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DISCURSO DO PAPA PAULO VI
NA INAUGURAÇÃO DA TERCEIRA SESSÃO
DO CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II

14 de Setembro de 1964

 

Com o sinal da santa Cruz, em cuja honra acabamos de oferecer a santa missa concelebrada, abre-se hoje a terceira sessão do Concílio Ecuménico Vaticano segundo. A Igreja está aqui. Nós somos aqui a Igreja. Somo-lo, porque membros do Corpo místico de Cristo: Deus concedeu-nos o inestimável favor do Baptismo, da fé e da união estreita na caridade que existe entre o sacro e visível Povo de Deus. Somo-lo, porque ministros da mesma Igreja na qualidade de sacerdotes, revestidos do carácter peculiar com que a ordenação sacramental nos assinala. Com este recebemos poderes admiráveis e terríveis, que com as nossas pessoas constituem a Hierarquia, encarregada de funções destinadas a perpetuar no tempo e a difundir sobre a terra a missão salvadora de Cristo. Finalmente, somos a Igreja, porque — como mestres da fé, pastores das almas e dispensadores dos mistérios de Deus (1) — nós a representamos aqui toda, não como delegados ou deputados dos fiéis a quem se dirige o nosso ministério, mas como pais —  e entre nós como Irmãos — que personificam as comunidades confiadas aos seus cuidados, e ainda como reunidos em assembleia plenária convocada de pleno direito pelo Papa. Este reuniu o Concílio em virtude do seu cargo, que o põe em comunhão com todos vós, tornando-o irmão vosso como Bispo desta Roma predestinada e sucessor humilde mas autêntico do Apóstolo Pedro — junto a cujo túmulo nos reunimos com piedade — e por isso como chefe, indigno mas verdadeiro, da Igreja Católica, como Vigário de Cristo, servo dos servos de Deus.

Resumindo em nossas pessoas e funções a Igreja universal, proclamamos ecuménico este Concílio: aqui está a afirmação da unidade e da catolicidade, com que a Igreja prova a sua consistência prodigiosa, a sua capacidade admirável de tornar os homens irmãos entre si e de recolher em seu seio as civilizações mais variadas, as línguas mais diversas, as liturgias e as espiritual idades mais características, as expressões nacionais, sociais e culturais mais diferentes, reduzindo tudo à unidade mais perfeita, respeitando embora todas as particularidades originais legítimas. Aqui temos a afirmação da santidade da Igreja, porque ela invoca aqui a misericórdia de Deus para as fraquezas e faltas dos pecadores que nós somos, e porque nós aqui, melhor que em qualquer outra parte, tomamos consciência do poder que nos pertence, de haurir, nas «investigáveis riquezas de Cristo»(2) os tesouros de salvação e de santificação para todos os homens; e compreendemos aqui que o nosso ministério não se destina senão a «formar para Deus um povo perfeito» (3). Finalmente, aqui se afirma a apostolicidade da Igreja, prerrogativa admirável mesmo aos nossos olhos: temos experiência da nossa fragilidade e sabemos como a história mostra a fragilidade das instituições até das mais robustas; mas conhecemos, por outro lado, a continuidade e fidelidade na sucessão do mandato de Cristo, desde os Apóstolos até às nossas humildes pessoas, que o recebem cheias de confusão; sabemos também quanto é inexplicável e como se mostra vitoriosa através dos séculos a permanência da Igreja, sempre viva, sempre capaz de encontrar em si mesma a força indomável da juventude.

Podemos repetir com Tertuliano: «Aqui está representado todo o mundo cristão e é deste que veneramos a imagem. Como é belo retínirmo-nos de toda a parte em nome da fé! Vede a felicidade e alegria que traz aos irmãos o encontrarem-se juntos» (4).

Estando aqui a Igreja, aqui está o Espírito Paráclito, prometido por Cristo aos seus Apóstolos para a edificação. «...Pedirei ao Pai, e Ele vos dará outro consolador para que fique sempre convosco, o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis; porque habita convosco, e estará entre vós ...» (5). Bem sabemos que são dois os elementos que Jesus Cristo prometeu e enviou de maneira diversa, ambos destinados à continuação da sua obra, à extensão no tempo e no espaço do reino por ele fundado. Da humanidade remida farão a sua Igreja, o seu Corpo místico, a sua plenitude, na expectativa do seu regresso definitivo e triunfal na consumação dos séculos: estes elementos são o apostolado e o Espírito. O apostolado é o agente externo e objectivo, forma o corpo por assim dizer material da Igreja, dá-lhe as suas estruturas visíveis e sociais; o Espírito Santo é o agente interno, que influi no interior de cada pessoa, como influi na comunidade inteira, animando, vivificando e santificando.

Estes dois agentes, o apostolado, hoje exercido pela sagrada Hierarquia, e o Espírito de Jesus, que a torna instrumento ordinário seu no ministério da Palavra e dos Sacramentos, exercem ao mesmo tempo a sua actividade: no Pentecostes viram-se maravilhosamente associados no princípio da grande obra de Jesus, que agora é invisível, mas está sempre presente nos seus apóstolos e nos sucessores deles, «que estabeleceu como pastores, encarregados de perpetuar a sua obra» (6); ambos, de modo diferente sem dúvida, mas convergente, dão testemunho a Cristo Senhor Nosso, aliando-se dum modo que dá virtude sobrenatural à obra apostólica (7).

Será possível crermos que ainda vigora este plano de acção salvífica, que nos aplica e em nós consuma a Redenção de Cristo? Sim, Irmãos; mais, devemos crer mesmo que é por meio de nós que esse plano continua a realizar-se, devido a uma capacidade e suficiência que nos vêm de Deus, «que nos tornou idóneos ministros duma Aliança nova, Aliança não da letra, mas do Espírito... que vivifica» (8). Duvidar seria ofender a fidelidade de Cristo às suas promessas, seria trair o nosso mandato apostólico, seria privar a Igreja da certeza da sua indefectibilidade, garantida pela divina palavra e comprovada pela experiência histórica. O Espírito está aqui. Não para reforçar com graça sacramental a obra que nós todos, reunidos em Concílio, vamos realizar, mas sim para a iluminar e guiar para bem da Igreja e da humanidade inteira. O Espírito está aqui. Nós invocamo-lo e esperamo-lo, nós seguimo-lo.

O Espírito está aqui. Recordemos esta doutrina e esta realidade presente, primeiro para tomarmos mais uma vez consciência —  em plenitude e, se possível, num grau inefável —  da nossa comunhão com Cristo vivo: é o Espírito Santo que nos une com Ele. Esta lembrança ajudar-nos-á a colocarmo-nos diante dele numa atitude. ansiosa de completa disponibilidade; far-nos-á sentir dentro de nós o vazio humilhante da nossa miséria e a necessidade de implorar misericórdia e ajuda; e permitirá que ouçamos, como se fossem pronunciadas nos recônditos secretos da nossa alma, as palavras do Apóstolo: «Investidos deste ministério que nos foi conferido por misericórdia, não desanimamos...» (9). O Concílio representa pára nós um momento de profunda docilidade interior, momento de adesão perfeita e filial à palavra do Senhor, momento de tensão fervorosa, de súplica e de amor, momento de embriaguez espiritual. Que bem se aplicam ao acontecimento singular, que estamos realizando, as expressões poéticas de S. Ambrósio: «Bebamos com alegria a embriaguez sóbria do espírito(10). Assim devemos passar este tempo do Concílio.

Dizemos tudo isto ainda por uma última razão: porque a Igreja — que se exprime por meio de nós, e do nosso ministério recebe estrutura e vida ouviu bem bater no quadrante da história a hora de se apresentar e dizer o que Jesus Cristo pensou e pretendeu dela, e o que uma meditação, que durou séculos, foi investigando com piedosa fidelidade, na sabedoria dos Padres, Pontífices e Doutores. A Igreja deve definir-se a si mesma, deve haurir, da consciência que tem de si mesma, a doutrina que o Espírito Santo lhe dita, segundo a promessa do Senhor: «O Espírito Santo Paráclito, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse»(11).

Trata-se de completar a doutrina que o Concílio Ecuménico Vaticano I se propunha enunciar, mas que, sendo interrompido por obstáculos exteriores, como sabeis, não pôde definir senão a primeira parte. Esta refere-se ao Chefe da Igreja, o Romano Pontífice, e às suas prerrogativas supremas, o primado de jurisdição e a infalibilidade de magistério, de que Jesus Cristo quis dotar o Apóstolo Pedro, seu Vigário visível na terra, e aquele que lhe sucede em tão sublime e tremendo cargo.

Temos de completar a exposição desta doutrina, para explicar o pensamento de Cristo sobre a sua Igreja toda, e especialmente sobre a natureza e função dos sucessores dos Apóstolos, isto é, do Episcopado, cuja dignidade e cargo a maior parte de vós, veneráveis Padres, recebestes — melhor dito: nós recebemos, Irmãos reverendíssimos — por benigna disposição de Deus.

De muitas outras questões importantíssimas, deverá tratar o Concílio; mas o ensino conciliar a respeito da Igreja parece-Nos de especial gravidade e delicadeza. Caracterizará certamente, na memória dos vindouros, o nosso solene e histórico Concílio. O Concílio deve dirimir algumas questões teológicas difíceis; deve fixar as características e a missão dos Pastores dentro da Igreja; deve examinar e, com o favor do Espírito Santo, determinar as prerrogativas constitucionais do Episcopado; deve indicar as relações entre esta Sé Apostólica e o mesmo Episcopado; deve demonstrar como, na diversidade das expressões, típicas do Ocidente e do Oriente, subsiste homogénea a concepção constitucional da Igreja; deve manifestar, tanto aos fiéis da Igreja católica como também aos Irmãos separados, o verdadeiro conceito dos órgãos hierárquicos que «o Espírito Santo colocou como Bispos para regerem a Igreja de Deus» (12), e isso com autoridade certa da qual não será lícito duvidar, para serviço humilde e paciente dos irmãos, qual convém a pastores que são ministros da fé e da caridade.

Estes pensamentos avivam-se no Nosso espírito, e certamente também no vosso, veneráveis Irmãos, porque a terceira sessão do Concílio Ecuménico propõe-se esta questão como uma das principais: investigar e declarar a doutrina relativa à natureza e à missão da Igreja, continuando assim e completando o estudo iniciado nas duas primeiras sessões. Assim este solene Concílio apresentar-se-á como a continuação lógica do Concílio Vaticano I. A Igreja quer, afinal, contemplar-se a si mesma; ou melhor, quer procurar o que ela é na mente de Cristo, seu divino Fundador; quer, numa palavra, prestar homenagem à Sua sabedoria e caridade e, renovando-Lhe o pleno obséquio da sua fé e fidelidade, quer tornar-se ainda mais capaz de realizar a obra de salvação para que foi instituída.

Não se julgue que a Igreja, procedendo assim, pára num acto de complacência diante de si mesma, esquecendo, por um lado, a Cristo, de quem tudo recebe e a quem tudo deve; e, por outro, a humanidade, que está destinada a servir. Não, não se coloca desvanecida entre Cristo e o mundo, não é diafragma opaco, não é fim de si — mesma, mas deseja ardentemente ser toda de Cristo, em Cristo e por Cristo, e toda dos homens, entre os homens e para os homens, como humilde e gloriosa intermediária entre o Salvador e a humanidade, recebendo dum e conservando e espalhando no outro a verdade e a graça da vida sobrenatural.

Nesta hora singular, que parece abençoada entre todas, isto é tanto mais verdadeiro e importante, quanto a investigação acerca da Igreja vai ter um ponto de maior interesse, especialmente para vós e para Nós: trata-se da constituição hierárquica da Igreja, e por isso da origem, natureza, função e poder do Episcopado. Este constitui o grau mais alto e mais importante da Hierarquia; ao lado do Nosso cargo, «foi este constituído pelo Espírito Santo para governar a Igreja de Deus» (13), como já dissemos.

Pensamos ser fiel a um impulso da divina Providência aproveitando este momento histórico para vos tributar a vós, venerados e dilectos Irmãos no Episcopado, a honra que Nosso Senhor quis fosse prestada aos Apóstolos do mesmo modo que a Pedro.

Os poderes, verdadeiramente únicos e sumos, conferidos por Cristo a Pedro e transmitidos aos seus sucessores, definiram-nos e proclamaram-nos os Padres conciliares do Concílio Ecuménico Vaticano I. Esta definição terá parecido que vinha limitar a autoridade dos Bispos, sucessores dos Apóstolos, que tornava supérflua e impossibilitava até a convocação doutros Concílios Ecuménicos, apesar de o Direito Canónico lhes reconhecer autoridade suprema sobre toda a Igreja. Este Concílio, igualmente ecuménico, dispõe-se, sim, a confirmar a doutrina do precedente sobre as prerrogativas do Pontífice Romano; mas terá também, como fim principal, descrever e honrar as prerrogativas do Episcopado. Não se esqueça que o actual Concílio foi convocado por libérrima iniciativa do Nosso venerado predecessor João XXIII, de feliz memória, e foi por Nós confirmado com muito gosto e sem qualquer demora, sabendo Nós muito bem que esta assembleia soberana teria como tema o Episcopado. Nem podia ser doutra maneira: não só pela concatenação das doutrinas consideradas; mas pelo Nosso desejo sincero de proclamar a glória, a missão, os méritos dos Nossos Irmãos empenhados na obra de ensino, de santificação e de governo da Igreja de Deus.

Deixai-Nos repetir como Nossas as célebres palavras que Nosso remoto e santo predecessor de imortal memória Gregório Magno escreveu a Eulógio, Bispo de Alexandria: «A minha honra é a honra da Igreja universal. A minha honra é o vigor dos meus irmãos. Estou verdadeiramente honrado, só quando a honra, devida a cada um deles, não lhes é recusada» (14).

A integridade da verdade católica reclama agora um esclarecimento que, em harmonia com a doutrina sobre o Papado, faça brilhar de luz esplêndida a figura e missão do Episcopado. O Concílio traçará as linhas desta figura e missão, desejando apenas interpretar, na sua fonte e nas conclusões que dela derivam, o pensamento de Jesus Cristo. Desde já Nos alegramos reconhecendo nos Bispos os Nossos Irmãos, chamando-os com o Apóstolo Pedro «seniores» e reivindicando para Nós o título igual, que muito estimamos, de «consenior» (15). Conforta-Nos chamar-lhes com o Apóstolo Paulo «companheiros nas tribulações e nas consolações» (16). Desejamos quanto antes dar-lhes a certeza da Nossa veneração, da Nossa estima, do Nosso afecto e da Nossa solidariedade. É dever Nosso reconhecer neles os mestres, pastores e santificadores do povo cristão, os dispensadores dos mistérios de Deus (17), as testemunhas do Evangelho, os ministros do Novo Testamento, um como reflexo da glória do Senhor (18).

Se a Nós, como sucessor de Pedro e por isso dotado de poder pleno sobre toda a Igreja, compete o cargo de sermos, ainda que indignos, vosso Chefe, isso não significa que vos defraudemos da autoridade que vos pertence; bem longe disso, somos os primeiros a venerá-la. Se o Nosso múnus apostólico Nos obriga a pôr reservas, a precisar termos, a prescrever atitudes e a ordenar modalidades no exercício do poder episcopal, vós bem o sabeis, fazemo-lo para bem da Igreja inteira, por amor da sua unidade, que tanto mais precisa dum guia central quanto mais vasta se torna a sua extensão católica, quanto mais graves são os perigos e mais urgentes as necessidades do povo cristão nas várias contingências da história, e, podemos acrescentar ainda, quanto mais facilitados estão hoje os meios de comunicação. A centralização será sempre moderada e encontrará compensação no cuidado atento de se fornecerem aos pastores locais as faculdades convenientes e os serviços úteis. A centralização nada tem de artifício para exaltar; é apenas serviço, Irmãos, é interpretação do espírito unitário e hierárquico da Igreja; é o ornamento, a força e a beleza inerentes à promessa de Cristo, que Ele vai concedendo à sua Igreja, conforme os tempos o permitem.

Podemos a este propósito recordar as palavras de Pio XII, de feliz memória, dirigidas a um grupo de Bispos: «Esta união e esta benéfica comunicação com a Santa Sé não nasce de qualquer ambição de tudo concentrar e tudo uniformizar, mas do direito divino e dum princípio essencial próprio da constituição mesma da Igreja de Cristo» (19).

Esta norma não afoga, mas robustece a autoridade episcopal, tanto considerada em cada Bispo como em todos colegialmente. Muito admiramos e defendemos as funções próprias da sagrada Hierarquia: é a instituição nascida da caridade de Cristo, destinada a realizar, difundir e garantir a transmissão intacta e fecunda do tesouro de fé, de exemplos, de preceitos e de carismas, deixado por Cristo à sua Igreja; é ela que gera a comunidade dos fiéis e ordena a sua organização visível; é o órgão que merece à Igreja o título de mãe e de mestra; é a transmissora das riquezas sacramentais, á guia da oração e a promotora das actividades caritativas. Nós colocados à frente desta instituição sagrada, como poderemos deixar de lhe dedicar os Nossos cuidados, a Nossa confiança e o Nosso apoio? Como poderemos deixar de os defender? Haverá para Nós dever mais frequente, mais grave e mais agradável do que tutelar a independência, a liberdade e a dignidade da sagrada Hierarquia nos vários países? Não encontramos esta fatigante actividade em toda a história do Papado, especialmente nestes anos de convulsões políticas?

E acrescentaremos outro motivo, nesta exaltação que fazemos do Episcopado: por um lado, a dignidade e a caridade do Episcopado muito beneficiam da comunhão hierárquica que o deve conservar unido à Sé Apostólica; e, por outro lado, esta muito precisa de vós, veneráveis Irmãos. Como vós, espalhados pela terra, tendes necessidade dum centro, dum princípio de unidade na fé e na comunhão — para dar consistência e expressão à verdadeira catolicidade da Igreja — e isso exactamente encontrais na cátedra de Pedro; assim Nós temos necessidade que vós estejais sempre ao Nosso lado, para dardes cada vez mais ao rosto desta Sé Apostólica a sua verdadeira fisionomia, a sua realidade humana e histórica, e até mesmo para lhe oferecerdes concordância com a sua fé, o exemplo no cumprimento dos seus deveres e o conforto nas suas tribulações.

De maneira que, enquanto esperamos que nesta assembleia se precise a doutrina acerca do Episcopado, desde já lhe tributamos as Nossas honras, lhe prometemos os Nossos sentimentos fraternais e, mais ainda, paternais, lhe pedimos o conforto da sua adesão. Oxalá a comunhão, que une com um vínculo vivificador de fé e de caridade a Hierarquia católica, saia deste Concílio mais forte e mais santa: donde resultará glória para Cristo, paz para a Igreja, luz para a terra.

Muito mais tínhamos para dizer sobre este tema e sobre muitos outros também importantíssimos, propostos ao exame do Concílio; mas não que remos abusar da vossa paciência.

Não Nos negaremos, porém, o gosto de enviar, deste lugar e neste momento, uma saudação especial às comunidades eclesiais, por vós aqui representadas: o Nosso pensamento dirige-se, antes de tudo, aos caros e venerados Sacerdotes de todo o mundo verdadeiros e corajosos cooperadores do ministério episcopal; dirige-se aos Religiosos, que procuram todas as formas de se tornarem semelhantes a Cristo e úteis aos seus irmãos; dirige-se a todos os leigos católicos empenhados na colaboração com a Hierarquia para a edificação da Igreja e serviço da sociedade; dirige-se a todos os que sofrem, aos pobres, aos perseguidos: não os podemos esquecer, especialmente os que, por falta de liberdade, estão ainda afastados deste Concílio.

Saudamos em seguida aos Ouvintes presentes, cujos sentimentos e méritos insignes bem conhecemos. Apraz-Nos igualmente saudar as nossas dilectas filhas em Cristo, as Ouvintes, admitidas pela primeira vez a assistir a assembleias conciliares. Queiram, uns e outros, reconhecer neste acolhimento as Nossas disposições paternais para com todas as categorias do Povo de Deus e o Nosso desejo de conseguir para a comunidade cristã cada vez maior concórdia, colaboração e caridade.

E finalmente, venerados e ilustres Observadores, que mais uma vez aceitastes assistir ao Nosso acto conciliar, Nós vos saudamos, vos agradecemos, vos repetimos o Nosso propósito e a Nossa esperança de ver desaparecer um dia todos os obstáculos, todos os mal-entendidos e todas as desconfianças que ainda impedem que nos sintamos completamente, em Cristo, na sua Igreja, «um só coração e uma só alma» (20). Para isto se conseguir, faremos tudo quanto está em Nossa mão. Compreendemos que é coisa difícil refazer a unidade, mas dedicaremos a esta empresa os cuidados e o tempo requeridos; é coisa nova, se nos lembrarmos da longa e dolorosa história que precedeu as várias separações; esperamos, contudo, pacientemente que cheguem à maturidade as condições para tudo resolver positiva e amigàvelmente; é assunto importante, cujas raízes mergulham nos misteriosos desígnios de Deus, mas Nós procuraremos humilde e piamente tornar-Nos merecedores de tão grande graça. Lembrados das palavras do Apóstolo Paulo, que ofereceu a todas as gentes o dom do Evangelho, procurando fazer-se «tudo para todos» (21), com uma condescendência, que nós chamaríamos hoje pluralismo prático; e lembrados ainda que o mesmo Apóstolo nos pediu instantemente «que conservássemos a unidade do espírito por meio do vínculo da paz», porque «um só é o Senhor, uma só a fé, um só o baptismo, um só o Deus e Pai de todos» (22), Nós procuraremos, fiéis à unicidade da Igreja de Cristo, conhecer melhor e acolher tudo o que há de autêntico e de aceitável nas várias denominações cristãs de Nós separadas; do mesmo modo, lhes pedimos queiram informar-se melhor da fé e da vida católica, e não considerem como ofensivo, mas sim como respeitoso e fraternal, o convite para que se integrem na plenitude da verdade e da caridade. Foi o mandato de Cristo que Nos deu a facilidade imerecida e a responsabilidade formidável de a conservar, mas essa plenitude receberá maior expressão quando se recompuser a unidade de todos os que professam o nome de Cristo. Entretanto, por vosso intermédio, venerados e ilustres hóspedes e Observadores deste Concílio, chegue a Nossa saudação cordial a cada uma das comunidades cristãs por vós representadas. E uma recordação reverente chegue também àquelas que não estão aqui representadas. Nós incluimos na Nossa oração e no Nosso afecto todos os membros ainda separados da plena integridade espiritual e visível do Corpo místico de Cristo; e, neste esforço de afecto e de piedade, cresce a Nossa dor e cresce a Nossa esperança. Oh! Igrejas afastadas de Nós mas ao mesmo tempo tão perto de Nós! Igrejas, objecto dos Nossos anelos sinceros! Igrejas da Nossa saudade sem fim! Igrejas das Nossas lágrimas, quanto desejaríamos poder honrá-las, abraçando-as no amor sincero de Cristo. Chegue até vós, deste centro da unidade, que é o túmulo do apóstolo e mártir Pedro, deste Concílio Ecuménico de fraternidade e de paz o Nosso brado afectuoso: talvez ainda seja grande a distância que nos conserva separados, e talvez muito tempo haja de correr antes de se realizar o encontro pleno e real; mas ficai sabendo que Nós já vos temos no coração; e venha o Deus das misericórdias alentar tão grande desejo e tão grande esperança.

Chegue por fim o Nosso pensamento ao mundo que nos rodeia com o seu interesse ou com a sua indiferença, e até talvez com a sua hostilidade: de novo lhe renovamos a saudação, que de Belém lhe dirigimos, confirmando o propósito de pôr a Igreja ao serviço da sua salvação espiritual e da sua prosperidade civil, para a sua paz e a sua verdadeira felicidade.

E convidando-vos a vós todos, veneráveis Irmãos, a invocarmos juntos o Espírito Santo, dispomo-Nos a inaugurar a terceira sessão deste Concílio Ecuménico Vaticano II, dando-vos a vós todos-em nome do Senhor, com a confiança na assistência de Maria Santíssima e dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo —  a Nossa bênção apostólica.

 


Notas

(1) Cfr. 1 Cor. 4, 1,

(2) Ef. 3,8.

(3) Lc. 1,17.

(4) De ieiuniis, c. 13: PL 2, 1024.

(5) Jo. 14, 16-17.

(6) Cfr. Missal romano, Prefácio dos Apóstolos.

(7) Cfr. 1 Ped. 1,12.

(8) 2 Cor. 3,6.

(9) 2 Cor, 4,1.

(10) PL 16,1411.

(11) Jo. 14,26.

(12) Act. 20,28.

(13) Act. 20,28.

(14) 8,30: PL 77,933.

(15) Cfr. 1 Ped. 5,1.

(16) Cfr. 2 Cor. 1, 4-7.

(17) 1 Cor. 4,1.

(18) Cfr. 2 Cor. 3,6-18.

(19) AAS 46 (1954), p. 676.

(20) Act. 4, 32.

(21) 1 Cor. 9, 22.

(22) Ef. 4, 3. 5-6.

 



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