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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA REUNIÃO ANUAL
DO SEGMENTO DE ALTO NÍVEL DO CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL

DISCURSO DE D. SILVANO M. TOMASI

Genebra, 5 de Julho de 2006

 

Senhor Presidente

1. Na presente sessão, a finalidade do desenvolvimento equitativo regularmente fomentado pelo Conselho Económico e Social (ECOSOC) assumiu uma perspectiva nova e oportuna. O citado ECOSOC centra a sua atenção num tema tanto adequado como estratégico: "A criação de um ambiente que, a níveis nacional e internacional, favoreça um trabalho digno para todos e o seu impacto sobre o desenvolvimento sustentável". A Delegação da Santa Sé corrobora plenamente esta agenda, que salienta o lugar fulcral da pessoa humana e o valor do trabalho do homem, indicando o modo como superar a pobreza crónica e a marginalização. Com efeito, o trabalho digno traz consigo uma qualidade de vida que vai para além da produção: é uma dimensão da própria pessoa, que confere ao trabalho o seu valor mais sublime.

O número de pessoas que estão à procura de um trabalho e que esperam encontrá-lo, porque actualmente se encontram desempregadas, é mais elevado do que nunca, e isto tem como consequência o grave risco de que a luta contra a pobreza e em prol da realização das chamadas "Finalidades de Desenvolvimento do Milénio" venha a ser malograda, e que esta frustração possa provocar desordens comportamentais e, obviamente, um mundo menos seguro. Já em 1967, o Papa Paulo VI afirmava: "O desenvolvimento é o novo nome da paz" (Populorum progressio, 75 e 87).

Talvez tenha chegado a oportunidade de nos interrogarmos por que motivo uma boa parte da assistência financeira e dos intercâmbios tecnológicos directos não têm sido tão eficazes quanto se julgava que fossem, e de voltarmos a considerar o relacionamento entre o desenvolvimento e as finalidades mais amplas da cooperação internacional.

2. Se os indivíduos, os diversos grupos e as várias associações que formam a sociedade assumirem uma responsabilidade primária no campo da economia, numa sadia subsidiariedade, este esforço local poderá fazer progredir a economia. Ao nível basilar, é a criação de novos trabalhos que coloca a economia em movimento. A participação activa no campo do trabalho desvela as capacidades e energias criativas de cada pessoa, no momento específico e exacto nível de desenvolvimento de um determinado país. Gradualmente, a pobreza diminui, a emigração passa a ser uma opção e não uma necessidade e os padrões sociais começam a desenvolver-se, enquanto as pessoas abandonam o círculo vicioso da miséria e as condições indignas de vida. Assim, torna-se evidente que "o primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem" (João Paulo II, Carta Encíclica Laborem exercens, 6).

Para alcançar este objectivo em benefício das sociedades que estão a enfrentar o grave problema do desemprego, a assistência para a promoção das suas capacidades deverá adaptar-se ao nível de desenvolvimento de cada um dos países em particular. Deste modo, evitar-se-á o desperdício dos recursos. Os benfeitores descobrirão que a sua solidariedade é benéfica para os países receptores e, a longo prazo, também para eles mesmos.

Na nossa presente reciprocidade, à necessidade de preparar os produtos para o mercado global corresponde a responsabilidade de ajudar as populações das sociedades menos desenvolvidas a disporem da formação e da habilidade que lhes concedam uma justa oportunidade de competir.

Uma sociedade realista dá prioridade às opções que se alicerçam nas possibilidades locais de iniciativas económicas de trabalho intensivo, geridas com honestidade e competência responsável, que lhe permitam sair de um status quo paralisante. Esta iniciativa que visa a criação de novos trabalhos previne o efeito involuntário de uma certa assistência oficial ao desenvolvimento, que termina por enriquecer uma exígua série de corporações, ou pequenos grupos de pessoas, que assim tendem a impedir a democratização e chegam mesmo a tolerar a corrupção.

3. Quando se consolida o processo de transformação da sociedade, o trabalho digno contribui com outra importante dimensão, a de um sentido do futuro que seja promissor e que ofereça a possibilidade de recuperar o protagonismo pessoal e a auto-estima, e que favoreça uma estrutura social mais integrada. Com efeito, a família pode ser ajudada; as crianças já não são obrigadas a trabalhar e, pelo contrário, podem ter acesso à educação; e os valores da organização e da participação podem ser aprendidos. Tendo isto como fundamento, o trabalho serve como um dos principais elementos para a realização de cada mulher e de cada homem.

4. Assim, o caminho a percorrer parece ser o da aceitação política das condições que permitem a criação de empregos de ocupação intensiva a nível local, e esta criação de trabalhos combate a pobreza e dá início a uma transformação social. Não obstante, no contexto hodierno da globalização em que a riqueza aumenta, ainda subsiste o fosso entre os ricos e os pobres. A convergência ou coerência entre os protagonistas internacionais nos sectores da economia e do desenvolvimento pode multiplicar os resultados no âmbito da criação de trabalhos, e isto implica uma melhor coordenação das políticas de investimento financeiro, das reformas agrícolas e de acesso ao mercado em geral, e da boa governação. Desta forma, a eliminação progressiva da dívida externa será uma consequência desta estratégia.

Se as negociações comerciais da chamada "Rodada de Doha" não conseguirem concluir com alguns acordos positivos, os pobres e famintos do mundo inteiro terminarão por pagar o preço maiselevado, e a possibilidade de crescerem, de se desenvolverem e de encontrarem um trabalho digno desvanecer-se-á por um longo período. A coragem e a criatividade política, para assumir os necessários compromissos, podem contudo levar à renovação de uma acção conjunta e demonstrar um empenhamento concreto que vise a eliminação da pobreza no plano mundial, que ainda representa um escândalo e uma ameaça para a paz e a segurança.

Nesta conjuntura da história, em que a família internacional das nações deseja promover "melhores padrões de vida em maior liberdade", os interesses particulares das agências e dos países deveriam ceder lugar à oportunidade de uma acção coerente em vista do bem comum, de uma participação mais equitativa por parte de todos no campo do comércio, nos actos decisórios e nos benefícios oferecidos pelo desenvolvimento em geral.

5. O trabalho e o desenvolvimento exigem uma mudança da atenção e das prioridades, a fim de que um ambiente que torne possíveis a paz, o diálogo, o respeito pela subsidiariedade e a participação possa permitir a promoção do trabalho digno e, em última análise, o desenvolvimento de cada pessoa. A proposta "Uma década em prol do emprego integral e produtivo e do trabalho digno para todos" poderia servir como período de reflexão e de acção, em vista destas mesmas prioridades. As regras da economia e do comércio, o progresso técnico que podemos constatar diariamente e o compromisso político numa ordem internacional mais justa: todos estes são elementos integrantes de um ambiente destinado à salvaguarda da dignidade e da criatividade de cada pessoa humana, enquanto assegura um porvir de justiça e de paz para toda a família humana.

 

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