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HOMILIA DO CARDEAL ANGELO SODANO,
EM NOME DO SANTO PADRE,
NA MISSA EM SUFRÁGIO PELOS SAUDOSOS
 SUMOS PONTÍFICES PAULO VI E JOÃO PAULO I

Domingo, 28 de Setembro de 1997

 

Senhores Cardeais e Venerados Irmãos no Episcopado
Senhores Embaixadores e distintas Autoridades
Irmãos e Irmãs no Senhor!

Há um programa de vida espiritual, redigido pelo jovem sacerdote Giovanni Battista Montini, que evoca as palavras da Aclamação ao Evangelho: «A Tua palavra, Senhor, é verdade; conserva-nos no Teu amor».

Com efeito, lemos num seu escrito: «Quero que a minha vida seja um testemunho da verdade, para imitar assim Jesus Cristo, como convém (cf. Jo 18, 37)... Com este propósito quero dar um específico significado moral à minha vida e quero, por esta via, procurar a minha perfeição espiritual e a minha salvação eterna» (cf. Card. Giovanni Colombo, La spiritualità di Giovanni Battista Montini, em AA.VV, Paul VI et la modernité dans lÂÂ’Eglise, Roma 1984, pág. 151).

As notas pessoais deste grande Pontífice voltam à mente enquanto, reunidos na Basílica vaticana fazemos memória dele e do seu Sucessor, no aniversário da sua passagem para a casa do Pai. Precisamente neste dia, há 19 anos, morria o Papa João Paulo I. À recordação deste amado Pontífice une-se a viva memória do inesquecível Servo de Deus Paulo VI, cujo centenário do nascimento ocorre neste ano.

1. Um testemunho da verdade

«A Tua palavra, Senhor, é verdade; conserva-nos no Teu amor» (cf. Jo 17, 17). Quantas vezes estes venerados Pontífices repetiram essa invocação, fazendo da sua existência um indómito «testemunho da verdade», testemunho firme e manso, segundo o modelo e o ensinamento de Cristo, que nos repropõe hoje o texto evangélico.

O evangelista mostra-nos Cristo, por um lado, aberto àqueles que, embora externos ao grupo apostólico, fazem o bem no Seu nome; por outro lado, nítido em advertir contra qualquer compromisso com o «escândalo», isto é, com tudo o que pode obstaculizar a fé, especialmente dos mais «pequeninos». Daí deriva uma imagem de cristão e, em particular, de pastor na qual não é difícil reconhecer o estilo espiritual e pastoral do Papa Paulo VI, o seu equilíbrio, perfeito e sempre renovado, entre a fidelidade à Tradição da Igreja, «coluna e sustentáculo da verdade» (1 Tm 3, 15), e a atenção às sementes da verdade presentes no mundo, graças à acção do Espírito Santo. É o estilo do Concílio Vaticano II que, por sua vez, João Paulo I retomou, transmitindo-o, no final do seu breve ministério pastoral, ao seu Sucessor, João Paulo II. A Sua Santidade dirigem-se neste momento o nosso afectuoso pensamento e a certeza da nossa filial devoção. Ele, neste dia, une-se espiritualmente à nossa oração pelos seus amados Predecessores, enquanto preside em Bolonha à celebração eucarística conclusiva do XXIII Congresso Eucarístico Nacional.

2. O radicalismo cristão

«Se a tua mão... se o teu pé é para ti ocasião de queda, corta-o... se o teu olho te escandaliza, arranca-o: mais vale para ti entrares na vida mutilado... coxo... e com um só olho do que seres lançado... à Geena» (cf. Mc 9, 43-47).

O radicalismo cristão, de que fala o Evangelho, é um traço que resplandece de modo eloquente também na existência e no ministério dos Pontífices que estamos a comemorar. Eles muitas vezes foram contra a corrente, para permanecerem fiéis ao Evangelho. A sua preocupação era anunciá-lo íntegro, sem cancelamentos. Por esta razão, viveram e trabalharam sem se deixarem desanimar por nenhuma dificuldade. Contudo, não caíram na tentação, que insidiou o jovem Josué — como escutámos há pouco na primeira Leitura —, de pôr limites à iniciativa do Espírito do Senhor.

Escrevia o Cardeal Giovanni Colombo: «Duas atitudes, na aparência contraditórias, coexistiam em Paulo VI, a saber, atitudes de transigência no plano prático, e de intransigência no plano da verdade doutrinal, que deve permanecer como é, intangível valor divino» (Obra cit., pág. 157). «Extremamente respeitoso da pessoa humana, ele não tinha medo de dizer aos indivíduos a Verdade... Em todo o caso com palavras justas, no momento justo, com o tom justo de um amor manso e forte, candente e encorajador, jamais aviltante e sempre benéfico, dizia a cada um a verdade» (ibid., pág. 162).

João Paulo I, por seu lado, observou no decurso duma Audiência geral: «Deus é omnipotente, Deus ama-me imensamente, Deus é fiel às promessas. E é Ele, o Deus da misericórdia, que acende em mim a confiança; razão por que não me sinto só, nem inútil, nem abandonado, mas envolvido num destino de salvação, que um dia se há-de desabrochar no Paraíso» (Insegnamenti di Giovanni Paolo I, pág. 72).

3. O apoio da fé

 «Os preceitos do Senhor dão alegria» (Salmo responsorial). O recurso interior do ministério petrino de Paulo VI e de João Paulo I encontra-se precisamente aqui: na adesão fiel ao Senhor. Com aquele realismo, que caracteriza os autênticos apóstolos do Evangelho, eles puseram a sua confiança em Cristo e só nÂÂ’Ele.

Escreve Paulo VI no «Pensamento sobre a morte»: «Vejo que a respeito da vida presente é vão ter esperança; a respeito dela têm-se deveres e expectativas funcionais e momentâneas; as esperanças são para o além» (Bréscia, 1988, pág. 23). E acrescenta: «Agradar-me-ia, ao terminar, estar na luz» (ibid., pág. 24).

Recebamos este convite a vivermos fiéis e confiantes no Senhor. Confiança que se nutre do cumprimento constante da vontade divina. Confiança que faz caminhar na luz para «terminar» na luz. Nesta luz brilha o rosto de Paulo VI, rico de intensa espiritualidade, e o de João Paulo I, repleto de serenidade pacificante. São rostos que enriquecem a Igreja, porque neles resplandece o fulgor do rosto de Cristo.

Possa o Pai celeste, no dia do nosso encontro definitivo com Ele, reconhecer também em nós a semelhança com o seu Filho unigénito, Luz da Luz, bendito para sempre.

4. Conclusão Irmãos e Irmãs no Senhor!

Nesta Eucaristia queremos agradecer ao Pai que está nos céus ter-nos dado dois grandes Sumos Pontífices, que foram Paulo VI e João Paulo I. Ao mesmo tempo, ao acolhermos o convite da Igreja que nos chama a orar pelos defuntos, queremos confiar os saudosos Pontífices à misericórdia do Senhor, na esperança de podermos voltar a reunir-nos todos juntos na pátria do Paraíso. Amém.

 

 

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