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MOTU PROPRIO "MAGNUM PRINCIPIUM"

NOTA SOBRE O CÂNONE 838 À LUZ DE FONTES CONCILIARES E PÓS-CONCILIARES

 

Por ocasião da publicação do Motu Proprio Magnum principium, com o qual o Papa Francisco estabelece algumas variações nos parágrafos 2 e 3 do cânone 838 do Código de Direito Canónico, o Secretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos oferece na seguinte Nota um comentário das fontes que estão na base de tais parágrafos, considerando a formulação até agora em vigor e a nova.

O texto hodierno

Até agora assim recitam os dois seguintes parágrafos do cân. 838:

§ 2. «Apostolicae Sedis est sacram liturgiam Ecclesiae universae ordinare, libros liturgicos edere eorumque versiones in linguas vernaculas recognoscere, necnon advigilare ut ordinationes liturgicae ubique fideliter observentur».

§ 3. «Ad Episcoporum conferentias spectat versiones in linguas vernaculas, convenienter intra limites in ipsis libris liturgicis definitos aptatas, parare easque edere, praevia recognitione Sanctae Sedis».

Para o § 2, as referências são o n. 21 da Instrução Inter Oecumenici (26 de setembro de 1964) e o cân. 1257 do C.D.C. de 1917.

Para o § 3, são a Sacrosanctum Concilium n. 22 § 2 e n. 36 §§ 3-4; S. Congr. pro Sacramentis et Cultu Divino, Epist. Decem iam annos (5 de junho de 1976); S. Congr. pro Doctrina Fidei, Ecclesiae pastorum (19 de março de 1975), art. 3.

Apesar das fontes terem valor indicativo e não serem completas, podem-se fazer algumas anotações a propósito.

Antes de tudo acerca do § 2 do cân. 838. O n. 21 da Instrução Inter Oecumenici pertence ao cap. I, VI. De competenti auctoritate in re liturgica (na Const. art. 22) e recita: «Apostolicae Sedis est tum libros liturgicos generales instaurare atque approbare, tum sacram Liturgiam in iis quae universam Ecclesiam respiciunt ordinare, tum Acta et deliberationes auctoritatis territorialis probare seu confirmare, tum eiusdem auctoritatis territorialis propositiones et petitiones accipere». Parece clara uma pressuposta igualdade entre o verbo “recognoscere” usado no § 2 do cân. 838 e a expressão “probare seu confirmare” usada na Inter Oecumenici. Esta última expressão foi desejada pela Comissão litúrgica do Concílio Vaticano II para substituir a terminologia derivante do verbo “recognoscere” (“actis recognitis”), com referência ao cân. 250 § 4 (cf. cân. 304 § 2) do C.D.C. de 1917, como foi explicado aos Padres conciliares na Relatio e por eles votado no n. 36 § 3 da Sacrosanctum Concilium na forma «actis ab Apostolica Sede probatis seu confirmatis». Pode-se notar ainda que o n. 21 da Inter Oecumenici diz respeito a todos os atos das autoridades territoriais, enquanto neste ponto o Código o aplica especificamente às «interpretationes textum liturgicorum», matéria que a Inter Oecumenici trata explicitamente no n. 40.

Acerca do § 3 do cân. 838, a referência à Sacrosanctum Concilium n. 22 § 2 é pertinente. Para a referência com a Sacrosanctum Concilium n. 36 §§ 3-4 (o § 3 trata «de usu et modo linguae vernaculae statuere, actis ab Apostolica Sede probatis seu confirmatis» e o § 4 da «conversio textus latini in linguam vernaculam in Liturgia adhibenda, a competenti auctoritate ecclesiastica territoriali, de qua supra, approbari debet») é evidente que, para a tradução, não se pede uma probatio seu confirmatio, nem uma recognitio em estreito sentido jurídico, como exige o cân. 455 § 2.

A vicissitude em relação a um trecho do Motu Proprio Sacram Liturgiam n. IX (25 de janeiro de 1964), que pela reação dos Padres Conciliares foi emendado na Acta Apostolicae Sedis, parece que não foi considerada adequadamente. Quando o Sacram Liturgiam foi publicado em L’Osservatore Romano de 29 de janeiro de 1964, lia-se: «... populares interpretationes, a competente auctoritate ecclesiastica territoriali propositas,[1] ab Apostolica Sede esse rite recognoscendas [2] atque probandas». Mas na Acta Apostolicae Sedis foi adotada a terminologia conciliar: «...populares interpretationes, a competente auctoritate ecclesiastica territoriali conficiendas et approbandas esse, ad normam art. 36, §§ 3 et 4; acta vero huius auctoritatis, ad normam eiusdem art. 36, § 3, ab Apostolica Sede esse rite probanda seu confirmanda». [3] Portanto, o Motu Proprio Sacram Liturgiam distinguia a aprovação das traduções como tais por parte das autoridades territoriais com um decreto que as tornava obrigatórias, e o facto que tal ato devia ser «probatus seu confirmatus» pela Sé Apostólica. Deve-se notar ainda que o Sacram Liturgiam acrescenta: «Quod ut semper servetur praescribimus, quoties liturgicus quidam textus latinus a legitima, quam diximus, auctoritate in linguam vernaculam convertetur».[4] A prescrição refere-se aos dois momentos distintos, ou seja, o conficere et approbare uma tradução e o ato de a tornar obrigatória com a publicação do livro que a contém.

A referência cruzada com a Epist. Decem iam annos da S. Congregatio pro Sacramentis et Cultu Divino é pertinente, mas deve-se notar que nunca usa o termo “recognoscere” mas só “probare, confirmare, confirmatio”.

Quanto ao Ecclesiae pastorum da S. Congregatio pro Doctrina Fidei, art. 3 (composto de três números), só o n. 1 se refere à nossa questão e recita: «1. Libri liturgici itemque eorum versiones in linguam vernaculam eorumve partes ne edantur nisi de mandato Episcoporum Conferentiae atque sub eiusdem vigilantia, praevia confirmatione Apostolicae Sedis». O n. 2 concerne às reedições, e o n. 3 aos livros de oração. Contudo, deve-se notar que às Conferências Episcopais se atribuem a vigilância e o mandato, enquanto à Sé Apostólica a “praevia confirmatio” acerca do livro que se edita, e não precisamente uma “recognitio” da versão, como ao contrário recita o cân. 838.

O texto novo

Com a modificação decidida pelo Motu Proprio Magnum principium, os §§ 2 e 3 do cân. 838 recitam:

§ 2. «Apostolicae Sedis est sacram liturgiam Ecclesiae universae ordinare, libros liturgicos edere, aptationes, ad normam iuris a Conferentia Episcoporum approbatas, recognoscere, necnon advigilare ut ordinationes liturgicae ubique fideliter observentur».

§ 3. «Ad Episcoporum Conferentias spectat versiones librorum liturgicorum in linguas vernaculas fideliter et convenienter intra limites definitos accommodatas parare et approbare atque libros liturgicos, pro regionibus ad quas pertinent, post confirmationem Apostolicae Sedis edere».

O § 2 agora diz respeito às “aptationes” (já não se nomeiam as “versiones”, matéria do § 3), isto é, textos e elementos que aparecem na editio typica latina, assim como as “profundiores aptationes” contempladas pela Sacrosanctum Concilium n. 40 e reguladas pela Instrução Varietates legitimae sobre a liturgia romana e a inculturação (25 de janeiro de 1994); aprovadas pela Conferência Episcopal, as “aptationes” devem ter a “recognitio” da Sé Apostólica. A referência é à Sacrosanctum Concilium n. 36 § 3. O § 2 modificado conserva, entre as suas fontes, o cân. 1257 do CDC de 1917, e acrescenta a referência à Instrução Varietates legitimae que trata da aplicação dos nn. 39 e 40 da Sacrosanctum Concilium, para a qual se exige uma verdadeira “recognitio”.

O § 3 refere-se às “versiones” dos textos litúrgicos que, é especificado melhor, devem ser feitas “fideliter” e aprovadas pelas Conferências Episcopais. A referência é à Sacrosanctum Concilium n. 36 § 4 e também à analogia com o cân. 825 § 1 acerca da versão da Sagrada Escritura. Tais versões são editadas nos livros litúrgicos, depois de ter recebido a “confirmatio” da Sé Apostólica, como disposto pelo Motu Proprio Sacram Liturgiam, n. IX.

A formulação anterior no § 3 do cân. 838: «intra limites in ipsis libris liturgicis definitos aptatas», devedora da Sacrosanctum Concilium n. 39 («Intra limites in edititionibus typicis librorum liturgicorum statutos... aptationes definire»), concernente às “aptationes” e não às “versiones” das quais agora trata este parágrafo, é apresentada com a expressão «intra limites definitos accommodatas», utilizando a terminologia do n. 392 do Institutio Generalis Missalis Romani; isto permite fazer oportuna distinção em relação às “aptationes” nomeadas no § 2.

Portanto o § 3 aperfeiçoado continua a fundar-se na Sacrosanctum Concilium n. 22 § 2; n. 36 §§ 3 — 4; S. Congr. pro Sacramentis et Cultu Divino, Epist. Decem iam annos (5 de junho de 1976); S. Congr. pro Doctrina Fidei, Ecclesiae pastorum (19 de março de 1975), art. 3, com o acréscimo da referência aos nn. 391 e 392 do Institutio Generalis Missalis Romani (ed. typica tertia), evitando contudo o termo “recognoscere, recognitis”, de modo que o ato da Sé Apostólica relativo às versões, preparadas pelas Conferências Episcopais com particular fidelidade ao sentido do texto latino (ver o acréscimo do “fideliter”), não possa ser equiparado à disciplina do cân. 455, mas incluído na ação de uma “confirmatio” (como expressa tanto a Decem iam annos como a Ecclesiae pastorum, art. 3).

A “confirmatio” é um ato de autoridade com o qual a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos ratifica a aprovação dos Bispos, deixando a responsabilidade da tradução, presumidamente fiel, ao munus doutrinal e pastoral da Conferência dos Bispos. Resumindo, realizada ordinariamente na base da confiança, a “confirmatio” supõe uma positiva avaliação da fidelidade e da congruência dos textos produzidos em relação ao texto típico latino, tendo em conta sobretudo os textos de maior importância (por exemplo as fórmulas sacramentais, que exigem a aprovação do Santo Padre, o Rito da Missa, as orações eucarísticas e de ordenação, que requerem uma revisão esmerada).

Como recordado no Motu Proprio Magnum principium, as mudanças do cân. 838, §§ 2 e 3, têm consequências no art. 64 § 3 da Constituição Apostólica Pastor bonus, no Institutio Generalis Missalis Romani e nos Praenotanda dos livros litúrgicos, nos lugares que se ocupam da matéria das traduções e das adaptações.

Sábado 9 de setembro de 2017

 


[1] A Sacrosanctum Concilium no § 4 do art. 36 usa o verbo “approbare”.

[2] A Sacrosanctum Concilium no § 3 do art. 36 diz: “actis ab Apostolica Sede probatis seu confirmatis”.

[3] Cf. Acta Apostolicae Sedis 56 (1964), 143.

[4] Cf. ibidem.