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SECRETARIA DE ESTADO

INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 94ª SESSÃO
DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO
CONVOCADA PARA APROVAR A CONVENÇÃO
SOBRE O TRABALHO MARÍTIMO

DISCURSO DE D. SILVANO TOMASI

Genebra, 23 de Fevereiro de 2006

Senhor Presidente

1. A Delegação da Santa Sé aproveita esta oportunidade para unir a sua voz à de numerosas outras Delegações, para ressaltar o significado da presente Conferência. Com efeito, três motivos salientam a importância desta ocasião, subjacente à verdadeira oportunidade histórica apresentada por esta X sessão marítima da Conferência Internacional do Trabalho. Ela apresenta a possibilidade de aceitar a Convenção Consolidada do Trabalho Marítimo como instrumento indispensável para o trabalho aceitável. E prova, uma vez mais, o valor das negociações e cooperações tripartidas para garantir um resultado positivo e oportuno. Permiti-me acrescentar que a palavra "histórica" não constitui uma expressão retórica, mas é a definição de uma conquista que se tornou possível graças à imposição do espírito do diálogo e da qualidade das negociações, que assim levaram a Conferência a alcançar um consenso mesmo nas cláusulas mais difíceis. Agora, subsiste o desafio de formalizar a boa obra já realizada.

2. A vida no mar continuará a ser difícil e perigosa para os 1,25 milhões de marítimos existentes no mundo, mas estamos convictos de que a adopção desta Convenção abrangente a respeito dos padrões do trabalho marítimo, ao mesmo tempo que não debilitam os direitos dos marítimos já existentes, oferecerão também um ambiente apropriado para o nascimento de uma nova ordem marítima mundial, que oferecerá "aos homens e mulheres, oportunidades de obter um trabalho aceitável e produtivo, em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana", como afirma o Relatório do Director-Geral (1). Com efeito, um mundo marítimo globalizado está a desenvolver-se rapidamente, com navios que unem os quatro cantos da terra e tripulações formadas por pessoas de nacionalidades cada vez mais diferentes sob os pontos de vista cultural e religioso. Por conseguinte, antes de tais desenvolvimentos, um passo lógico a dar consiste em oferecer um ambiente apropriado, padrões justos e segurança suficiente, a fim de que todo o ser humano seja justa e sinceramente reconhecido estes são os nossos bons votos pelo seu valor individual e pela sua dignidade inalienável, assim como pela contribuição profissional que oferece ao mundo marítimo.

3. Várias organizações internacionais e nacionais, e numerosos indivíduos inspirados pela sua fé cristã ou por um genuíno sentido da solidariedade humana e orientados de maneira específica para os marítimos, estão a trabalhar em prol de uma globalização mais humana, onde os benefícios possam aumentar para todos, sem a exclusão de qualquer categoria de pessoas. Durante décadas eles prestaram os seus serviços aos marítimos nos portos, na marinha mercantil, no campo da pesca e nos navios de passageiros. Permiti que eu vos cite um exemplo: o Apostolado do Mar, da Igreja Católica, e a rede ecuménica de Organizações que não visam o lucro, entre as quais o próprio Apostolado do Mar e a Associação Cristã Marítima Internacional (ICMA), representando 526 centros martítimos e 927 capelães em 126 países. Desta experiência conjunta deriva o encorajamento a defender o bem dos marítimos e o bem-estar das pessoas que trabalham no mar, adoptando padrões justos e clarividentes, assim como a Convenção que se encontra no cerne da solicitude da presente Conferência. Toda a indústria marítima terá um futuro melhor, mais sadio, satisfatório, qualificado e adequadamente protegido para os marítimos e suas famílias.

4. Há cinco anos, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tomou uma decisão conjunta, mediante representantes internacionais dos marítimos e dos proprietários de navios, decisão que contou com o apoio dos governos, em vista de criar uma nova Convenção Marítima de Trabalho. Estes delegados clarividentes indicaram que a indústria marítima constitui a primeira indústria global do mundo e que portanto exige padrões mundiais de trabalho, aplicáveis a toda a indústria, de maneira que possam salvaguardar os direitos, o bem-estar e a dignidade humana de todos os marítimos. Agindo assim, reconheceram que estes mesmos marítimos, através do trabalho que lhes compete, constituem o fundamento desta importantíssima e bem sucedida indústria, e que o elemento humano deve ser prioritário.

Senhor Presidente

5. O conceito de "comércio justo" está a progredir lenta mas decididamente em muitas regiões do mundo. Dado que o transporte marítimo constitui uma parte essencial do comércio internacional, não chegou porventura a hora de ampliar esta noção de "comércio justo", ou melhor, um sistema justo de regras comerciais, para o transporte marítimo, a pesca e outras categorias semelhantes? Não chegou por acaso o momento de oferecer aos trabalhadores marítimos a segurança e a protecção no campo social? Aquilo que o Santo Padre Bento XVI escreveu na sua recente primeira Carta Encíclica refere-se ao mundo do mar: "...não deve haver uma forma de pobreza tal, que sejam negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna" (2).

6. Portanto, a Delegação da Santa Sé deseja elogiar todos os delegados e os funcionários da Organização Internacional do Trabalho pelo seu compromisso e pelo duro trabalho que levaram a cabo nos últimos cinco anos, em vista de desenvolver a Convenção Consolidada do Trabalho Marítimo, e congratula-se com eles e com os dedicados funcionários desta Organização, por terem conduzido o mundo marítimo a este fundamental ponto de mudança. Se for adoptada, tempestivamente ratificada e aplicada de maneira eficaz a nível nacional, esta mudança produzirá grandes benefícios para a vida de milhões de pessoas ao longo do tempo, enquanto constituirá um exemplo de boa prática para todo o mundo industrializado. O novo instrumento que foi proposto teve em consideração a economia globalizada do mundo contemporâneo e mostra o lado positivo da mesma, que a mencionada Encíclica expressa com os seguintes termos: "Superando as fronteiras das comunidades nacionais, a solicitude pelo próximo tende, assim, a alargar os seus horizontes ao mundo inteiro" (3).

7. Neste momento crucial, todos os delegados têm a oportunidade de ampliar o horizonte da solidariedade, adoptando a Convenção Consolidada do Trabalho Marítimo. Quando o fizer, a indústria marítima globalizada caminhará rumo a uma maior igualdade e justiça para todos.

Obrigado, Senhor Presidente.


Notas

1. Conferência Internacional do Trabalho, 94ª sessão (marítima), 2006: Relatório do Director-Geral sobre o Desenvolvimento no sector marítimo. Genebra: ILO/OIT, 2006, pág. 7.
2. Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, 20.
3. Ibid., n. 30.

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