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 Pontifical Council for the Pastoral Care of Migrants and Itinerant People

People on the Move

N° 97, April 2005

 

 

Linhas de orientação para a Pastoral migratória à luz da instrução

erga migrantes caritas Christi*

 

Cardeal Stephen Fumio HAMAO

Presidente do Pontifício Conselho 

da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes

 

No dia 14 de maio passado, depois de dois anos e meio de trabalho do nosso Pontifício Conselho, foi oficializada a nova Instrução sobre a Pastoral dos migrantes e refugiados, passados trinta anos sobre o último documento da Santa Sé: o Motu proprio de Paulo VI Pastoralis migratorum cura, e a respectiva Instrução da Sagrada Congregação para os Bispos De pastorali migratorum cura.

As migrações constituem o maior movimento de pessoas de todos os tempos. Nestas últimas décadas este fenômeno, que envolve atualmente mais de 175 milhões de pessoas, transformou-se num acontecimento estrutural da sociedade contemporânea, e constitui um problema cada vez mais complexo do ponto de vista social, cultural, político, religioso, econômico e pastoral.

A nova Instrução pretende ser uma resposta eclesial às novas necessidades pastorais dos migrantes, a fim de os conduzir, a que, por sua vez, eles transformem a experiência migratória em ocasião não só de crescimento na vida cristã mas também de nova evangelização e missão. O Documento tende, outrossim, a uma exata aplicação da legislação contida não só no Código de Direito Canônico latino mas também naquele oriental, para responder, de modo mais adequado, às particulares exigências daqueles fiéis emigrantes orientais hoje cada vez mais numerosos.

A composição das migrações atuais impõe também a necessidade de uma visão ecumênica deste fenômeno, por causa da presença de muitos migrantes cristãos não em plena comunhão com a Igreja Católica, e do diálogo inter-religioso, pelo número cada vez mais consistente de migrantes de outras religiões, em particular daquela muçulmana. Uma exigência de grande qualidade pastoral se impõe enfim, para todos os católicos chamados a promover uma ação pastoral fiel à tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, aberta a novos desenvolvimentos no que diz respeito às estruturas pastorais, que devem ser adequadas, a fim de garantir a comunhão entre Agentes de pastoral específicos e a Hierarquia local, a qual permanece a instância decisiva da solicitude eclesial para com os migrantes e tem a primeira responsabilidade.

O Documento, depois de uma rápida resenha de algumas causas do atual fenômeno migratório (o evento da globalização, a transição demográfica em curso, sobretudo nos países de primeira industrialização, o crescimento das desigualdades entre o Norte e o Sul do mundo, a proliferação de conflitos e guerras civis) sublinha os fortes abalos que geralmente a emigração causa nas famílias e nos indivíduos, em particular, nas mulheres e nas crianças. Este fenômeno suscita o problema ético da busca de uma nova ordem econômica internacional para uma distribuição mais eqüitativa dos bens da terra, na perspectiva da comunidade internacional como família de povos, com aplicação do Direito Internacional. A Instrução traça, pois, um precioso quadro de referência bíblico-teológico, inserindo o fenômeno migratório na história da salvação, como sinal dos tempos e da presença de Deus na história e na comunidade dos homens, em vista de uma comunhão universal.

Com um sintético excursos histórico a instrução entende demonstrar a solicitude da Igreja para com o Migrante e o Refugiado nos documentos eclesiais: da Exsul Familia ao Concílio Ecumênico Vaticano II, à Instrução De Pastorali migratorum cura, e à normativa canônica que se segue. Esta leitura revela importantes aquisições teológicas e pastorais como a centralidade da pessoa e a defesa dos direitos do migrante, a dimensão eclesial e missionária das próprias migrações, a contribuição pastoral dos Leigos, dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica, o valor das estruturas na obra de evangelização, a tutela e a valorização das minorias, também no interior da Igreja local, a importância do diálogo intra e extra eclesial, e, enfim, a específica contribuição que a migração poderá oferecer à paz universal.

Outras dimensões – como a necessidade da “inculturação” da mensagem cristã, a visão de Igreja como comunhão, missão e Povo de Deus, a sempre atual importância de uma pastoral específica para os migrantes, o empenhamento dialógico-missionário de todos os membros do Corpo místico de Cristo e o conseqüente dever de uma cultura de acolhida e de solidariedade para com os migrantes – introduzem a análise das exigências pastorais específicas às quais responder, quer sejam dos migrantes católicos (de rito latino ou de rito oriental), quer sejam dos que pertencem a outras Igrejas e Comunidades eclesiais, a outras religiões em geral, e ao Islã em especial.

É pois ulteriormente definida e destacada a configuração, pastoral e jurídica, dos Agentes de pastoral – em particular dos Capelães/Missionários e do seu Delegado (Coordenador) nacional, dos Presbíteros diocesanos/eparquiais, dos religiosos, dos irmãos coadjutores e das Religiosas, dos Leigos, das Associações e dos Movimentos eclesiais – cujo compromisso apostólico é visto e considerado na visão de uma pastoral de comunhão.

A integração das estruturas pastorais (adquiridas e em perspectiva) e a inserção eclesial dos migrantes na pastoral ordinária – com pleno respeito pela sua legítima diversidade e patrimônio espiritual e cultural, em vista, também da formação de uma Igreja verdadeiramente católica – é uma outra importante característica que o Documento entende destacar e propor às Igrejas particulares. Essa integração é condição essencial para que a pastoral, para e com os migrantes, possa tornar-se expressão significativa da Igreja universal e “missio ad gentes”, encontro fraterno e pacífico, casa de todos, escola de comunhão reconhecida e participada, de reconciliação pedida e dada, de mútua e fraterna acolhida e solidariedade, assim como também de autêntica promoção humana e cristã.

Atualizadas e pontuais “Ordenações jurídico-pastorais” concluem a Instrução, recordando deveres, incumbências e papéis dos Agentes de pastoral e dos vários Organismos eclesiais, que se dedicam à pastoral migratória, com o objetivo de torná-la mais adequada possível às atuais exigências dos migrantes, e às previsíveis perspectivas futuras.

Portanto, o documento liga-se de forma ideal à Exsul Familia,cujo qüinquagésimo aniversário celebramos há dois anos, e da qual sublinha a continuidade de inspiração, que ao mesmo tempo está aberto às novas perspectivas que o fenômeno migratório nos indica hoje. Portanto, a Igreja encontra-se continuamente empenhada a atualizar os instrumentos de análise e de programações pastorais.

Com certeza, há cinqüenta anos atrás não tinham ainda entrado nas nossas casas as imagens de prófugos, de exilados e deportados de guerra – nos Bálcãs, em Angola ou em Moçambique –, nem das Â“embarcações marítimas” super lotadas de clandestinos albaneses, curdos e africanos. Os nossos televisores não nos tinham mostrado ainda os rostos de milhares de seres humanos perdidos, desfalecidos e famintos à procura de um lugar de trabalho, de segurança, de um futuro para si e para a própria família. Ainda não tinham aparecido aquelas cenas de violência e de morte, aqueles semblantes aterrorizados de tantos nossos irmãos, as devastações dos seus corpos, e a desolação das suas aldeias destruídas pela violência e pela vingança.

Aqueles estrangeiros, feridos, oprimidos e desesperados não desembarcavam ainda nas nossas costas marítimas quando, há cem anos atrás, muitos europeus atravessavam o oceano à procura de trabalho e de um futuro melhor. A Igreja, já então estava ali presente com estes migrantes para prestar os primeiros socorros aos feridos, para matar a fome de pequenos e grandes, para dar uma alojamento ou um abrigo – por humilde e precário que ele fosse – e assumir, sobretudo, o dever de abrir um caminho que aumentasse o olhar acolhedor de todos, principalmente dos cristãos.

A história continua, todavia entre estes velhos e novos dramas. E a Igreja está sempre ali, ao lado dos velhos e novos migrantes. O Documento “Erga migrantes caritas Christi” quer mostrar ainda uma vez mais, a todos os cristãos, o exemplo do Bom Samaritano que há dois mil anos deu a sua vida pelo homem.

 
* Intervenção ao encontro de trabalho com a Comissão Episcopal e as direções Nacionais das Obras Pastorais da Mobilidade Humana por ocasião da XXXII Semana Nacional das Migrações em Portugal – Fátima, 13 de maio de 2004

 

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