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 SECRETARIA DE ESTADO
COMEMORAÇÃO OFICIAL DO VI DIA MUNDIAL DO DOENTE

HOMILIA DO CARDEAL ANGELO SODANO
 NO SANTUÁRIO DE LORETO

11 de Fevereiro de 1998

 

 «Esta é a tenda de Deus entre os homens! Ele vai morar com eles. Eles ser ão o seu Povo e Ele, o "Deus-com-eles", será o seu Deus. Ele vai enxugar todas as lágrimas dos seus olhos... » (Ap 21, 3-4).

Este trecho do Apocalipse que acaba de ser proclamado indica a imagem da Jerusalém celeste, na qual não haverá mais motivo de sofrimento nem de pranto.

É sugestivo contemplar a Pátria celeste à sombra desta pequena «Casa», que a tradição nos consigna como o lugar habitado pelo Filho de Deus na sua existência histórica. Inclusive da Casa Santa é possível dizer, com as palavras do Apocalipse: «Esta é a tenda de Deus entre os homens!». Obviamente, trata-se da habitação terrena onde o choro não faltou, onde Cristo conheceu o cansa ço da vida e, num certo sentido, «treinou » para a Cruz. Aqui Maria disse o seu «fiat», talvez intuindo com a sua docilidade interior ao Espírito Santo, que este representava também um «sim» à espada que lhe haveria de trespassar a alma (cf. Lc 2, 35).

Por isso, o tema cristão sobre o sofrimento encontra neste Santuário de Loreto uma inspiração inigualável.

1. Dia Mundial do Doente

O tema da nossa reflexão é-nos oferecido pela celebração do Dia Mundial do Doente, instituído por João Paulo II em 1992. A data de 11 de Fevereiro atribui a esta jornada uma característica acentuadamente mariana. Com efeito, o Papa escolheu-a em referência à memória litúrgica da Bem-Aventurada Maria Virgem de Lourdes, pensando assim no célebre Santuário dos Pireneus, aonde inumeráveis pessoas enfermas acorrem para depor os próprios sofrimentos no coração de Maria. Tanto em Lourdes como em Loreto e em muitos outros santuários marianos, é sempre a mesma Mãe que se faz consoladora dos aflitos, «salus infirmorum».

Maria desempenha a sua missão alcançando inúmeras graças de cura para os seus filhos. Todavia, mais ainda, faz-se sua educadora, para os tornar capazes de enfrentar com coragem e solidariedade os problemas apresentados pelo sofrimento. É precisamente esta sua mensagem educativa que o Dia Mundial do Doente quer captar e difundir. De facto, este foi instituído com a finalidade «de sensibilizar o Povo de Deus e, consequentemente, as múltiplas instituições sanitárias católicas e a própria sociedade civil, para a necessidade de assegurar a melhor assistência aos enfermos, de ajudar quem está doente a valorizar o sofrimento no plano humano e de modo particular no plano sobrenatural » (João Paulo II Insegnamenti XV, 1 [1992], pág. 1.410).

2. A enfermidade hoje

Quem não vê a urgência desta reflexão sensibilizadora? A doença foi desde sempre o grande espinho no lado da humanidade. Continua a sê-lo também no nosso tempo, apesar dos admiráveis progressos da medicina. O homem cresce na conquista do espaço, mas não consegue dominar-se a si mesmo. Sem dúvida, as estruturas médicas mais avançadas tornam as enfermidades mais suportáveis, sob o ponto de vista físico, e mais facilmente curáveis. Mas num certo sentido, diante da doença, de modo especial quando esta é grave e incurável, o homem contemporâneo sente-se mais frágil que no passado. Efectivamente, o bem-estar difundido aumenta o contraste psicológico entre as condições de doença e de boa saúde. Por outro lado, em virtude da fragmentação do tecido comunitário, numa sociedade em que se corre sempre mais e se tem cada vez menos tempo para os outros, o doente encontra-se muitas vezes mais isolado afectivamente. E a solidão é decerto mais triste em quem, por extrema desgraça, perde também o dom e o conforto da fé.

3. A pergunta de Job

Nos lábios do homem contemporâneo continua a brotar a pergunta do Livro de Job: por que o sofrimento? Por que também o inocente sofre? Por que até mesmo as crianças sofrem? Quando se experimenta a enfermidade, nenhuma argumentação racional jamais bastará para consolar. Com a Cruz de Cristo Deus deu a resposta ao interrogativo sobre o sofrimento!

No tempo de Job, supunha-se uma directa correlação entre a doença e o pecado pessoal. Tratava-se de uma opinião deturpada. Mas acreditava-se justamente, em harmonia com o mandamento bíblico, que Deus não projectou para o homem o sofrimento e tampouco a morte: estes entraram no mundo a seguir ao pecado.

Esta mensagem do Antigo Testamento contém a plenitude da revelação. Cristo deu-nos um «evangelho» autêntico, ou seja, uma «boa notícia», também no que se refere ao tema do sofrimento. Efectivamente, n'Ele Deus mesmo vem ao encontro da sua criatura, para derrotar o sofrimento e a morte; antes, para os desarraigar, vencendo o pecado no mistério pascal.

4. A mensagem de Cristo

Se se quiser compreender a mensagem de Cristo sobre o sofrimento, convém considerá-la em duas fases sucessivas, como que através de dois cenários, como no-los apresenta a narração evangélica.

Primeiro cenário: Jesus circundado pelas multidões, enquanto anuncia a iminência do Reino de Deus. Fá-lo não apenas chamando os homens à conversão interior — «convertei-vos e acreditai na Boa Notícia» (Mc 1, 15) —  mas também aliviando-os dos sofrimentos físicos. Fá-lo com o paralítico, a quem perdoa os pecados dizendo: «Toma a tua cama e vai para casa» (Mc 2, 11). Fá-lo com inúmeros outros doentes que a Ele recorrem.

Todavia, há o segundo cenário: à primeira vista, está em contraste com o primeiro. É o cenário que se abre com os discursos do anúncio da Paixão e tem o seu vértice no Gólgota. Jesus mesmo estimula esta transformação de horizonte quando, em Cesareia de Filipe, apresenta como que um balanço do seu ministério e pergunta aos discípulos: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mc 8, 29 par.). Trata-se de um interrogativo crucial. Os seus sucessos de taumaturgo e de curador haviam-Lhe propiciado a adesão entusiasmante, mas também ambígua e superficial, das multidões. Jesus espera muito mais dos seus discípulos! Chegou o momento de os conduzir rumo ao centro do Seu mistério, com a revelação da Cruz. Com efeito, imediatamente após a grande confissão de Pedro acerca da Sua identidade messiânica, Ele anuncia a Sua morte. Os discípulos reagem com perplexidade. Pedro até mesmo se revolta, merecendo uma áspera repreensão do Mestre (cf. Mc 8, 33).

5. O caminho do amor

Na realidade, o cenário da Cruz não contradiz o das curas. Pelo contrário, se considerarmos bem, revela a sua profunda lógica. As curas são manifestações do projecto de Deus: recordam que Deus não quer o sofrimento e que este deve ser combatido. Mas é da Cruz que se indica a única via válida para vencer esta difícil batalha: o caminho do amor. Cristo crucificado não deixa de ser o «médico», mas fá-lo identificando-se com os sofredores. Vai ao seu encontro, põe-Se da sua parte e pede para ser encontrado, servido e amado neles: «Adoeci e visitastes-Me» (Mt 25, 36). Desta forma, torna-nos colaboradores e como que administradores da Sua energia salvífica, não através dos milagres da omnipotência, mas mediante os prodígios do amor: isto é, ao pedir que vivamos diante dos nossos irmãos aquele amor oblativo que sabe fazer-se atenção, gratuitidade e partilha; pedindo-nos que desenvolvamos a inventiva e a criatividade do amor, pondo ao serviço dos irmãos os recursos, o estudo, a investigação, a aplicação do progresso científico e a organização de serviços adequados. A oração para se obter a cura coloca-se no interior deste caminho do amor. Sem dúvida, Deus sabe conceder também graças extraordinárias a quem O invoca com fé, mas serve-Se normalmente da concreta mediação do nosso amor.

6. Maria e o sofrimento

Maria encarnou perfeitamente este Evangelho do sofrimento e do amor. Basta contemplá-la em dois «ícones» típicos da narração evangélica.

Quanto ao primeiro, penso na narração joanina das bodas de Caná, onde Maria dá «início» aos milagres de Jesus. Nessa ocasião, não se tratou de um milagre de cura. Todavia, os jovens esposos teriam que enfrentar o incómodo e a tristeza se Maria não se tivesse ocupado deles com ternura intuitiva e totalmente materna. Ela foi-lhes medianeira de graça. E não é porventura assim que o Povo de Deus a configura? Maria é a mãe! Os doentes que a Ela recorrem, em Lourdes e em muitos outros santuários marianos, sabem que podem obter sempre alguma graça, se não de cura, pelo menos de consolação.

Mas a esta imagem de Maria consoladora, os Evangelhos aproximam a figura do sofrimento de Maria. Os quatro evangelistas representam-na no ícone do Gólgota. «Stabat Mater dolorosa... »: Maria estava junto da Cruz para compartilhar a opção de Jesus, fazendo própria dessa vez, não o poder do Filho, mas a Sua deliberada «impotência ». No Calvário já não é, como em Caná, a advogada do sofrimento, mas a Mãe das dores. Assim, torna-se modelo da Igreja, como João Paulo II escreveu na Carta Apostólica Salvifici doloris: «Com Maria, Mãe de Cristo, que estava de pé junto à Cruz, nós detemo-nos ao lado de todas as cruzes do homem de hoje» (n. 31).

7. A Igreja e os doentes

Portanto, Maria conduz-nos pela mão neste Dia Mundial do Doente, para compreendermos e actuarmos o desígnio de Cristo. O cuidado dos enfermos ocupou desde sempre um lugar importante no testemunho da comunidade cristã. Certamente, não cabe à Igreja realizar «políticas» médicas, mas é seu preciso dever ocupar-se dos doentes no contexto das suas específicas finalidades de evangelização e de serviço. Deste modo, dá continuidade à missão de Cristo, fazendo da cura um sinal do Reino de Deus. De resto, Cristo mesmo indicou, entre as expressões do serviço apostólico, também a de curar os enfermos, impondo-lhes as mãos (cf. Mc 16, 18).

A Igreja ocupa-se deles de muitas formas, a partir daquela específica proximidade de oração, que tem uma sua expressão sacramental na Unção dos enfermos.

Não menos importante é a ajuda que oferece aos doentes, encorajando os seus filhos à solidariedade efectiva e promovendo obras médicas e assistenciais em todas as partes do mundo, especialmente nos países mais pobres.

Além disso, na consciência desta sua missão, a Igreja não cessa de apelar para a sociedade civil, a fim de que os problemas da doença sejam colocados no centro de uma cultura e de uma política da solidariedade.

A Igreja exige que o doente seja respeitado na sua dignidade e curado na globalidade das suas dimensões. É uma autêntica «cultura do amor» que se deve encarnar no estilo do pessoal médico e paramédico, chamado a fazer do próprio trabalho não uma simples profissão mas, num certo sentido, uma missão.

8. O ensinamento do Papa

Todavia, os próprios sofredores podem sentir-se não só destinatários, mas «protagonistas» desta cultura do amor, se souberem desenvolver a capacidade prodigiosa, típica da fé, que sabe fazer do próprio sofrimento um ministério de salvação, mediante a união do seu sacrifício ao de Cristo. Este é o ápice da mensagem evangélica sobre o sofrimento.

Então, apraz-me concluir, evocando um pensamento muito querido a João Paulo II, tão perito em sofrimento e sempre capaz de falar ao coração de quem sofre. Ele escreveu: «Realizando a redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar partícipes do sofrimento redentor de Cristo» Salvifici doloris, 19).

Queira a Virgem Santa fazer com que quantos sofrem não só sejam consolados com a solidariedade dos irmãos mas também, na aceitação do sofrimento, se tornem testemunhas do amor salvífico.

9. A oração a Maria

Pensando em todos os doentes do mundo, dirigimo-nos hoje a Ela com as palavras do Santo Padre:

«Virgem de Loreto (...) à tua ternura de Mãe confiamos as lágrimas, os suspiros e as esperanças dos doentes. Sobre as suas feridas desça o benéfico bálsamo da consolação e da esperança. Unido ao de Jesus, o seu sofrimento se transforme em instrumento de redenção.

O teu exemplo nos oriente para fazermos da nossa existência um contínuo louvor do amor de Deus. Torna-nos atentos às necessidades dos outros, solícitos em ajudar quem sofre, capazes de acompanhar quem está sozinho, construtores de esperança lá onde se consumam os dramas do homem. Em cada uma das etapas alegres ou tristes do nosso caminho, com afecto de Mãe, mostra-nos o "teu Filho Jesus, ó clemente, ó pia, ó doce Virgem Maria"».

 

 

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