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 INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 50ª SESSÃO
 DA ASSEMBLEIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
POR OCASIÃO DO 60º  ANIVERSÁRIO
DO FINAL DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

DISCURSO DE D. CELESTINO MIGLIORE

Nova Iorque, 9 de Maio de 2005

 

Senhor Presidente

A Santa Sé expressa a sua gratidão aos patrocinadores da Resolução 59/26, por esta oportunidade de celebrar oficialmente o 60º aniversário do final da segunda guerra mundial.
Não há dúvida de que foi um conflito terrível, e é salutar e sensato recordar que se tratou da pior das várias e desnecessárias catástrofes planetárias provocadas pelo homem, que fez do século XX um dos mais tristes que a humanidade jamais conheceu.

A minha delegação aprecia a declaração da Organização das Nações Unidas, que escolheu os dias 8-9 de Maio como data de recordação e reconciliação. São muitas as vozes que, justamente, nos admoestam a não esquecer, mas sem dar a culpa às gerações actuais; elas exigem uma responsabilidade revigorada pelo conhecimento dos erros do passado, mas a responsabilidade diante de tais catástrofes exige de nós o desenvolvimento de determinadas considerações.

Em primeiro lugar, entre as raízes da segunda guerra mundial havia a exaltação do Estado e da raça, e uma atitude de orgulhosa auto-suficiência da humanidade, fundamentada sobre a manipulação da ciência, da tecnologia e da força. A lei deixou de ser um veículo para a aplicação da justiça, ensinando-nos que, quando perde de vista as suas aspirações transcendentes, o homem reduz-se rapidamente, tanto a si mesmo como os outros, a um objecto, a um número e até mesmo a uma simples mercadoria.

Em segundo lugar, mesmo que aceitemos o facto de que, sob determinadas circunstâncias, o uso da força limitado e estritamente condicionado possa ser inevitável para o cumprimento da responsabilidade de salvaguardar cada Estado e a comunidade internacional, contudo somos interpelados a agir com suficiente realismo, a fim de reconhecer que as resoluções pacíficas são possíveis, e que não se deveria poupar quaisquer esforços em vista de as alcançar.

Há muito tempo que o homem pondera sobre a moralidade da guerra e a conduta ética dos combatentes. O Relatório do Secretário-Geral, denominado In Larger Freedom ("Em liberdade maior") exorta o Conselho de Segurança a adoptar uma resolução acerca da legitimidade e da legalidade do uso da força. O reconhecimento da trágica e devastadora natureza da guerra, e a responsabilidade de todos pelos conflitos tanto do passado como do presente, impelem-nos a perguntar não apenas se a guerra pode ser legal e legítima, mas acima de tudo se ela é evitável. Por este motivo, os vários capítulos do Relatório do Secretário-Geral deveriam ser abordados conjuntamente, em toda a sua complexidade. A paz e a segurança, a nível planetário, só serão alcançadas se a comunidade internacional respeitar a vida e a dignidade de cada ser humano, comprometendo-se em benefício do desenvolvimento social e económico de cada país e de cada homem, mulher e criança.

Em terceiro lugar, a segunda guerra mundial assim como todos os conflitos do século XX demonstra que as políticas de resolução das guerras e os planos de actuação no período pós-conflito são essenciais para o restabelecimento da justiça e da paz, bem como para a protecção. No passado, prestava-se justamente muita atenção ao ius ad bellum, ou seja, às condições necessárias para a justificação do uso da força, e ao ius in bello, isto é, aos parâmetros legais do comportamento ético que se deve ter durante a guerra. À luz das devastações materiais e morais da segunda guerra mundial, chegou a hora de centrar a atenção e desenvolver a terceira dimensão da lei da guerra, ou seja, a do ius post bellum, ou como conseguir rápida e eficazmente o estabelecimento de uma paz justa e duradoura, que é a única finalidade admissível para o uso da força.

Deste modo, os instrumentos legais internacionais já existentes, relativos à conduta e às actividades a promover depois da guerra, têm necessidade de ser revigorados e ampliados nestes nossos tempos em rápida evolução, enquanto é preciso ter em consideração também os parâmetros éticos que a consciência e as sensibilidades modernas desenvolveram, como a reconciliação, em vista de ajudar todas as partes interessadas a restabelecer os vínculos de amizade e de boa vizinhança; a certeza da segurança e a estabilização das nações que saem da guerra; a solidariedade internacional no processo de reconstrução socioeconómica do tecido de tais sociedades; a recuperação do meio ambiente, depois que o conflito chegar ao fim; e a justiça a todos os níveis, uma vez que, se a força for utilizada em função da justiça, a própria justiça evidentemente influenciará todos os aspectos do processo de construção da paz.

Em quarto lugar, nos últimos tempos tem-se prestado mais atenção ao papel pacificador da Organização das Nações Unidas. A Santa Sé compartilha a solicitude do Secretário-Geral, em vista de fazer com que o sistema da ONU enfrente plenamente o desafio de assistir os países na fase de transição da guerra para a paz duradoura e, uma vez mais, expressa todo o seu apoio à instituição de uma Comissão Pacificadora Intergovernamental.

Por conseguinte, a presente comemoração é uma oportuna recordação da verdadeira razão de ser da Organização das Nações Unidas. Embora hoje ela exerça as suas próprias funções numa vasta gama de sectores, estas actividades não nos deveriam distrair da conditio sine qua non da existência desta mesma Organização, isto é, a paz entre as nações.

Obrigado, Senhor Presidente.

 

 

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