro.

Provindes dum país que conhece uma crise generalizada e profunda, sobre a qual a vossa Conferência Episcopal se pronunciou em diversas ocasiões. Esta crise traduz-se pela corrupção e a insegurança, pelas injustiças sociais e os antagonismos étnicos, pelo estado de total abandono em que se encontram a educação e a saúde, pela fome e as epidemias... A tudo isto se acrescenta agora uma guerra, que atinge de modo particular as vossas dioceses, com todas as suas consequências trágicas. Que sofrimento para os zairenses! Nestes momentos dramáticos, faço votos por que encontreis aqui conforto e força, a fim de prosseguirdes com segurança a vossa missão episcopal no meio do povo que vos foi confiado. Agradeço vivamente a D. Faustin Ngabu, Presidente da Conferência Episcopal do Zaire, as suas palavras esclarecedoras sobre a vida da Igreja no vosso país; elas manifestam a esperança das vossas comunidades no meio das provas. Saúdo com particular afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os catequistas e todos os fiéis da vossa região, e encorajo-os a ser, na adversidade, verdadeiros discípulos de Cristo.

Desejaria recordar com emoção a lembrança daqueles que, na vossa terra, testemunharam de modo heróico o amor de Deus até ao fim: D. Christophe Munzihirwa, Arcebispo de Bukavu, vários dos vossos sacerdotes diocesanos, pessoas consagradas, assim como leigos, que fizeram a oferta da sua própria vida para salvar os seus irmãos. Como vós mesmos dissestes, parece que a Igreja se tornou «de modo particular alvo nos eventos da guerra e das violências actuais no Zaire» (Mensagem dos Bispos do Zaire, 31/1/1997). Que estes sacrifícios sejam um estímulo para a obra da Igreja na vossa região e obtenham de Deus para o povo inteiro os benefícios da paz e da reconciliação!

2. Tendes a peito permanecer muito próximos dos sacerdotes, vossos colaboradores imediatos. Conheço a situação difícil em que com frequência vivem. De todo o coração os encorajo no seu serviço generoso a Cristo e aos seus irmãos. A Igreja está-lhes profundamente reconhecida pelo seu ministério, que faz nascer e crescer o Povo de Deus no vosso país. Exorto-os a conservar «a fidelidade à sua vocação, no dom total de si mesmos à missão e em plena comunhão com o próprio Bispo» (Ecclesia in Africa, 97). Sede vós mesmos para cada um deles um pai e um guia no sacerdócio, atentos à vida e ao ministério deles.

No meio da comunidade cristã, os sacerdotes devem ser modelos de vida evangélica, manifestando uma coerência efectiva entre o que anunciam e o que vivem. No seu ministério pastoral, eles terão o cuidado de excluir «todo o etnocentrismo e excessivo particularismo, procurando, pelo contrário, promover a reconciliação e uma verdadeira comunhão entre as diversas etnias» (Ecclesia in Africa, 63). Eles encontrarão a fonte da sua coragem apostólica e da sua fidelidade aos compromissos da própria ordenação, de modo particular no celibato, num profundo amor a Cristo, que se traduzirá pela frequência regular aos sacramentos e pela oração que lhes unifica a vida. Exorto-os também a redescobrir de modo cada vez mais profundo a dignidade e as obrigações da vocação sacerdotal, que excluem na vida do sacerdote as actividades que não estão em consonância com elas.

Para responder de maneira sempre mais apropriada às exigências do ministério sacerdotal, a formação permanente é uma necessidade imperiosa, que deve estar presente ao longo de toda a vida, a fim de «ajudar o padre a ser e a fazer o padre no espírito e segundo o estilo de Jesus Bom Pastor» (Pastores dabo vobis, 73).

3. É uma responsabilidade essencial para cada Bispo ter um cuidado absolutamente privilegiado em relação à formação dos futuros sacerdotes e à vida dos seminaristas. Com efeito, «o primeiro representante de Cristo na formação dos sacerdotes é o Bispo» (Pastores dabo vobis, 65). Para que os Seminários sejam verdadeiras comunidades de formação ao sacerdócio, é indispensável que os candidatos sejam bem conhecidos, a fim de permitir um discernimento sério das suas motivações, antes de os aceitar, sabendo também que «a chamada interior do Espírito precisa de ser reconhecida como autêntico chamamento pelo Bispo» (ibid.). Uma formação humana, intelectual e moral de bom nível permitirá ao futuro sacerdote adquirir uma maturidade suficiente, a fim de que seja capaz de viver o seu sacerdócio num equilíbrio pessoal provado e favorecer o encontro entre Cristo e os homens, aos quais ele será enviado. Convido-vos a ser vigilantes sobre a qualidade da formação espiritual dada nos Seminários. «Para cada sacerdote, a formação espiritual constitui o coração que unifica e vivifica o seu “ser padre” e o seu “agir de padre”» (Pastores dabo vobis, 45). Os futuros ministros do Evangelho devem empenhar-se resolutamente num caminho de santidade, para se tornarem pastores segundo o coração de Deus.

A constituição de equipas de professores e de directores espirituais é muitas vezes uma grande dificuldade. Faço votos vivamente por que, apesar dos sacrifícios que daí resultam para outros sectores pastorais, possais empenhar nelas os sacerdotes mais dignos e mais aptos a este ministério, tão importante para a vida e o futuro da Igreja. É preciso preparar para este trabalho sacerdotes capazes e conscientes das necessidades concretas da Igreja. A colaboração entre as dioceses duma mesma região poderá ajudar a tratar esta questão com mais eficácia.

4. Como fizestes notar nos vossos relatórios, a vida religiosa está bem implantada no vosso país, e cada vez mais jovens respondem ao apelo de Deus. Convosco, regozijo-me por esta graça que o Senhor dá à Igreja no Zaire. No período difícil por que atravessa a vossa nação, especialmente o testemunho das pessoas consagradas deve ser posto em evidência: «Missão peculiar da vida consagrada é manter viva nos baptizados a consciência dos valores fundamentais do Evangelho, graças ao seu “magnífico e privilegiado testemunho de que não se pode transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças” » (Vita consecrata, 33).

Saúdo com particular afecto os religiosos e as religiosas que, com grande abnegação, se consagram ao serviço dos seus irmãos pobres, doentes, desalojados, exilados, ou que, de diversas maneiras e em situações difíceis, trabalham para o estabelecimento de mais justiça e fraternidade, por vezes com o perigo da própria vida. Encorajo-os, de todo o coração, a prosseguir nos seus empenhos, numa oblação total de si mesmos: «Olhai o futuro, para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas» (Vita consecrata, 110). O mundo de hoje tem necessidade do seu testemunho profético do serviço a Deus e do amor pelos homens, nos quais se revela a presença do Senhor no meio do povo que está na prova. Este testemunho profético, que se exprime através da vida comunitária como sinal de comunhão eclesial, deve ser prolongado por uma verdadeira fraternidade, vivida no presbitério diocesano entre os religiosos e os membros do clero secular.

No vosso país, surgiram vários Institutos de direito diocesano nestes últimos anos, manifestando a vitalidade das vossas Igrejas locais. Desejo que sejam seguidos com muita atenção, sobretudo naquilo que concerne à formação adequada dos seus membros, a fim de que estas comunidades se desenvolvam segundo as normas da vida consagrada previstas pela Igreja. A Exortação Apostólica Vita consecrata será uma ajuda preciosa para reflectir sobre o significado e a missão da vida religiosa no mundo de hoje.

5. As dificuldades económicas e sociais da sociedade têm um impacto negativo sobre muitos jovens. Nos vossos relatórios, sublinhastes muitas vezes as feridas que os marcam e as consequências dolorosas que delas resultam para o seu futuro. A pastoral da juventude é uma das vossas maiores preocupações. As instituições escolares e universitárias da Igreja católica oferecem uma contribuição importante à formação humana e espiritual das jovens gerações, ante as grandes necessidades que o vosso país conhece. Quereis também estar atentos àqueles que não têm acesso à escola ou que dela são afastados, àqueles que estão sem trabalho, abandonados a si mesmos, sem esperança quanto ao futuro. Quantos obstáculos ao seu desenvolvimento ainda devem ser superados! Ao encorajar-vos a permanecer cada vez mais próximos deles e à escuta dos seus interrogativos, com os Padres do Sínodo africano, quereria de novo advogar com vigor em favor deles: «É necessário e urgente encontrar uma solução para a sua impaciência de participar na vida da nação e da Igreja» (Ecclesia in Africa 115); e renovo aos jovens do Zaire o apelo que foi lançado por este Sínodo a todos os jovens de África: assumi o desenvolvimento da vossa nação, amai a cultura do vosso povo e trabalhai para a sua revitalização, através da fidelidade à vossa herança cultural, com o aperfeiçoamento do espírito científico e técnico e, sobretudo, pelo testemunho da fé cristã (cf. ibid.)! Convido-os a não perder a coragem mas a enfrentar os desafios da sua existência, com a força que lhes é dada por Cristo, procurando estabelecer uma verdadeira solidariedade humana, a fim de construir o futuro. Neste mundo, eles são chamados a viver a fraternidade, não como uma utopia mas como uma possibilidade real; nesta sociedade, eles devem construir, como verdadeiros missionários de Cristo, a civilização do amor (cf. Mensagem para o XII Dia Mundial da Juventude, 8).

6. Nas vossas dioceses, os fiéis são levados a viver e a cooperar com os seus irmãos de outras confissões cristãs. «Unidos a Cristo no seu testemunho em África, os católicos são convidados a desenvolver um diálogo ecuménico com todos os cristãos baptizados das outras Confissões cristãs, a fim de que se realize a unidade pela qual Cristo rezou, de maneira que o seu serviço às populações do Continente torne o Evangelho mais credível aos olhos daqueles e daquelas que procuram a Deus» (Ecclesia in Africa, 65). Todavia, para que possam conduzir de verdade os fiéis de Cristo pelos caminhos da unidade, convém que estas relações fraternas com os outros cristãos se construam num reconhecimento recíproco sincero e no respeito daquilo que constitui a comunidade à qual pertencem.

7. As seitas e os novos movimentos religiosos são hoje um desafio, ao qual a Igreja na vossa região é levada a fazer frente com perseverança. A fim de permitir aos católicos efectuar os discernimentos necessários e responder às questões apresentadas pelas actividades destes grupos, é primordial guiar os fiéis para uma tomada de consciência renovada da sua identidade cristã, mediante o aprofundamento da sua fé em Cristo, único Salvador dos homens. Ao apresentar- lhes, de maneira simples e clara, a mensagem evangélica centrada na pessoa do Senhor Jesus, vivo e actuante na Sua Igreja, eles serão ajudados a efectuar uma real conversão do coração. Um bom conhecimento da Palavra de Deus, enraizado na Tradição, levá-los-á a adquirir uma espiritualidade autêntica e a descobrir as riquezas da oração pessoal e comunitária, com a inculturação que permite a cada um sentir-se plenamente participante. O Catecismo da Igreja Católica oferece uma ajuda de primeira ordem à esta tarefa de formação. Por fim, trabalhar-se-á para fortalecer a unidade do Povo de Deus nas comunidades eclesiais, onde se dará relevo «à atenção pelo outro, à solidariedade, às calorosas relações de acolhimento, de diálogo e de mútua confiança» (Ecclesia in Africa, 63).

8. Caros Irmãos no Episcopado, dado que o vosso país vive um tempo de grande prova e se encontra numa viragem decisiva para o seu futuro, exorto vivamente os católicos do Zaire a contribuírem com os seus compatriotas, para a edificação duma sociedade de convivência, na qual todos os cidadãos sejam igualmente reconhecidos e respeitados na sua dignidade. Faço votos por que as eleições, previstas para os próximos meses, possam realizar-se e permitam ao vosso país estabelecer um verdadeiro Estado de direito. As comunidades cristãs devem ser particularmente sensibilizadas para as suas responsabilidades naquilo que concerne à promoção da justiça e à defesa dos direitos humanos fundamentais. Desde há muitos anos, e ainda recentemente, dirigistes-vos a todos os zairenses, emprestando a vossa voz aos sem-voz, para recordar as exigências da justiça e da paz, assim como para encorajar e formar o povo que vos está confiado. Conheço o papel corajoso desempenhado pelos católicos no longo processo de democratização por que passa o vosso país, assim como na procura do diálogo para uma sociedade melhor. Através deste empenho, a Igreja não quer de maneira alguma servir uma política partidária. Ela deseja favorecer a procura do autêntico bem do homem e da sua vida na sociedade.

Convido-vos, então, a perseverar na proclamação da mensagem de esperança do Evangelho, estimulando os fiéis ao conhecimento da doutrina social da Igreja, a fim de trabalharem de modo eficaz para o advento da justiça e da solidariedade. As comunidades cristãs devem também empenhar-se, com determinação cada vez maior, em trabalhar para a reconciliação entre todos, rejeitando todas as formas de discriminação e de violência, que destroem o homem e a colectividade. «Cada baptizado deve sentir-se “ministro da reconciliação”, porque uma vez reconciliado com Deus e com os irmãos, é chamado a construir a paz com a força da verdade e da justiça » (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 1997, n. 7). O tempo de preparação para a Páscoa, no qual nos encontramos, recorda-nos a urgente necessidade do retorno a Deus e da conversão do coração como caminho rumo à paz.

9. Unindo-me, pelo pensamento e pela oração, às vítimas da guerra que se estende no Este do vosso país, renovo de maneira premente o meu apelo para que cessem os combates. Desejo vivamente que as partes envolvidas na crise da Região dos Grandes Lagos se empenhem, quanto antes, no caminho do diálogo e da negociação, a fim de encontrarem uma solução pacífica para os problemas dramáticos que se apresentam, no respeito dos princípios da intangibilidade das fronteiras internacionalmente reconhecidas, da soberania e da integridade territorial de cada Estado. Como recentemente escrevestes, «a unidade nacional deve ser preservada e consolidada» (Mensagem dos Bispos do Zaire, 31/1/1997). Para tanto, a Comunidade internacional — inclusive as Organizações regionais africanas — deve «aumentar a sua acção política» (cf. Discurso ao Corpo Diplomático, 13/1/1997), encontrando, ao mesmo tempo, soluções rápidas para o trágico problema humano e moral dos inúmeros refugiados ruandeses que estão no Zaire, nos campos ou dispersos na floresta, assim como da multidão dos desalojados zairenses. Nenhum homem de boa vontade pode ignorar a sorte destas pessoas que, nas regiões atingidas pelas violências, vivem em condições que são um insulto à dignidade humana, e cuja vida está constantemente em perigo. Ninguém pode desinteressar-se disto!

Deploro de modo vigoroso os ataques contra as pessoas, assim como os saques e as destruições, dos quais foram vítimas as instituições e os bens da Igreja em várias das vossas dioceses, dado que, em inúmeros casos, eram as únicas estruturas sociais que ainda funcionavam. Convido-os a empreender com coragem a recuperação das obras, que permitem à Igreja assegurar de maneira efectiva a sua missão e ser uma expressão da caridade de Cristo para com os mais pobres e os mais abandonados. Para um auxílio mútuo concreto, tal como foi realizado em várias ocasiões, espero que as Igrejas particulares do Zaire assim como a Igreja universal aceitem uma partilha generosa dos seus recursos, por solidariedade com as vossas comunidades.

10. No final do nosso encontro, caros Irmãos no Episcopado, exorto-vos a prosseguir com coragem o vosso combate pela paz e o vosso empenho em favor da fraternidade. Dado que nos preparamos para a celebração do grande Jubileu do Ano 2000 meditando, este ano, sobre a pessoa de Jesus Cristo, único Salvador do mundo, com toda a Igreja que está no Zaire sede as testemunhas ardorosas da esperança que Ele traz à nossa humanidade, pois «a esperança não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido» (Rm. 5, 5)! Ao voltar- me para a Virgem Imaculada, e para aqueles e aquelas que, como a Beata Anuarite e o Beato Isidoro Bakanja, são exemplos de coragem da fé e da caridade para a Igreja no vosso país, dou de todo o coração a Bênção Apostólica a cada um de vós, assim como ao conjunto dos vossos diocesanos, pedindo ao Senhor da Paz que cumule o povo zairense inteiro da abundância dos Seus dons.

 

 

 

 



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