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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA VII CONFERÊNCIA DE REVISÃO
DO TRATADO DE NÃO-PROLIFERAÇÃO
DAS ARMAS NUCLEARES

DISCURSO DE D. CELESTINO MIGLIORE

4 de Maio de 2005

 

 

Senhor Presidente

A Santa Sé aderiu ao Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares no dia 25 de Fevereiro de 1971, convencida de que isto constituía um passo importante rumo à criação de um sistema de desarmamento geral e completo, sob um controle internacional eficaz, algo que só se tornaria possível se ele fosse observado tanto nos seus pormenores como na sua integridade.

À distância de trinta e cinco anos, o Tratado tornou-se uma pedra angular no contexto da segurança mundial, dado que, sob determinados aspectos, contribuiu para diminuir a corrida aos armamentos. O facto de ele ter recebido um elevado número de adesões, contando hoje com 188 Estados-Membros, demonstra a importância do mesmo para a comunidade internacional. Esta é a sua natureza, em virtude dos seus três fundamentos: a prevenção da difusão e da proliferação das armas nucleares; a promoção da cooperação no uso pacífico da energia nuclear; e a busca da finalidade do desarmamento nuclear, que leva implicitamente ao desarmamento geral e completo.

Em síntese, o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares prometia um mundo em que seriam eliminadas as armas nucleares e onde viria a difundir-se a cooperação tecnológica em ordem ao desenvolvimento.

Por conseguinte, a presente Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares constitui uma ocasião para comensurar o progresso da comunidade internacional, na realização das finalidades do Tratado. Quando o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares foi alargado de maneira indefinida, em 1995, os Estados que detêm armamentos nucleares uniram-se a todos os outros Estados-Membros do Tratado, fazendo esta tríplice promessa: que até 1996 devia ser assinado o Tratado de Total Proibição dos Testes [Nucleares]; que as negociações em vista de um Tratado destinado a proibir a produção de materiais físseis para as armas nucleares deveriam chegar a uma "primeira conclusão"; e que deviam realizar-se "esforços sistemáticos e progressivos a nível mundial", para eliminar as armas nucleares. Em 2000, todas os Membros deram um "impulso inequívoco" em vista da eliminação dos armamentos nucleares, através de um programa de 13 resoluções práticas. Não obstante, a Comissão Preparatória para a presente Conferência de Revisão não conseguiu obter o consenso sobre os documentos a serem agora adoptados, o que suscita preocupação a propósito do resultado da mesma Conferência.

No que diz respeito aos anos 70, quando o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares entrou em vigor, houve ao mesmo tempo profundas mudanças sociais e geopolíticas. Começou a desenvolver-se uma consciência da íntima correlação e interdependência entre a segurança nacional e internacional, enquanto surgiam novos desafios, como o terrorismo transnacional e a difusão ilegal de materiais para a fabricação de armas de destruição de massa. Existem dois fenómenos que, entre outros, questionam directamente a capacidade do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, de enfrentar os novos desafios internacionais. A este propósito a Santa Sé considera a adopção, por parte da Assembleia Geral, da Convenção Internacional para a Supressão dos Actos de Terrorismo Nuclear, como um importante passo em frente. Chegou o momento de voltar a sublinhar a importância da observação do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, tanto nos seus pormenores como na sua integridade.

Uma vez que tal Tratado é o único instrumento multilateral legal correntemente disponível, destinado a alcançar um mundo livre de armas nucleares, não se pode permitir que o mesmo seja debilitado. A humanidade merece a cooperação integral da parte de todos os Estados, no que diz respeito a esta grave problemática. A Santa Sé formula um apelo a fim de que as difíceis e complexas questões da Conferência de Revisão sejam abordadas de maneira imparcial. As medidas tomadas por esta Conferência de Revisão, mesmo que representem pequenos passos em frente, devem ser inseridas nas finalidades globais do Tratado. A Conferência de Revisão não pode regredir, ignorando os compromissos assumidos no passado; ela deve, antes, dar continuidade à eficácia do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares.

O mundo está justamente preocupado com a proliferação dos armamentos nucleares, enquanto procura dar um novo destino às tecnologias e aos combustíveis nucleares, afastados do seu uso pacífico e orientados para as armas nucleares. O aspecto da não-proliferação, contido no Tratado das armas nucleares, deve ser fortalecido através do incremento da capacidade da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), de detectar qualquer utilização imprópria dos combustíveis nucleares. Também as medidas de tolerância, contidas no mesmo Tratado, devem ser revigoradas.

Todavia, concentrar-se exclusivamente nas medidas de não-proliferação deformaria o significado do Tratado. Também não se podem esquecer as cláusulas do Tratado que dizem respeito ao desarmamento nuclear: a não-proliferação e o desarmamento nuclear são interdependentes e fortalecem-se reciprocamente. Por conseguinte, a Santa Sé exorta os Estados que detêm armamentos nucleares, a fim de que assumam um papel de liderança corajosa e de responsabilidade política, para salvaguardar a própria integridade do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares e para criar um clima de confiança, de transparência e de verdadeira cooperação, tendo em vista a realização concreta de uma cultura de vida e de paz que promova o desenvolvimento integral dos povos do mundo. Assim, num esforço em ordem a inserir as prioridades e as hierarquias de valores no lugar que lhes compete, há que realizar um esforço conjunto mais decidido, para mobilizar os recursos rumo ao desenvolvimento moral, cultural e económico, a fim de que a humanidade possa dizer não à corrida aos armamentos.

Chegou a hora de encontrar caminhos para um "equilíbrio no terror"; chegou o momento de voltar a examinar toda a estratégia da força de dissuasão nuclear. Quando a Santa Sé expressou a sua aceitação condicional da força de dissuasão nuclear, durante a Guerra Fria, foi com a óbvia e explícita condição de que tal força de dissuasão viesse a constituir apenas um passo ao longo do caminho rumo ao progressivo desarmamento nuclear. A Santa Sé jamais sancionou esta força de dissuasão nuclear como uma medida permanente, e nem o faz hoje em dia, quando é evidente que a força de dissuasão nuclear estimula o desenvolvimento de armas nucleares sempre novas, impedindo desta maneira o desarmamento nuclear genuíno.

A Santa Sé volta a ressaltar o facto de que a paz a que nós aspiramos no século XXI não pode ser alcançada com base nos armamentos nucleares. Este século teve início com uma explosão do terrorismo a nível mundial, mas não podemos permitir que tal ameaça venha a debilitar os preceitos do direito humanitário internacional, que se fundamenta nos princípios-chave da limitação e da proporcionalidade. Devemos recordar sempre que o recurso às armas não pode produzir males e desordens mais graves do que a prevaricação a ser eliminada. Os armamentos nucleares, e mesmo as armas chamadas "de curto alcance", põem em perigo os processos da vida e podem levar a um conflito nuclear mais alargado.

As armas nucleares ameaçam a vida no planeta e agridem a própria terra; agindo assim, elas põem em perigo o processo da continuidade do desenvolvimento do planeta. A conservação do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares exige o compromisso inequívoco em prol de um desarmamento nuclear autêntico.

Por conseguinte, a Santa Sé exorta todos os Estados-Membros do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares a defender a integridade do mesmo Tratado. Todos os Estados-Membros deveriam contribuir para o bom êxito da Conferência de Revisão, conservando e revigorando a credibilidade do Tratado, de tal maneira que ele possa ser eficaz e duradouro. Desta forma, a cultura da paz poderá ser promovida e a cultura da guerra diminuída, para o benefício estável da humanidade.

Obrigado, Senhor Presidente!

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