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 Pontifical Council for the Pastoral Care of Migrants and Itinerant People

People on the Move

N° 107 (Suppl.), August 2008

 

 

R. P. Virgílio do Nascimento Antunes

SEPE (Serviço de Peregrinos do Santuário de Fátima)

Portugal 

1. Reconciliação, no centro da fé cristã

Segundo a narração evangélica de Mateus e de Marcos, Jesus iniciou o anúncio da Boa Nova com um forte apelo à penitência e à conversão: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15).

Na vida pública de Jesus sucedem-se os momentos de perdão dos pecados como meio de reencontro entre Deus e o homem; a Sua morte tem como finalidade a remissão dos pecados do género humano e a missão que confere aos Seus discípulos e à Sua Igreja, centra-se nesta fundamental realidade: o homem é pecador e precisa do perdão de Deus, como caminho e meio de salvação.

Todo o Evangelho é, pois, um convite à conversão, pelo arrependimento e pela mudança de vida, um convite ao encontro com a misericórdia de Deus.

A própria Igreja, no seguimento do mandato do Senhor, assume este grande encargo, como recordou João Paulo II na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Reconciliatio et Paenitentia: “Suscitar no coração do homem a conversão e a penitência e proporcionar-lhe o dom da reconciliação é a missão conatural da Igreja, como continuadora da obra redentora do seu divino Fundador” (João Paulo II,  Reconciliatio et Paenitentia, 1984, 23).

Não admira, por isso, que os santuários, iniciativas divinas em favor dos homens, actualizem para cada tempo e nas diferentes circunstâncias históricas, a mesma mensagem central do Evangelho e a mesma missão da Igreja: reconciliar os homens com Deus e uns com os outros.

A reconciliação é sempre uma iniciativa divina, pois o Pai, rico em misericórdia, nunca fecha o coração a nenhum dos seus filhos. Por meio de Jesus Cristo, nossa reconciliação e nossa paz (cf. Ef 2, 14), somos reconciliados com Deus e podemos reconciliar-nos com os nossos irmãos.

A Igreja assume este ministério e através do seu poder sacramental proclama e realiza a reconciliação dos homens entre si e com Deus. 

2. Dimensão penitencial da mensagem de Fátima

A partir da consciência deste ministério da reconciliação assumida pela Igreja e das revelações da mensagem de Nossa Senhora brotam as inspirações pastorais de Fátima.

Nas suas aparições em Fátima, Nossa Senhora dirigiu um veemente convite à conversão, aceitando que todo o ministério da reconciliação cabe à Igreja, que actua a força reconciliadora de Jesus Cristo.

O termo conversão é fundamental dentro do vocabulário cristão, pois é a resposta do homem à proposta de redenção operada por Deus, em Jesus Cristo. O homem pode aderir ao projecto de amor e deixar-se introduzir no mistério do amor de Deus, que o chama a viver com Ele. Ao decidir-se a abandonar o pecado manifesta o seu desejo de viver em comunhão com Deus, anseio central do seu coração.

Dentro desta linha evangélica, na mensagem de Fátima, o pecado é a realidade mais dramática que levará o mundo à perdição. Nesse sentido percebemos que Nossa Senhora apareça a fazer a mais séria denúncia do pecado no mundo, um pecado que atinge uma escala universal e uns contornos absolutamente catastróficos no séc. XX, horizonte imediato da mensagem. Como dimensões importantes do pecado aparece a guerra que grassava na Europa, a incredulidade e o ateísmo que estavam a ser sistematicamente propagados, as ofensas à glória de Deus obscurecida pela afirmação exclusiva do homem.

Aos videntes parece claro que o pecado é a causa das grandes desgraças da humanidade, como fica patente na visão do inferno, reveladora das terríveis consequências a que a humanidade fica sujeita se não se converte a Deus e não muda de vida.

O apelo à conversão é, por isso, central na mensagem de Fátima. Trata-se da conversão pessoal, da possibilidade de participar na conversão dos outros e da consciência de que a Igreja possui um ministério da reconciliação do género humano.

Para os Pastorinhos de Fátima é importante saber que toda a Igreja pode participar no mistério da salvação do mundo, unindo-se ao sacrifício de Jesus Cristo. Esta convicção leva as crianças a duas atitudes: a aceitar o sofrimento não merecido, pela salvação do mundo e pela conversão dos pecadores; e a louvar a Deus, Santíssima Trindade com as suas orações.

O pedido do sofrimento voluntário é formulado por Nossa Senhora quando pergunta: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?” O pedido da oração é formulado por outras palavras: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o Inferno por não haver quem reze e se sacrifique por elas”.

A resposta dos Pastorinhos, dentro da linha da tradição da ascese cristã, é dos aspectos mais grandiosos da mensagem de Fátima, pois aponta para a união a Cristo na Cruz, como caminho para a conversão dos pecadores. A pequena Jacinta deixou a expressão maior da sua disponibilidade, na sua oração, que precede e acompanha os seus momentos de sacrifício ou de glorificação de Deus: “Ó meu Jesus é por vosso amor, pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre e em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”. 

3. Santuários, apelo à reconciliação

No Santuário de Fátima, na fidelidade à mensagem de Nossa Senhora, a primeira concretização desta missão da Igreja está no acolhimento aos peregrinos. De facto, toda a peregrinação é sempre um “pôr-se a caminho” em busca de um encontro e de uma maior intimidade com Deus. Todo o peregrino é um “filho pródigo”, consciente do seu pecado, de volta aos braços misericordiosos do Pai.

Toda a peregrinação é, de algum modo, por vezes inconscientemente, um caminho espiritual de conversão e de mudança de vida; todo o peregrino leva no íntimo um dinamismo interior que nasce do Espírito de Deus, o leva a sair de si e a fazer estrada para o Outro.

Cada Santuário tem algo de específico enquanto mensagem, modo de sentir e acolher, que deve constituir um veículo de difusão da graça própria do lugar. As mensagens de grande parte dos santuários tocam-se pelo facto de terem uma grande ligação a Nossa Senhora ou por fazerem referências explícitas ou implícitas ao Evangelho. Há, no entanto, algo de objectivo que caracteriza cada um dos santuários e há também um conjunto de referências subjectivas, comunitárias ou individuais que marcam o lugar e a relação com ele.

Em primeiro lugar, o Santuário abre o peregrino à reconciliação quando proclama de novo para ele o apelo de Nossa Senhora à conversão, dentro do contexto do Evangelho que se escuta e da liturgia que se celebra. Com efeito, a quase totalidade dos peregrinos participa em algum acto litúrgico ou em alguma acção comunitária de piedade cristã, onde tem possibilidade de escutar a palavra do Evangelho e de a ver comentada e actualizada em ligação com a revelação privada do lugar.

Em segundo lugar, o Santuário como lugar de realização de inúmeros retiros espirituais, acções de formação catequética e teológica, peregrinações individuais ou familiares e peregrinações de grandes multidões, dá a dimensão reconciliadora a todas as actividades que ali se realizam. Considera que esse é factor unificador de tudo o que tem a responsabilidade de proporcionar aos peregrinos, na fidelidade aos desígnios de Deus de que se sente intermediário.

Em terceiro lugar, a pastoral da reconciliação tem o seu ponto alto na celebração do sacramento da Penitência, expressão do poder reconciliador da Igreja. Este é para muitos cristãos que o celebram frequentemente, mas também para muitos outros que o abandonaram durante longos períodos ou durante toda uma vida, o maior momento de graça que experimentam. São inúmeros os testemunhos que se ouvem a este respeito e pressente-se que muitíssimos outros ficam guardados para sempre no santuário silencioso das consciências.

Em quarto lugar, o Santuário, enquanto lugar privilegiado de oração litúrgica e pessoal, facilita a comunhão com Deus, origem de toda o movimento de conversão e reconciliação. Particularmente a oração de adoração eucarística e trinitária possibilita as condições essenciais de conversão. A oração do Rosário, insistentemente pedida como caminho para a paz pessoal e comunitária, leva ao encontro com o Pai, amparados pela mediação materna de Maria, a Mãe de Misericórdia.

Em quinto lugar, o sacrifício reparador dos próprios pecados e dos pecados dos irmãos é um aspecto central na mensagem de Fátima. As penitências que os penitentes impõem a si mesmos, as longas caminhadas a pé, os pequenos sacrifícios quotidianos pelos “pobres pecadores”, conferem a toda a peregrinação um cariz penitencial e um exercício de reconhecimento dos pecados e de busca do remédio espiritual correspondente.

Em sexto lugar, o Santuário é lugar de confissão da fé católica, que implica o reconhecimento do ser humano como criatura e de Deus como Criador, o reconhecimento do pecado do homem face à santidade de Deus. 

4. Diferentes tipos de peregrinação

Grandes peregrinações

A vida dos santuários é marcada por ritmos diversos, consoante nos encontramos no período das grandes festas, e das datas relevantes ou no correr do ritmo comum. Também as propostas de celebração da Reconciliação variam consoante esse ritmo de afluência.

Nos dias das grandes peregrinações, de Maio a Outubro, realizam-se celebrações penitenciais comunitárias, com a duração de cerca de meia hora, segundo o habitual esquema do Ritual do Sacramento da Reconciliação. A seguir, os penitentes dirigem-se para o local onde se encontram os sacerdotes a fim de fazerem a confissão individual dos pecados e receberem a absolvição.

Nas grandes peregrinações chegam a celebrar o Sacramento da Reconciliação alguns milhares de pessoas. O facto de haver um horário alargado – entre as 6h30 e as 23h00 – bem como um grande número de sacerdotes, facilita e estimula muitos que, por vezes, não tinham pensado em fazê-lo.

Grupos organizados

Muitos grupos de peregrinos estrangeiros, particularmente italianos e espanhóis que são acompanhados por um ou mais sacerdotes, prevêem no seu programa uma celebração penitencial numa das capelas do santuário, deixando o momento da confissão e absolvição individuais ao critério de cada pessoa que, muitas vezes, se dirigem à Capela da Reconciliação do Santuário.

A quase totalidade das peregrinações portuguesas, de movimentos eclesiais, paróquias ou dioceses, prevê celebrações penitenciais no Santuário. Convidam um número de sacerdotes que permita acolher todos os interessados na confissão sacramental ou enviam-nos, depois da celebração penitencial comunitária, à Capela da Reconciliação.

Praticamente todos os retiros espirituais, tanto de clero, como de religiosos ou de leigos, inserem no seu programa uma celebração penitencial.

Peregrinos individuais

Grande parte dos peregrinos que chegam a Fátima não vão inseridos em nenhum grupo organizado, mas peregrinam individualmente ou em família. Não dispõem, por isso, dos benefícios próprios de um grupo organizado, com um dinamizador espiritual, sacerdote ou leigo. Muitas vezes, trazem da mesma forma, quando não mais ainda, o desejo de silêncio, de encontro com Deus e de reconciliação.

Muitos peregrinos, por vezes habitualmente não praticantes, chegam em busca da paz da consciência perdida há muito tempo. A envolvência sagrada do santuário e o anonimato possível, permitem a criação das condições necessárias para o encontro reconciliador com a consciência e com Deus. A estes basta proporcionar as condições de silêncio, tranquilidade e paz que permitam a actuação da graça própria do lugar.

A Via-Sacra

O exercício da Via-Sacra, que faz parte integrante da maior parte das peregrinações ao Santuário de Fátima, oferece uma notável forma de preparação para o Sacramento da Reconciliação.

No Caminho dos Pastorinhos, ou nas colinas que conduzem ao Santuário dos quatro pontos cardiais, todos os que peregrinam a pé meditam nas dores de Cristo e contemplam o Seu caminho para o Calvário. Desse modo tomam consciência do seu pecado e da misericórdia de Deus, preparam-se para a celebração do Sacramento da Penitência que lhes será proposta.

Os Cinco Primeiros Sábados

Importante no itinerário penitencial proposto por Fátima é a Devoção dos Cinco Primeiros Sábados, revelada à Irmã Lúcia nas visões de 1925, 1927 e 1930. Dos seus quatro requisitos faz parte a confissão sacramental no primeiro sábado de cada mês, como meio de reparação dos pecados contra o Coração Imaculado de Maria e como parte de um itinerário de conversão de vida.

Muitos milhares de peregrinos encontram na vivência desta devoção uma óptima forma de preparação da celebração do Sacramento da Penitência no contexto da sua peregrinação mensal ao Santuário de Fátima. 

5. Alguns dados estatísticos

O Santuário de Fátima possui actualmente uma Capela da Reconciliação equipada com vinte e dois confessionários, dez para os peregrinos de língua Portuguesa e 12 para os de língua estrangeira.

Ao longo de todo o ano o Santuário oferece a possibilidade de atendimento no sacramento da reconciliação em sete línguas: Português, Espanhol, Italiano, Francês, Inglês, Alemão e Polaco.

Esta Capela da Reconciliação está aberta todos os dias das 7h30 às 13h00 e das 14h00 às 19h30. Aos sábados e domingos está aberta ininterruptamente da 7h30 às 19h30. Há sempre quatro ou cinco sacerdotes disponíveis, nas horas menos frequentadas, chegando-se muitas vezes a uma ocupação total, ou seja, 22 sacerdotes.

A afluência de penitentes é maior nos “períodos litúrgicos fortes”, aos fins de semana e nos primeiros sábados de cada mês. Nos meses de Verão, particularmente em Agosto, aumenta muito o número de penitentes de língua estrangeira.

O número de penitentes tem continuado a aumentar nos últimos anos e o Santuário tem acolhido este aumento de procura, respondendo com a disponibilização de mais sacerdotes. O Santuário conta com a colaboração de cerca de 180 sacerdotes anualmente, provindos, na sua maioria, de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Espanha, Itália e Malta. De outros países deram colaboração ocasional alguns sacerdotes em número pouco significativo.

No ano de 2005 receberam o Sacramento da Penitência 187.122 (cento e oitenta e sete mil cento e vinte e duas) pessoas de língua portuguesa, e 32.561 (trinta e duas mil quinhentas e sessenta e uma) de língua estrangeira.

No ano de 2006 receberam o Sacramento da Penitência em língua portuguesa 190.317 (cento e noventa mil trezentos e dezassete) pessoas e, noutras línguas 33.604 (trinta e três mil seiscentas e quatro) pessoas.

Com as obras em curso, o Santuário ficará dotado das condições julgadas adequadas à digna celebração deste sacramento, pois o número de confessionários aumentará e a sua disposição e localização permitirão um conjunto de condições mais adaptadas aos penitentes deste tempo.

Uma vez que se trata da celebração individual do sacramento da Reconciliação, os penitentes têm disponível, em diferentes línguas, um desdobrável com alguns textos da Palavra de Deus e orientações para a oração e para o exame de consciência, que se revelam muito úteis.

 

 

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