The Holy See
back up
Search
riga

HOMILIA DO CARDEAL JOSEPH RATZINGER
 NA RECORDAÇÃO DO 26° ANIVERSÁRIO DA MORTE
 DO PAPA PAULO VI E DO PAPA JOÃO PAULO I

Terça-feira, 28 de Setembro de 2004

 

 
Estimados Irmãos e Irmãs

A Liturgia oferece-nos a oração da colecta e, na oração após a comunhão, uma interpretação do ministério petrino, que se apresenta também como um retrato espiritual dos dois Papas Paulo VI e João Paulo I, em sufrágio de quem celebramos esta Missa. A colecta diz que os Papas, "no amor de Cristo... presidiram à tua Igreja", e na oração após a comunhão reza-se para que o Senhor conceda aos Sumos Pontífices, seus servos, "entrar... na plena posse da verdade em que, com coragem apostólica, confirmaram os seus irmãos". Deste modo, o amor e a verdade apresentam-se como os dois pólos da missão que foi confiada aos sucessores de São Pedro.

Presidir à Igreja no amor de Cristo quem é que deixaria de pensar, no contexto destas palavras, na carta de Santo Inácio à Igreja de Roma, à qual o santo mártir, que veio de Antioquia, reconhece o primado de São Pedro, a "presidência no amor"; a sua carta continua, dizendo que a Igreja de Roma "está na lei de Cristo"; aqui, ele refere-se às palavras de São Paulo na carta aos Gálatas: "Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo" (6, 2). Presidir na caridade significa sobretudo presidir "no amor de Cristo". Nesta altura, recordamo-nos do facto de que a conferência definitiva do Primado a Pedro, depois da ressurreição, está ligado à pergunta, que o Senhor repetiu três vezes: "Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?" (Jo 21, 15ss.). Apascentar a grei de Cristo e amar o Senhor é a mesma coisa. É o amor de Cristo que guia as ovelhas pelo caminho recto e edifica a Igreja. Assim, não podemos deixar de pensar no grande discurso com que Paulo VI inaugurou a segunda sessão do Concílio Vaticano II. "Te, Christe solum novimus", foram as palavras determinantes desse sermão. O Papa falou do mosaico de São Paulo fora dos Muros, com a grandiosa figura do Pantocrator, com o Papa Honório III prostrado aos seus pés, pequeno de estatura e quase insignificante diante da grandeza de Cristo. Depois, o Papa continuou: "Esta cena repete-se aqui, com plena realidade, na nossa assembleia". Esta foi a sua visão do Concílio, e também a sua visão do primado: todos nós, aos pés de Cristo, para sermos servos de Cristo, para servirmos o Evangelho: a essência do cristianismo é Cristo não uma doutrina, mas uma pessoa, e evangelizar significa orientar para a amizade com Cristo na comunhão de amor com o Senhor, que é a verdadeira luz da nossa vida.

Presidir na caridade significa repetimo-lo preceder no amor de Cristo. Mas o amor de Cristo implica o conhecimento de Cristo a fé e comporta a participação no amor de Cristo: carregar os pesos uns dos outros, como afirmou São Paulo. Na sua essência íntima, o Primado não é um exercício de poder, mas é "carregar os pesos dos outros", é responsabilidade do amor. O amor é precisamente o contrário da indiferença em relação ao próximo, não pode admitir que no outro se apague o amor de Cristo, que a amizade e o conhecimento do Senhor se atenuem, que "os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufoquem a palavra" (cf. Mt 13, 22). E finalmente: o amor de Cristo é o amor pelos pobres, pelas pessoas que sofrem. Sabemos muito bem, como os nossos Papas se comprometeram vigorosamente contra a injustiça, em prol dos direitos dos oprimidos, das pessoas sem poder: o amor de Cristo não é algo individualista, exclusivamente espiritual, mas refere-se também à carne, diz respeito ao mundo e deve transformar o mundo.

Em última análise, presidir na caridade refere-se à Eucaristia, que é a presença real do amor encarnado, presença do Corpo de Cristo oferecido por nós. A Eucaristia cria a Igreja, cria esta grandiosa rede de comunhão, que é o Corpo de Cristo, e deste modo cria a caridade. É neste espírito que celebramos, juntamente com os vivos e com os defuntos, a Santa Missa sacrifício de Cristo, de Quem brota a dádiva da caridade.

Sem a verdade, o amor seria cego. E por isso, aquele que deve preceder no amor, recebe do Senhor a promessa: "Simão, Simão... roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça" (Lc 22, 31-32). O Senhor observa que Satanás procura "joeirar-vos como trigo" (cf. Lc 22, 31). Enquanto esta prova diz respeito a todos os discípulos, Cristo roga de maneira especial "por ti" pela fé de Pedro; e é nesta oração que se fundamenta a missão: "Confirma os teus irmãos". A fé de Pedro não deriva das suas próprias forças a indefectibilidade da fé de Pedro baseia-se na oração de Jesus, Filho de Deus: "Roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça". Esta prece de Jesus constitui o fundamento seguro do múnus de Pedro por todos os séculos, e a oração após a comunhão pode justamente dizer que os Sumos Pontífices Paulo VI e João Paulo I confirmaram os seus irmãos "com coragem apostólica": num período em que observamos como Satanás "joeira como trigo" os discípulos de Cristo, a fé inabalável dos Papas foi visivelmente a rocha sobre a qual se encontra a Igreja.

"Sei que o meu Redentor está vivo", diz o texto de Job na primeira leitura da nossa Liturgia di-lo num momento de extrema provação; di-lo quando Deus se esconde e parece ser o seu adversário. Coberto com o véu do sofrimento, sem conhecer o seu nome e o seu rosto, Job "sabe" que o seu Redentor está vivo, e esta certeza é a sua grande consolação nas trevas da prova. Jesus Cristo tirou o véu que, para Job, cobria o rosto de Deus: sim, o nosso Redentor está vivo, e "nós todos que, com o rosto descoberto, reflectimos a glória do Senhor, somos transfigurados na sua própria imagem, de glória em glória, pelo Senhor que é Espírito", afirma São Paulo (2 Cor 3, 18). O nosso Redentor está vivo tem um rosto e um nome: Jesus Cristo. Os nossos "olhos contemplá-lo-ão" recebemos esta certeza dos nossos Papas defuntos, que assim nos orientam "rumo à plena posse da verdade", confirmando-nos na fé do nosso Redentor.

Amém!

 

top