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SECRETARIA DE ESTADO

HOMILIA DO CARDEAL ANGELO SODANO
 NA BASÍLICA DE SANTA MARIA MAIOR
PELAS VÍTIMAS DO ATENTADO DE MADRID

 Sexta-feira, 26 de Março de 2004

 


Senhores Cardeais e Venerados Concelebrantes!
Distintas Autoridades e Senhores Embaixadores!
Queridos amigos espanhóis e italianos!

No momento da dor, a comunidade cristã sentiu a necessidade de se reunir em oração nesta maravilhosa basílica romana, para dar testemunho da própria fé, para reavivar a esperança e para confiar nas mãos misericordiosas do Pai que está nos Céus os irmãos e as irmãs de Madrid, vítimas do horrendo atentado perpetrado por mãos homicidas em 11 de Março passado. Mais uma vez Caim matou Abel! Mais uma vez o ódio do homem levou a morte a pessoas inocentes!

É o mistério do coração humano, que pode perverter-se e chegar a ponto de amar mais a morte do que a vida, mais as trevas do que a luz. O nosso poeta Giacomo  Leopardi  amava  muito  aquelas  palavras  misteriosas  do  Evangelho de São  João,  quando  refere  que Jesus, face às grandes aberrações do seu tempo, exclamou:  "A luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas e não a luz" (Jo 3, 19). Aliás, o nosso poeta preferiu colocar estas palavras no início da sua conhecida poesia "A Giesta", a flor solitária que ele via surgir entre a lava exterminadora do Vesúvio.

1. A luz da fé

Contudo, a nossa fé proíbe-nos de sermos pessimistas. Depois da Sexta-Feira Santa, vem a Páscoa de Ressurreição. Recordou-nos isto o Evangelho que hoje foi proclamado. O anjo do Senhor, colocado à entrada do Sepulcro, disse às mulheres que procuravam Jesus:  "Não tenhais medo!... Ressuscitou, não está aqui" (Mc 16, 6).

É esta fé que também hoje faz com que olhemos para o poder de Cristo. Ele removeu a grande pedra posta por cima do sepulcro, fazendo-a rolar para longe. Ele pode remover também os corações dos homens mais rebeldes, pode até abrir os olhos de quem é cego. Por isso, nós hoje queremos invocar Deus omnipotente e misericordioso, pedindo-lhe que nos ajude neste momento de provação, fazendo depois compreender até aos corações mais endurecidos o único caminho que devem seguir quantos se reconhecem como filhos do Pai que está nos Céus.

2. A admoestação da história

Sem dúvida, todos estamos atormentados perante o fenómeno anti-humano e anticristão do terrorismo. Todos estamos preocupados com as manifestações externas de uma depravação como esta no coração humano. Mas o que mais deve fazer reflectir a nós crentes é aquela mistura explosiva de ódio, que pode estar encerrado no coração do homem e que pode rebentar quando menos se espera. Por conseguinte, será nosso dever continuar a recordar aos homens do nosso tempo aqueles grandes valores morais, os únicos que podem dar uma base certa à sociedade humana. Será nosso dever recordar a todos a primazia de Deus na nossa vida, daquele Deus que nos criou e que um dia nos julgará.

Na primeira leitura o Apóstolo São João falou-nos da sua visão de uma terra nova, dizendo:  "Eis a morada de Deus com os homens!" Aquela morada definitiva com Deus realizar-se-á na outra vida, mas desde agora a terra deve começar a ser a moradia de Deus, caso contrário poderá tornar-se a terra do ódio e da morte!

Com muita frequência, o nosso Ocidente é acusado de ser "descrente" e "corrupto". A acusação parece-nos injusta se olharmos para os heroísmos de santidade que aqui floresceram e o grau de civilização que em várias épocas nele se desenvolveu. Contudo, hoje, os homens saciados, podem dar a impressão que vivem como se Deus não existisse. Portanto, os homens de hoje devem voltar a olhar para ele. O Senhor recordou-nos na segunda leitura:  "Eu sou o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim" (Ap 21, 6). Por conseguinte, cada homem deverá voltar para ele, a fim de reencontrar o sentido da existência, da vida e da morte.

3. A esperança cristã

Esta fé torna-se para nós, depois, uma fonte de oração premente. No Salmo responsorial cantámos "Em Vós, Senhor, espero, ó Deus dos vivos!" e fizemos nossa a bonita oração do Salmo 129:  "De profundis clamavi ad te, Domine, Domini, exaudi vocem meam!". "Do mais íntimo do coração a Ti brado, ó Senhor! Senhor, ouve a minha voz!".

É um Salmo que foi cantado por gerações de fiéis nas nossas paróquias no momento do sofrimento pelo falecimento de uma pessoa querida. É um Salmo que hoje brota do nosso coração, para exprimir toda a nossa esperança cristã:  esperança na ajuda do Senhor na vida presente e esperança de uma paz definitiva na pátria celeste.

É esta esperança que faz com que sejamos fortes também nas provas mais difíceis da nossa peregrinação terrena. De facto, vigia sempre sobre nós a Providência de Deus, daquele Deus que, como escrevia o nosso grande Alessandro Manzoni:  "Nunca perturba a alegria dos seus filhos, a não ser para lhes preparar outra mais certa e maior". E até no momento mais obscuro da história, o cristão pode repetir sempre as palavras do "Te Deum: " "Em Ti, ó Senhor, esperei, que eu não permaneça confundido para sempre" "In Te, Domine, speravi, non confundar in aeternum".

Indubitavelmente, a confiança em Deus não nos exime do nosso compromisso pessoal de trabalhar para afastar os males que afligem a nossa sociedade. A este propósito, a sabedoria dos antepassados espanhóis deixou-nos aquele conhecido provérbio, que nos repropõe o exemplo de quem trabalha:  "A Dios rogando y con el mazo dando", que significa, o exemplo do ferreiro que está a forjar o seu ferro, rezando sem dúvida a Deus, mas usando o seu martelo para obter a obra desejada. É esta, com efeito, a tradução popular do princípio que nos foi deixado por um grande Santo espanhol, Santo Inácio de Loyola:  "Confiar em Deus como se tudo dependesse dele mas, entretanto, trabalhar como se tudo dependesse de nós!".

4. O amor triunfará

Irmãos e Irmãs no Senhor, Cristo disse-nos:  "Tende confiança, eu venci o mundo" (Jo 16, 33). "Eu estarei sempre convosco todos os dias, até ao fim do mundo" (Mt 16, 18).

São palavras de Deus! São palavras que nenhum homem jamais poderá cancelar. Com esta profunda certeza, olhemos serenos para o futuro, continuando a rezar e a trabalhar por um mundo melhor. Sem dúvida, no mundo há quem fala de violência e de morte. Mas com o Papa nós hoje queremos gritar ao mundo:  "O amor é mais forte do que a morte! O amor vencerá!".

 

 

 

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