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MOTU PROPRIO "MAGNUM PRINCIPIUM"

COMENTÁRIO DO SECRETÁRIO DA CONGREGAÇÃO
PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS,
ARCEBISPO ARTHUR ROCHE

 

UMA CHAVE DE LEITURA

 

O Motu proprio “Magnum principium” muda a formulação de algumas normas do Codex iuris canonici respeitantes à edição dos livros litúrgicos nas línguas correntes. Com o Motu proprio Magnum principium, datado de 3 de setembro de 2017 e que no próximo no dia 1 de outubro entrará em vigor, o Papa Francisco introduziu algumas modificações ao texto do cânone 838. A explicação dos motivos das variações é oferecida pelo próprio documento pontifício, que recorda e expõe os princípios que estão na base da tradução dos textos litúrgicos típicos em língua latina e as instâncias implicadas no delicado trabalho. Sendo oração da Igreja, a liturgia é de facto regulada pela autoridade eclesial.

Considerando a importância dos desafios, já os padres do concílio Vaticano II tinham interpelado, neste âmbito, quer a Sé apostólica quer as conferências episcopais (cfr. Sacrosanctum Concilium, nn. 36, 40 e 63). Com efeito, o grave compromisso de providenciar traduções litúrgicas foi guiado por normas e por instruções específicas do dicastério competente, em particular Comme le prévoit (25 de janeiro de 1969) e, depois o Codex iuris canonici de 1983, da Liturgiam authenticam (28 de março de 2001), ambos publicados, em fases diferentes, com o objetivo de responder a problemas concretos evidenciados ao longo do tempo e suscitados pelo trabalho complexo que a tradução dos textos litúrgicos comporta. Ao contrário, relativamente ao âmbito da inculturação, a matéria foi regulada pela instrução Varietates legitimae (25 de janeiro de 1994).

Considerada a experiência destes anos, agora — escreve o Papa — «pareceu oportuno que alguns princípios transmitidos desde o período do Concílio sejam reafirmados de forma mais clara e postos em prática». Portanto, tendo em conta o caminho percorrido e olhando para o futuro, com base na constituição litúrgica do Vaticano II Sacrosanctum Concilium, o Pontífice quis especificar a disciplina em vigor introduzindo algumas variações ao cânone 838 do Codex iuris canonici.

A finalidade da modificação consiste em definir melhor os papeis da Sé apostólica e das conferências dos bispos, chamadas a trabalhar em diálogo entre eles, no respeito da própria competência, que é diferente e complementar, relativamente à tradução dos livros típicos latinos, assim como das eventuais adaptações, que podem dizer respeito aos textos e aos ritos. E isto ao serviço da oração litúrgica do povo de Deus.

Em particular, na nova formulação do cânone em questão se faz uma mais adequada distinção, relativamente ao papel da Sé apostólica, entre o âmbito próprio da recognitio e o da confirmatio, no respeito de quanto compete às conferências episcopais, tendo em conta a sua responsabilidade pastoral e doutrinal, assim como os seus limites de ação.

A recognitio, mencionada no § 2 do cânone 838, implica o processo de reconhecimento por parte da Sé apostólica das legítimas adaptações litúrgicas, inclusive as “mais profundas”, que as conferências episcopais podem estabelecer e aprovar para os seus territórios, nos limites consentidos. Portanto, neste terreno de encontro entre liturgia e cultura, a Sé apostólica é chamada a recognoscere, ou seja, a rever e avaliar estas adaptações, em virtude da salvaguarda da unidade substancial do rito romano: a referência nesta matéria são os números 39-40 de Sacrosanctum Concilium, e a sua aplicação, nos modos indicados ou não nos livros litúrgicos, é regulamentada pela instrução Varietates legitimae.

Ao contrário, a confirmatio — terminologia já adotada no Motu proprio Sacram Liturgiam n. IX (25 de janeiro 1964) — diz respeito às traduções dos textos litúrgicos que, de acordo com a Sacrosanctum Concilium (n. 36 § 4), compete às conferências episcopais preparar e aprovar; o § 3 do cânone 838 especifica que as versões devem ser realizadas fideliter conforme os textos originais, tendo em conta deste modo a preocupação principal da instrução Liturgiam authenticam. Com efeito, evocando o direito e a responsabilidade da tradução confiada às conferências episcopais, o Motu proprio recorda igualmente que as mesmas conferências «devem fazer com que e, ao mesmo tempo, estabelecer que, ao salvaguardar a natureza de cada língua, seja dado plena e fielmente o sentido do texto original».

Portanto, a confirmatio da Sé apostólica não se apresenta como uma intervenção alternativa de tradução, mas como um ato autoritativo com o qual o dicastério competente ratifica a aprovação dos bispos. Supondo obviamente uma avaliação positiva da fidelidade e da congruência dos textos produzidos em relação à edição típica sobre a qual se funda a unidade do rito, e tendo em conta sobretudo os textos de maior importância, especialmente as fórmulas sacramentais, as orações eucarísticas, as orações de ordenação, o rito da missa, e assim por diante.

A modificação do Codex iuris canonici comporta naturalmente um ajustamento do artigo 64 § 3 da constituição apostólica Pastor bonus, assim como da normativa em matéria de traduções. Isto implica a necessidade de corrigir alguns números do Institutio generalis missalis Romani e dos Praenotanda dos livros litúrgicos. A própria instrução Liturgiam authenticam, que deve ser apreciada pelas válidas atenções que reserva a este complicado trabalho e às suas implicações, quando pede a recognitio deve ser interpretada à luz da nova formulação do cânone 838. Por fim, o Motu proprio estabelece que também a Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos «modifique o próprio Regolamento com base na nova disciplina e ajude as Conferências Episcopais a levar a cabo a própria tarefa».