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CONGREGAÇÃO PARA A EVANGELIZAÇÃO DOS POVOS 

DISCURSO DO CARDEAL CRESCENZIO SEPE
NA INAUGURAÇÃO DO II CONGRESSO
AMERICANO MISSIONÁRIO (CAM 2)

Cidade de Guatemala 26 de novembro de 2003

 


Caros Irmãos e Irmãs

Estou muito contente de estar convosco hoje como Enviado do Santo Padre, presidindo o II Congresso Americano Missionário (C.A.M.), feliz expressão da solicitude de todas as Igrejas particulares da América para anunciar o Evangelho da Vida a todos os povos.

Saúdo com afeto o Arcebispo de Guatemala, Eminentíssimo Cardeal Rodolfo Quezada Toruño, todos os membros do Episcopado da Guatemala e da América Central, os Excelentíssimos Bispos, os Diretores Nacionais das Pontifícias Obras Missionárias, agentes de pastoral, missionários, famílias, jovens e crianças, representantes e delegados das Dioceses do Norte, do Centro e do Sul deste Continente Americano e do Caribe.

Saúdo a todos em nome do Santo Padre que, em Roma, deseja unir-se espiritualmente à celebração deste Congresso. Trago a todos o seu afeto, a sua proximidade e a sua bênção.

Com o Primeiro Congresso Americano Missionário (VI Latino-Americano), celebrado há quatro anos em Paraná (Argentina), fruto do maravilhoso caminho que a Igreja na América Latina desenvolveu em favor da animação missionária através dos "COMLAs", foi lançada uma semente de unidade, que soube crescer vigorosamente, a ponto de chegar a este segundo Congresso Americano Missionário.

Foi exatamente após a celebração do Sínodo Especial para a América, em 1997, que o VI Congresso Missionário Latino-Americano quis abraçar fraternalmente "toda a Igreja do Continente" tornando-se assim o I Congresso Americano Missionário. Dessa forma, desejava-se ressaltar aquilo que o Santo Padre havia afirmado na celebração do Sínodo para a América:  "Aquele vínculo mais estreito ao qual os povos do Continente aspiram e que a Igreja deseja favorecer" e assim, impulsionar com maior vigor a missão evangelizadora da Igreja no Continente, também para além das suas fronteiras (cf. Ecclesia in America, 5).

Caríssimos irmãos e irmãs, "a missão de Cristo Redentor confiada à Igreja está ainda bem longe do seu pleno cumprimento. No termo do segundo milênio, após a Sua vinda, uma visão de conjunto da humanidade mostra que tal missão está ainda no começo, e que devemos empenhar-nos com todas as forças no seu serviço" (Redemptoris missio, 1).

O Santo Padre inicia com estas palavras a Encíclica Redemptoris missio; tais palavras nos oferecem uma surpreendente interpretação do tempo no qual vive a Igreja, definindo-o não como a idade da coroação ou do final da missão, mas do seu início. Podemos afirmar, após dois mil anos, que hoje (26 de novembro de 2003), a missão do Redentor ainda está no início? Trata-se, talvez, de uma forma retórica para reavivar uma atividade eclesial que em algum lugar está decrescendo?
Se percorrermos brevemente o intenso caminho que a Igreja fez nestes últimos decênios, na busca do descobrimento de sinais da Providência Divina na história, nos daremos conta de que estas palavras não foram escritas somente para enfeitar um texto, mas para descrever uma necessidade urgente.

1. O Concílio Vaticano II

Se nos colocarmos nessa perspectiva histórica, poderemos afirmar sem sombra de dúvida que "o Concílio Vaticano II constitui um acontecimento providencial... a resposta evangélica à recente evolução do mundo, com as tumultuosas experiências do século XX... o Concílio exortou à penitência e à conversão, ao apontar, com novo vigor, aos homens de hoje, Cristo, "o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo", o Redentor do homem, o Senhor da história".

O Espírito Santo, que anima e guia a Igreja em todos os tempos e que nos impele a uma maior fidelidade ao Evangelho, inspirou o Concílio Vaticano II a dar respostas concretas à evolução do mundo atual. As experiências trágicas do século XX e o "desgaste" que tais acontecimentos antigos e recentes causaram nas fibras mais robustas do homem contemporâneo:  perda da esperança, da memória e das heranças cristãs, o fenômeno do ateísmo, e ao relativismo moral, exigiam um novo anúncio de Jesus Cristo.

O Concílio Vaticano II, pelo seu caráter pastoral, representou um grandiosíssimo valor missionário, não só naqueles documentos que tratam de maneira particular da missão ad gentes. O Concílio descreve a Igreja como sendo "sacramento de salvação", sinal transparente e portador de Cristo para toda a humanidade (cf. Lumen gentium, 48; Ad gentes, 1). Esta idéia central, de profundo significado e transcendência missionária, da urgência, isto é, de uma evangelização universal, está bem evidente na Lumen gentium (cf. n. 1). A Igreja pode, dessa forma, apresentar-se como "estandarte erguido diante das nações" (Sacrosanctum concilium, 2), "manifestando e ao mesmo tempo operando o mistério de amor de Deus para com o homem" (Gaudium et spes, 45).

Foi o próprio Papa Paulo VI que na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi (cf. n. 2) apresenta uma interpretação radicalmente missionária do Concílio Vaticano:  "Cujos objetivos se resumem, em última análise, num só intento:  tornar a Igreja do século XX mais apta ainda para anunciar o Evangelho à humanidade do mesmo século XX". Na citada Exortação, documento que teve grande importância na reflexão da Igreja na América Latina, foram colocadas as bases da missão e da nova evangelização contemporânea, que por sua vez, foram os temas centrais dos vários Sínodos que a Igreja celebrou nesses decênios em nível geral e continental, nacional e diocesano (cf. Tertio millennio adveniente, 21).

No fascinante e, por vezes, dramático caminho da humanidade caracterizado, como dito anteriormente, por rápidas e gerais transformações, pela desestruturação das sociedades tradicionais, pelo fenômeno da secularização e pelo renascimento de um vago sentimento religioso, a Igreja toma consciência que, vivendo num "mundo novo" uma sociedade global , também encontra-se, de um certo modo, "num novo começo".

É um mundo que não goza, como no passado, de "fronteiras claras e bem definidas" onde outras culturas, experiências religiosas, antropologias e modelos de humanidade, convivem lado a lado com o cristianismo. Diante deste pluralismo, a fé cristã é uma voz entre as várias vozes. Além disso, em muitos areópagos modernos, encontra-se a nadar contra a corrente em relação ao modo de pensar comum da sociedade.

Esta nova etapa histórica do caminho da humanidade, exige dos cristãos uma fé adulta, espiritualmente madura, enraizada no seguir fielmente a Cristo e a sua Igreja, capaz de afrontar com audácia serena numerosos desafios (cf. Veritatis splendor, 88). Esta é uma situação que, em definitiva, acentua e traz claramente à luz a intrínseca dimensão missionária da fé.

2. O Pontificado de João Paulo II

O Pontificado de João Paulo II representa, neste novo contexto histórico, um acontecimento providencial. O seu Pontificado missionário. Como catequista itinerante "pus-me a caminho pelas estradas do mundo, "para anunciar o evangelho", para "confirmar os irmãos" na fé, para consolar a Igreja, para ir ao encontro do homem". O Papa os define "viagens de fé", que "são outras tantas ocasiões de catequese itinerante, de anúncio evangélico alargado a todas as latitudes, e de Magistério apostólico prolongado até aos hodiernos espaços planetários" (Redemptoris missio, 63).

João Paulo II, com o seu profundo e amplo Magistério e o seu extraordinário Ministério Pastoral, chama a todos os homens e a cada nação em particular a abrir com confiança as portas a Cristo, e nos ensina que a Igreja todos e cada um de nós , é chamada a anunciar o seu Nome, a propô-lo com alegria e sem medo a este "novo mundo".

João Paulo II soube colocar a missão da Igreja no centro deste novo contexto cultural da humanidade e enunciou magistralmente os seus princípios na Encíclica Redemptoris missio que, como eloqüentemente o subtítulo indica, deseja confirmar a permanente validade do mandato missionário.

Caros irmãos e irmãs, este documento não se limita a comemorar sic et simpliciter o XXV aniversário do Decreto missionário conciliar Ad gentes. A Encíclica é a magna charta da missão moderna. É um texto essencial para conhecer o caminho da Igreja após o Concílio Vaticano II e para compreender a consciência que a Igreja possui, por meio do seu Supremo Pastor, da sua missão evangelizadora no mundo atual. As finalidades da Encíclica estão claramente enunciadas já nas suas primeiras páginas: 

- renovar a Igreja a partir da missão, porque "é dando a fé que ela se fortalece" (Redemptoris missio, 2);

- reafirmar a evangelização como o "primeiro serviço que a Igreja pode dar a cada homem e a toda a humanidade no mundo atual";

- dissipar dúvidas sobre a missão ad gentes; confirmar na própria dedicação os muitos homens e mulheres que a ela se dedicam e aos que os ajudam; promover as vocações missionárias; dar novo impulso à missão propriamente dita, convidando as Igrejas particulares, especialmente aquelas ainda jovens, a pedir e receber missionários.

A intensa e ampla discussão missiológica pós-conciliar, não isenta de ambigüidades, suscitou no Papa o desejo de recordar à Igreja a urgência do mandato missionário, de precisar os seus aspectos doutrinais e de clarificar as suas modalidades de atuação, de indicar quem são os seus responsáveis e agentes,  e  de  que  modo  todos  os membros da Igreja são chamados a participar: 

- no centro da atividade missionária está o anúncio de Cristo, o conhecimento e a experiência do seu amor. Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens, o único Salvador do mundo, no qual a humanidade, a história e o cosmo encontram o seu sentido definitivo e se realizam totalmente (cf. nn. 4-11);

- entre as várias atividades conexas a missão existe uma hierarquia. Em virtude do mandato missionário, que a Igreja não pode eximir-se, pois privaria os homens da "boa nova da salvação", tudo deve ser direcionado ao anúncio de Jesus Cristo. O Diálogo inter-religioso, a promoção humana, a inculturação, estão ordenados ao testemunho e ao anúncio da fé, orientados a descobrir o mistério cristão e a plenitude da vida nova (cf. nn. 52-58);

A inculturação deve ser guiada por dois princípios:  "A compatibilidade com o Evangelho e a comunhão com a Igreja Universal" (cf. n. 54);

A Encíclica (cf. n. 33) também restabelece o equilíbrio conceitual e de conteúdo entre a propriamente dita missão ad gentes (que há como destinatários as populações que ainda não crêem em Cristo), a atenção pastoral, (que se dirige às comunidades cristas fervorosas na fé e possuem estruturas eclesiais adequadas e sólidas), e a "nova evangelização" (que se dirige aos países da antiga cristandade ou também aonde grupos inteiros de batizados perderam o sentido da fé).

Ao concluir o Ano jubilar, o Santo Padre quis reafirmar com vigor as motivações da Encíclica Redemptoris missio com a Carta Pastoral "Novo millennio ineunte", onde confirma com tom de alegre esperança que "a Igreja, portanto, não pode subtrair-se à atividade missionária junto dos povos, e permanece tarefa prioritária da missio ad gentes o anúncio de que é em Cristo, "Caminho, Verdade e Vida" (Jo 14, 6), que os homens encontram a salvação" (n. 56).

A palavra de ordem do Papa no início do III milenio é de retornar a Cristo, "contemplar a sua face com os olhos de Maria" (Rosarium Virginis Mariae, 3). Uma Igreja mais contemplativa, capaz, isto é, de assimilar vitalmente a beleza do Amor de Deus que se manifesta na pessoa de Cristo, será uma Igreja mais santa e, conseqüentemente, mais missionária. O Santo Padre volta a propor com força o inseparável binômio "santidade e missão". Indica na via da santidade o fundamento sobre o qual deve consolidar-se a programação pastoral de toda Igreja particular, e convida a todos os Pastores a propor com convicção esta "alta medida da vida crista ordinária" (Novo millennio ineunte, 31).

3. A Igreja na América   e a Missão ad gentes

João Paulo II sempre colocou a Igreja na América no centro do seu ministério pastoral. "O Continente da esperança", representa para o Santo Padre a comunidade católica que, no presente e no futuro da vida da Igreja, tem e terá uma função de enorme, decisiva e universal importância.
Para estar à altura desta responsabilidade, o Santo Padre chamou a Igreja a renovar a sua identidade crista por meio do programa de uma "nova evangelização", convocando-a, ao mesmo tempo, a comunicar a riqueza da própria fé para além das suas fronteiras.

O Papa repetiu esta chamada numa espécie de "crescendo", durante as suas viagens no Continente americano, naquela inesquecível peregrinação ao México em 1979, que iniciou as suas ininterruptas peregrinações missionárias por todo o mundo, até a mais recente visita a Montreal, México e Guatemala em 2002, na Jornada Mundial da Juventude e das canonizações de Frei Pedro de São José Betancur, de João Diego e da beatificação dos Mártires de São Francisco Cajonos.

Na conclusão da Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in America, o Santo Padre renovou este apelo, que eu definiria um "grito profético", chamando as Igrejas particulares na América "a estender este ímpeto evangelizador para além das fronteiras do seu Continente", pois "não podem reservar só para si mesmas as riquezas imensas do seu patrimônio cristão, devem levá-lo ao mundo inteiro e comunicá-lo a quantos ainda o ignoram" (n. 74).

O Continente americano, sobretudo a América Latina, é um Continente com maioria católica. Se a missão ad gentes é uma tarefa que diz respeito a todo cristão em virtude do seu batismo, esta vocação fundamental deve interpelar ainda mais as Igrejas particulares na América, como uma exigência essencial, constitutiva do seu próprio ser.

A história da evangelização da América estaria incompleta se limitada somente a nova evangelização do Continente. Entre a missão ad gentes e a nova evangelização existe, na realidade, uma íntima e indissolúvel relação, pois extrai a sua inspiração e apoio do compromisso com a missão universal (cf. Redemptoris missio, 1). Sem a missão ad gentes, as Igrejas particulares restariam sem uma abertura e um respiro universal; ainda que sejam territorialmente delimitadas, não o são espiritualmente. Pela própria natureza devem abrir-se a dimensão da catolicidade por meio da missão ad gentes (cf. Redemptoris missio, 34). Uma Igreja evangelizada chega a sua maturidade quando é autenticamente evangelizadora.

Esta é a lógica da catolicidade missionária como recordaram os Bispos latino-americanos em Puebla e "Santo Domingo" recomendações que foram agrupadas, prometidas e difundidas de modo capilar pelas Direções Nacionais das Pontifícias Obras Missionárias e pelo CELAM, por meio das atividades do seu Departamento das Missões.

Este foi o leitmotiv dos Congressos Missionários Latino-Americanos precedentes, e este Congresso absorve fielmente a abundante e rica herança. O Segundo Congresso Americano Missionário e é necessário recordar uma vez mais segue a tradição e a trajetória dos COMLAs. Estes encontros de caráter continental, apoiados desde o seu providencial começo pela Congregação para a Evangelização dos Povos, foram celebrados com evidentes frutos de fé e de generosidade missionária, em várias partes da geografia latino-americana.

4. O II Congresso   Americano Missionário

Em continuidade com o precedente I Congresso Americano Missionário e VI COMLA, celebrado alguns meses após a promulgação da Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in America  e seguido da feliz experiencia do Grande Jubileu 2000, a Igreja na América novamente coloca-se diante do ilimitado horizonte da Missao universal.

Caros irmãos e irmãs é chegada a "hora americana" da missão ad gentes. Trata-se de um momento e de uma hora também "cronológica"! Estamos falando do hoje e do agora! Estamos afirmando que a vida da Igreja na América, hoje, é a missão ad gentes!

Este é o momento de acolher com decisão, sem medo, este desafio. Os Pastores que souberem apostar na missão ad gentes, expressão dinâmica da caridade, que "partindo da comunhão dentro da Igreja abre-se, por sua natureza, ao serviço universal" (Novo millennio ineunte, 49), obterão como fruto imediato, uma profunda renovação das suas comunidades cristãs, um aumento da fé, um crescimento das vocações ao sacerdócio e a vida religiosa.

Uma pastoral fundamentada na animação missionária pode renovar profundamente a vida crista dos nossos fiéis. A missão ad gentes, de fato, "renova a Igreja, revigora a fé e a identidade crista, e dá um novo entusiasmo e novas motivaçoes" (Redemptoris missio, 2). Não é este o exemplo que nos dão as numerosas Igrejas particulares na América que estao doando a partir da sua pobreza e se encontram abençoadas por dons e copiosos frutos do Espírito? Como justamente indicou o Eminentíssimo Cardeal Rodolfo Quezada Toruno, na carta de convocação para o Congresso:  "Sabemos que as necessidades das nossas Igrejas são urgentes; no entanto, a urgência da missão universal ad gentes é ainda maior"; Charitas Christi urget nos (2 Cor 5, 14)!

Sim, caros irmãos e irmãs é urgente que a Igreja na América una as suas forças rumo a primeira evangelização, para implantar comunidades cristas entre os povos que não conhecem Cristo e que representam a maioria da humanidade.

O Continente Asiático merece uma especial atenção, onde vivem mais de 3 bilhões e 700 milhões de pessoas (60 % da população mundial), dos quais apenas 110 milhões (um simples 3% da população asiática) são católicos, sendo que a metade deste número está concentrada somente num país:  Filipinas.

Em numerosos países asiáticos, a Igreja está dando os primeiros passos. Há poucos meses estive na Mongólia (ex-República comunista, de 2 milhões e meio de habitantes, situada entre a Rússia e a China), para a consagração episcopal do primeiro Prefeito Apostólico de Ulan Bator, Dom Wenceslao Padilla, missionário de Scheut, filipino. A sua comunidade católica ainda não chega a 200 pessoas. É isso mesmo:  200, e não 2.000, nem 200.000! Igrejas particulares que nascem de modo simples, mas com um grande entusiasmo; Igrejas que necessitam de ajuda espiritual e material de toda a Igreja.

Tal responsabilidade para com a missão universal, caros irmãos e irmãs, já se nota em muitas Igrejas particulares na América, e deveria ser o "elemento fulcral, na pastoral ordinária" de todas as Igrejas:  do norte ao sul do Continente (cf. Redemptoris missio, 83).

Para atingir tal objetivo, é necessário que cada um de nós, cada uma das nossas comunidades renove a sua própria vida de fé, de modo que a atividade evangelizadora ad gentes seja o fruto do primado da graça e de uma vida de santidade. O despertar responsável da cooperação missionária "radica-se e concretiza-se, antes de mais, no estar pessoalmente unidos a Cristo:  só se estivermos unidos a Ele, como o ramo à videira (cf. Jo 15, 5), é que poderemos dar bons frutos. A santidade de vida possibilita a cada cristão ser fecundo na missão da Igreja" (RM, 77).

Existem numerosos sinais da ação santificadora do Espírito, sinais de esperança, que nos levam a entender que a vida da Igreja na América é hoje chamada a ser cada vez com mais convicção, a missão ad gentes: 

Os testemunhos de santidade, de doação incondicional ao anúncio do Evangelho, de numerosos filhos e filhas da Igreja na América;

A intensa atividade de animação missionária que as Pontifícias Obras Missionárias realizam a níveis nacional, regional e diocesano para a missão ad gentes. Algumas Obras, penso em particular a Pontifícia Obra da Infância Missionária, estão crescendo e desenvolvendo uma admirável atividade em todo o Continente;

O contínuo compromisso missionário de numerosas dioceses que, abençoadas pelo Senhor com um grande número de vocações e de meios, não hesitam em compartilhar com outras ainda mais necessitadas, seja dentro ou fora do País, ou também para além das fronteiras continentais;
O aumento em não poucas partes da América, de vocações sacerdotais, religiosas e de fiéis leigos (catequistas, jovens e famílias missionárias) dedicadas a evangelização e a missão;

O dinamismo missionário ad gentes dos movimentos eclesiais e das novas comunidades, muito presentes em toda a geografia eclesial americana;

Os Institutos e a Sociedade especificamente ad gentes, nascidos na América, e a fecunda atividade de animação missionária que realizam em favor desta mesma missão. O nascimento de diversos Seminários Diocesanos Missionários em vários países do continente americano.

Por outro lado, não faltam dificuldades que, de qualquer modo, freiam este impulso evangelizador e que existem importantes desafios para aqueles que devem afrontá-los. Recordamos apenas alguns desses desafios que estão muito próximos da realidade social e eclesial do Continente, especialmente da América Latina: 

- uma consciencia missionária ainda escassa. Em algumas partes ainda se sustenta, erroneamente, que o sacerdote secular é ordenado de modo exclusivo para a sua Igreja particular e que, por isso, não deve preocupar-se com a missão ad gentes, tarefa que diria respeito ao clero religioso. Nem mesmo faltam aqueles para quem está muito presente a idéia de que a pobreza econômica e de meios materiais daria o direito de definir-se como sendo "Igrejas missionárias passivas", que devem somente ser ajudados;

-a proliferação de numerosas seitas. Só uma renovada presença e um novo impulso missionário da Igreja, especialmente nos setores mais expostos a esta influência, pode ajudar a aprofundar ou a plantar as raízes da tradição católica. Este desafio exige que "a Igreja seja sempre mais comunitária e participativa, feita de comunidades eclesiais que façam da paróquia uma comunidade de comunidades";

- a manipulação da parte de certas "ideologias" do mundo indígena, para uma visão arcaica e utópica das etnias ameríndias. Em alguns casos, pretender-se-ia "re-instaurar" as antigas religiões, contrapondo-as polemicamente à Igreja Católica, cuja fé é professada pela maioria desses povos com uma fé profunda, simples e sincera. A Igreja "deve dedicar uma especial atenção àquelas comunidades étnicas que são, ainda hoje, objeto de injustas discriminações" (cf. Ecclesia in America, 64);

- a necessidade de uma maior comunhão entre o sul e o norte do Continente. Uma maior solidariedade entre todas as nações da América (cf. Ecclesia in America, 2), sustentada e favorecida pela Igreja, contribuirá não somente r unidade espiritual do continente americano, mas também a dar uma resposta aos desafios e aos problemas atuais entre o "norte e o sul do mundo".

Conclusão

Caros irmãos e irmãs sigam em frente com esperança! Vivamos e atuemos como missionários, sentindo-nos responsáveis pela construção da Igreja do Terceiro Milênio!

O II Congresso Americano Missionário, ao fazer presente o mandato de Cristo a todas as Igrejas particulares do Continente, nos convida uma vez mais a colocarmo-nos em caminho:  "Ide pois; de todas as nações fazei discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28, 19).

É o mesmo mandato missionário que nos introduz no terceiro milênio, convidando-nos a ter o mesmo entusiasmo dos cristãos da primeira hora; podemos contar com a força do mesmo Espírito que foi derramado no Pentecostes e nos impele hoje a partir de novo sustentados pela esperança que "não nos deixa confundidos (Rm 5, 5)" (cf. Novo millennio ineunte, 58). Contamos também com a potente intercessão dos santos e das santas da América.

Recomendemos os frutos do nosso II Congresso Americano Missionário à proteção materna de Nossa Senhora de Guadalupe, Rainha de toda a América, Rainha dos Apóstolos. Que a Virgem, que recebeu todos os homens e mulheres como filhos seus, interceda pela Igreja que está na América, para que seja portadora do anúncio de salvação a todos aqueles que ainda não conhecem o Amor e a misericórdia divina. Igreja da América, tua vida é Missão!


NOTAS

1) O Santo Padre João Paulo II nos enriqueceu com a Exortação pós-sinodal Ecclesia in America, chave evangelizadora de todo o continente que começa a gerar frutos de comunhão e solidariedade na integração de "uma Igreja, em uma América", cf. Secretaria Geral do CELAM, Plano Global 2003-2007, Bogotá 2003, 9.

 2) Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, 18-19; cf. Redemptoris missio, 1; "Concluído o Jubileu, sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX:  nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa" (Novo millennio ineunte, 57).

 3) O Papa Joao XXIII convoca o Concílio com essas palavras, que manifestam a sua finalidade global:  "A Igreja assiste, hoje, à grave crise da sociedade. Enquanto para a humanidade surge uma era nova, obrigações de uma gravidade e amplitude imensas pesam sobre a Igreja, como nas épocas mais trágicas da sua história. Trata-se, na verdade, de pôr em contacto com as energias vivificadoras e perenes do evangelho o mundo moderno" (Constituição Apostólica Humanae salutis, 1962, n. 3).

 4) "A Carta Apostólica Evangelii Nuntiandi deu a chave para uma leitura sintética do Vaticano II; empreendeu um discernimento da primeira fase do pós-Concílio e indicou um caminho e um programa para a vida e a missão da Igreja. Priorizou sua missão evangelizadora, ressaltou a sua multidimensionalidade para evitar todo e qualquer tipo de redução, superou a falsa antinomia entre o recuo de identidade absoluto e a abertura ao mundo como dissolução... reenviou às sorgentes da santidade, da caridade e da unidade da Igreja... o seu maior fruto foi a Conferência de Puebla", G.M. CARRIQUIRY LECOUR, Una scomessa per la America Latina (Um desafio para a América Latina), Florença 2003, pág. 233.

 5) O fenômeno da globalização é a integração mais estreita de todos os países e nações do mundo, produzida pela enorme redução dos custos de transporte e comunicação, e pela queda das barreiras artificiais que impedem o rendimento dos bens, serviços, noções, e em maior grau pessoas por meio de fronteiras. Cf. Secretaria Geral do CELAM, Plano Global 2003-2007, Bogotá 2003, 27-28.

 6) J. ESQUERDA BIFET, Teología de la Evangelización, Madrid 1995, 70-75; M. ZAGO, Gli ambiti della missione ad gentes (AA.VV.), Cristo, Chiesa, Missione, Roma 1992, 167-185.
 7) "A ação missionária junto das nações e grupos humanos ainda não evangelizados, continua a ser necessária, particularmente em algumas áreas do mundo e em determinados contextos culturais. Analisando bem, a missão ad gentes se torna nestes anos muito necessária", Joao Paulo II, aos participantes do simpósio por ocasião do X Aniversário da Redemptoris missio, 20 de janeiro de 2001; L'Osservatore Romano, 21 de janeiro de 2001, pág. 5.

 8) "Na alvorada do novo milénio, quis ressaltar exatamente este aspecto da santidade de vida como ponto cardeal de todo projeto apostólico, que deve haver o seu centro e o seu ponto de partida em Cristo que se deve conhecer, amar e imitar", João Paulo II, aos Bispos do Paraguai em visita "ad limina Apostolorum", 07 de abril de 2001.

 9) R. BALLAN, El valor de salir, Lima 1990, 29-78

10) J. LÓPEZ - GAY, "Il rapporto tra la nuova evangelizzazione e la missione ad gentes secondo l'enciclica Redemptoris missio", Seminarium I (1991) 91-105.

11) "Finalmente, chegou para a América Latina a hora de intensificar os mútuos serviços entre as Igrejas Particulares, e de projetar-se para além das próprias fronteiras, ad gentes. É verdade que nós temos necessidade de missionários, no entanto, temos que dar a nossa pobreza". Cf. III Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano, "Puebla", n. 368.

12) "Podemos dizer, com satisfação, que o desafio da missão ad gentes proposta por Puebla foi assumida a partir da nossa pobreza, compartilhando a riqueza da nossa fé, com a qual o Senhor nos abençoou. Reconhecemos, entretanto, que a consciência missionária ad gentes ainda é insuficiente ou fraca", IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, "Santo Domingo", n. 125.

13) Conselho Episcopal Latino-Americano, Departamento das Missões, Dar da nossa pobreza, Bogotá 1987.

14) Ainda que a Encíclica Redemptoris missio tenha sido citada somente uma vez na Exortação pós-sinodal Ecclesia in America, podemos dizer que a validade permanente da missão ad gentes e a sua urgente aplicação, em e a partir da América, encontra a justa ressonância no n. 74 da Exortaçao.

15) VI Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, "Santo Domingo", n. 142.

16) G.M. CARRIQUIRY LECOUR, op. cit., pp. 195-197.

 

 

 

 

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