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SECRETARIA DE ESTADO

APRESENTAÇÃO DO LIVRO
DO CARDEAL ANGELO SODANO:
«O FERMENTO DO EVANGELHO.
A PRESENÇA DA SANTA SÉ NA VIDA DOS POVOS»

Intervenção de Mons. Gabriele Caccia

Intervenção de Mons. Pietro Parolin


Intervenção de Monsenhor Gabriele Caccia
Assessor para os Assuntos Gerais da Secretaria de Estado

Juntamente com Mons. Pietro Parolin, Subsecretário para as Relações com os Estados, tenho a honra de apresentar este volume que reúne 12 intervenções significativas do Card. Angelo Sodano, nomeado Secretário de Estado por Sua Santidade João Paulo II, a 1 de Dezembro de 1990.

Desde 1961 ele serviu a Santa Sé em cargos e funções de progressiva e crescente responsabilidade, até desempenhar por mais de 15 anos a função de primeiro colaborador do Sumo Pontífice, "Pastor da Igreja Universal aqui na terra". São Gregório Magno escreve no início da sua Regra pastoral que "o governo das almas é a arte das artes" (I, 1).

Neste livro o Card. Sodano reúne a experiência maturada no tempo como pastor de almas: um pastor ao qual não foi confiada directamente uma porção do povo de Deus, mas o privilégio de cooperar na solicitude pelo inteiro rebanho do Senhor ao lado do Sucessor do Apóstolo Pedro, o Romano Pontífice. Ele dedica esta sua obra precisamente aos dois Papas que serviu directamente: à memória do Servo de Deus João Paulo II e em homenagem a Bento XVI, com um pensamento cordial ao Cardeal Tarcisio Bertone no momento em que lhe transmite, "como nos jogos olímpicos, o cargo recebido" (pág. VI).

Na introdução o Autor define este livro "uma recordação" que deixa como agradecimento a "quantos me apoiaram nestes anos, colaborando no desempenho da minha missão" (pág. VI). Portanto, um gesto de gratidão e de amizade para com os vários colaboradores na Secretaria de Estado, na Cúria Romana e nas Nunciaturas Apostólicas; um pensamento reconhecido também aos membros do Corpo Diplomático junto da Santa Sé e às demais personalidades da vida política e social que apoiaram as iniciativas de paz entre os povos e as obras de caridade da Igreja ao serviço dos pobres. Ao tomar a palavra para apresentar a obra, oferecida pelo Autor a cada um dos seus colaboradores, tenho a certeza de que me faço intérprete de quantos tiveram a honra de colaborar com ele ao longo destes decénios, manifestando ao mesmo tempo o meu reconhecimento pessoal por ter tido a possibilidade de percorrer com ele uma boa parte do caminho ao serviço do Sucessor de Pedro e da Igreja universal.

O momento particular no qual é editado o cumprimento precisamente do seu mandato como Secretário de Estado oferece ao Autor a oportunidade para evidenciar a ideia-guia do seu longo e proveitoso serviço à Santa Sé, ao lado daquele que, como Sucessor de Pedro recorda o Concílio Vaticano II "é o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade quer dos bispos quer da multidão dos fiéis" (Lumen gentium, 23). Menções e recordações pessoais entrelaçam-se com temáticas teológicas e pastorais, sugestões de espiritualidade eclesial acompanham-se com a recordação constante do papel da Igreja no actual contexto internacional, um papel religioso de fermento, luz, guia e apoio moral dos povos. Poder-se-ia entrever no fundo o desejo de responder a uma pergunta que muitas vezes ele mesmo ouviu fazer ao longo dos anos, pergunta aceite e relançada frequentemente pelos mass media sobre o sentido e significado da presença da Santa Sé na vida dos povos. A missão da Igrejaéunicamentepastoraloutem também uma função política? Qual a característica peculiar da acção diplomática da Santa Sé? E finalmente, que papel tem a Igreja e a Santa Sé no mundo?

Certamente o volume não pretende tratar de maneira sistemática questões de tão alto relevo; nem é um tratado teológico, jurídico ou pastoral sobre a Igreja e sobre a Santa Sé. Estamos na presença de uma selecção de intervenções que o Cardeal Secretário de Estado pronunciou em nome do Santo Padre em Assembleias por vezes meramente eclesiais e outras em contextos internacionais e políticos; as primeiras, realizações de cunho mais pastoral e as segundas com articulações mais jurídicas. Portanto, limitar-me-ei a uma breve apresentação das primeiras, deixando as outras a Mons. Parolin. Contudo há algo que as une a todas e constitui o fio condutor que as torna modulações de um mesmo tema fundamental. A Santa Sé, precisamente porque está unida de modo íntimo ao Sucessor de Pedro, também quando age no âmbito diplomático ou em questões de natureza social não se afasta do fundamental horizonte pastoral da Igreja. A finalidade permanece sempre a mesma: a salvação, a "salus animarum". Vale a pena reler a afirmação com a qual inicia o Decreto do Concílio Vaticano II sobre a actividade missionária da Igreja: "A Igreja, enviada por Deus a todos os povos para ser o sacramento universal de salvação... obedecendo ao mandato do seu Fundador, esforça-se por anunciar o Evangelho a todos os homens" (Ad gentes, 1). Quando a Igreja age e trabalha é sempre para responder a este mandamento específico que lhe foi confiado pelo seu Fundador, Jesus Cristo. Para realizar a sua missão ela intervém, segundo as situações, com meios e instrumentos diversos; para nos compreendermos melhor, poder-se-ia falar de modulações diversas de um mesmo tema, de caminhos diferentes que conduzem à mesma meta, de métodos entre si não idênticos mas contudo concordantes. Desde as primeiras páginas o Cardeal Sodano ressalta bem a missão pastoral da Santa Sé destinada a "infundir na vida das nações o fermento cristão" (pág. 3), a "levar o fermento do Evangelho de Cristo à vida dos indivíduos e das nações" (pág. 4). No desempenho das várias tarefas que me foram confiadas pelo Papa, observa o Autor, pude verificar a importância da presença da Santa Sé em numerosos âmbitos de actividade internacional "para insuflar no coração da civilização contemporânea aquele fermento inovador que é precisamente o Evangelho de Cristo" (pág. V).

Para ilustrar esta missão e, por conseguinte, o sentido da presença da Santa Sé no mundo, o Cardeal Sodano escolhe a imagem evangélica do fermento. Eis então o título do livro: "O fermento do Evangelho". Mas por que o fermento? Para que a massa levede é necessário o fermento e que este seja bom. Na introdução e depois nos 12 capítulos o Cardeal retoma esta imagem evangélica que lhe é familiar desde os primeiros anos da infância quando, na casa rural de família, a mãe Delfina amassava o pão quotidiano (pág. VIII). E ilustra a actividade da Santa Sé precisamente como uma presença que é o "fermento"; uma presença que é "fermento" de verdade, de amor, de paz; uma presença que age de modo discreto e paciente, no silêncio e dentro da história e das situações muitas vezes conflituais da humanidade. Presença evangélica e evangelizante que compromete quantos fazem parte da Santa Sé a proclamar e a testemunhar sempre e só o Evangelho em todas as situações, servindo-se de instituições concretas para alcançar esta finalidade (pág. 7).

Portanto, a Igreja existe para evangelizar; "existe para santificar. Ela não tem outra finalidade"; sendo comunidade de salvação é também instituição de salvação (pág. 16). Ela proclama com todos os seus órgãos ou estruturas o Evangelho da dignidade da pessoa e da família, o Evangelho da concórdia e da paz, o Evangelho da justiça e do amor (pág. 11). A consciência de uma tarefa tão importante e delicada nunca deve faltar em todos os que estão chamados a trabalhar no "coração" da Igreja, ao lado do Vigário de Cristo. A este propósito, é eloquente como nunca o testemunho que o Autor cita, tirado de "Il Giornale dell'anima" do Beato João XXIII: "Na verdade sempre considerei que para um eclesiástico a diplomacia deva estar permeada de espírito pastoral; diversamente não tem valor algum e ridiculariza uma missão santa" (pág. 10).

A plena compreensão da tarefa e do papel da Santa Sé só se pode ter considerando o vínculo profundo com o "carisma petrino". De facto, ela está ao serviço do Sucessor de Pedro, do "servo dos servos de Deus". O vínculo estreito que une os colaboradores da Santa Sé com o Sumo Pontífice exige de cada um deles uma responsabilidade cada vez mais sentida. Nas páginas do livro sobressai o eco de um estilo de serviço que nos foi recordado muitas vezes pelo Cardeal Sodano nos nossos encontros: quem trabalha na Secretaria de Estado, nas repartições da Cúria Romana ou nas Nunciaturas Apostólicas está chamado a desempenhar a própria tarefa com disponibilidade interior, abnegação e fidelidade indiscutível. Quando se trabalha ao serviço do Papa não se age como "cavaleiros solitários", afirmando as próprias ideias e realizando projectos pessoais, mas é a fidelidade ao Vigário de Cristo o critério de cada acção e decisão.

E a este propósito o Cardeal Sodano cita com veneração o seu predecesor, o Cardeal Agostino Casaroli, que por ocasião do seu 50º aniversário de sacerdócio disse: "Fidelidade absoluta. Penso que esta deva ser a primeira característica de toda a Cúria Romana, diria, a primeiríssima característica de todos os que estão chamados a servir mais de perto o Santo Padre" (pág. 64).

Estamos gratos ao Cardeal Sodano sobretudo por isto: pelo exemplo que deu, pelos conselhos que prodigalizou nestes anos aos seus colaboradores e pela mensagem que nos deixa, uma mensagem útil como nunca para quem desempenha uma singular missão eclesial ao lado do Sucessor de Pedro, missão que o próprio Cardeal continuará a partilhar como Decano do Colégio Cardinalício. Na Igreja, desde o seu início, nunca faltou a consciência de que a mensagem evangélica é capaz de elevar e nobilitar o compromisso do homem em cada âmbito (pág. 73). "De facto, não existe outra razão anota o Cardeal da presença da Igreja no mundo, a não ser a de continuar a obra do seu Senhor. Com efeito, ela foi bem definida como o Cristo difundido e prolongado nos sécluos" (pág. 74). Isto é ainda mais verdadeiro no nosso tempo, onde os desafios maiores não são de ordem económica nem técnica, mas antes de tudo de ordem ético-espiritual (pág. 110). O livro apresenta assim um convite ao compromisso e à esperança; uma exortação a contar sempre com a força renovadora da Igreja, permanecendo à escuta da palavra de Cristo e confortados pela sua promessa: "Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos" (Mt 28, 20). Os homens passam, mas Cristo é vivo e não morre.


Intervenção de Mons. Pietro Parolin
Subsecretário para as Relações com os Estados

Reli com prazer os textos das conferências que o Eminentíssimo Senhor Cardeal Angelo Sodano, na conclusão do seu mandato como Secretário de Estado dos Papas João Paulo II e em seguida de Bento XVI, desejou reunir no bonito livro: O fermento do Evangelho. A presença da Santa Sé na vida dos povos e, como sinal de gratidão, dedicar a todos aqueles que estiveram próximos dele durante estes anos. O livro reúne numerosos dados da vida e da história da Igreja e da Santa Sé, entendida como seu órgão central, enquanto oferece uma série de sugestões acerca da sua missão no mundo contemporâneo, que são de grande utilidade. Antes de passar a discorrer brevemente sobre esta riqueza, gostaria de reflectir sobre outro aspecto. Cada obra diz-se possui um dúplice conteúdo: por um lado, as ideias e os conceitos expressos pelo autor e, por outro, as reacções intelectuais, espirituais e emotivas que suscita no leitor. Lendo as páginas de O fermento do Evangelho, voltei a encontrar aqueles traços do Superior que aprendi a conhecer e a estimar durante os anos de colaboração, cada vez mais estreita, na Secretaria de Estado: a sua visão, o seu espírito e o seu método.

Em primeiro lugar, a sua visão caracterizada por um forte realismo cristão. O mal existe no mundo (pág. 5) de numerosas formas, e as suas forças destruidoras ameaçam continuamente o homem, a sociedade e a civilização (pág. 42), mas o mal não é a última palavra, porque a pessoa humana tem a capacidade, "com a ajuda de Deus, de superar as forças do mal e de encontrar os recursos materiais e espirituais para enfrentar os (seus) desafios" (pág. 106). E isto em virtude da obra redentora e transformadora de Jesus Cristo, que a Igreja continua no tempo e no espaço; uma mulher completamente comprometida na infusão do fermento de vida nova no coração do mundo" (pág. VI) que bonita imagem! não tem outra razão de ser, excepto a de dar continuidade à obra do seu Senhor, introduzindo no coração do mundo aqueles valores que Cristo nos revelou, capazes de gerar uma vida nova e de enobrecer o sentido da existência humana (pág. 74). Daqui nasce a esperança, a esperança invencível, da qual o Cardeal diz: "Esta visão de esperança sustentou-me também a mim, durante os anos do meu serviço à Santa Sé, inspirando muitas das minhas intervenções por ocasião de acontecimentos nacionais e internacionais" (pág. VIII).

A leitura directa do livro confirma este facto. Nele ressoam de modo explícito muitas exortações à esperança: "Mesmo no meio das dificuldades do momento presente, a fé cristã convida-nos a não ter medo do homem, a não temer o porvir. O Evangelho de Cristo possui um valor transformador também para a civilização contemporânea... com a luz que provém do Evangelho de Cristo e com a força que brota da sua graça, juntos nós podemos preparar o advento do terceiro milénio da era cristã, com a esperança de que ele assinale uma nova primavera do espírito humano" (pág. 16). "Isto leva-nos a ter boas esperanças no futuro, apesar das nuvens que parecem ameaçar o horizonte" (pág. 135).

Quanto ao espírito, trata-se daquele que foi oportunamente enunciado pelo Beato Papa João XXIII, no seu Jornal da alma, no momento de deixar a Nunciatura de Paris para ir governar a Sede patriarcal de Veneza, como Mons. Assessor já recordou. Por conseguinte, o Card. Sodano gosta de citar o art. 15 da Constituição Apostólica Pastor Bonus, quando afirma que "todas as questões devem ser abordadas (pela Secretaria de Estado, pelos demais Dicastérios da Cúria Romana, pelas Nunciaturas e Delegações Apostólicas, etc.), sempre com critérios pastorais, com a atenção voltada... para a salvação das almas" e, por experiência pessoal, pode garantir que "este é o compromisso dos responsáveis das várias Instituições, que de diversas maneiras colaboram com o Pastor da Igreja universal" (pág. 6).

Enfim, o método é o da presença discreta. É essencial que a Santa Sé acompanhe os esforços da comunidade internacional, precisamente para poder agir a partir de dentro, "como o clássico fermento da mulher do Evangelho", não obstante todas as dificuldades e também as oposições. "A ideia de seguir a política da "cátedra vazia" ou, pior ainda, de "bater a porta" não podia ser tomada em consideração", reflecte o Cardeal em relação às grandes Conferências internacionais, que se seguiram na década dos anos 90: "Eu mesmo orientei a Delegação da Santa Sé em três destas Conferências, sentindo pessoalmente a importância de uma presença iluminadora e estimuladora sobre temas que tocavam ou ainda tocam de perto o destino da humanidade" (pág. 12). A discrição é o método de intervenção de Deus na história humana e, portanto, deve ser o método da sua Igreja (pág. VII). Assim, a propósito da multilateralidade, o Cardeal fala de "mil sacrifícios, períodos prolongados, participação nas comissões preparatórias, contactos informais, sensibilização dos mais próximos e reuniões de especialistas" (pág. 14).

Passo aos conteúdos. O livro cita doze discursos do Eminentíssimo Senhor Cardeal Sodano. Ele tencionava oferecer um simples ensaio exemplificativo das numerosas intervenções que pronunciara durante o cumprimento do seu alto cargo, incluindo muitos outros temas, além dos que aqui estamos a considerar, como por exemplo o desarmamento, a saúde, os migrantes e sobretudo a paz. O Card. Sodano foi Secretário de Estado ao lado de dois Papas durante quase 16 anos, num período consideravelmente longo, tanto por si mesmo como em proporção à duração do serviço dos Secretários de Estado ao longo da história; um período particularmente complexo e turbulento, se consideramos apenas o final da guerra fria, os dois conflitos do Golfo e dos Balcãs, o desencadeamento do terrorismo internacional após o dia 11 de Setembro de há cinco anos, a busca fadigosa e não realizada de uma nova ordem mundial capaz de governar a globalização e de a transformar, para o bem de todos, numa oportunidade de crescimento e de desenvolvimento na paz.

Por conseguinte, trata-se de uma opção limitada, mas que consegue focalizar bem o objectivo fundamental de expor, em termos claros que todos possam compreender este é o seu estilo! o sentido da presença da Santa Sé no seio da comunidade internacional, os princípios fundamentais em que ela inspira a sua actividade multiforme e paciente (cf. o martírio da paciência do Card. Casaroli, citado na pág. 67) e as modalidades concretas com que os põe em prática a níveis bilateral e multilateral, no areópago global das Nações Unidas e no âmbito de todas as outras Organizações internacionais. O sentido é o homem. O Senhor comenta o Cardeal "transmitiu à Igreja a sua paixão pelo homem", e é por este motivo que, "segundo uma antiga tradição e em conformidade com os princípios do direito internacional, o Servo dos servos de Deus cumpre a sua missão diplomática ao serviço dos homens e de todos os povos, prescindindo da sua crença religiosa, mas sempre para ser fiel ao seu próprio ministério pastoral" (pág. 26). Por conseguinte, a centralidade da pessoa humana é o princípio inspirador da acção diplomática da Santa Sé. Sublinha-o vigorosamente a intervenção de Copenhaga, proferida no dia 12 de Março de 1995, por ocasião do encotnro sobre o desenvolvimento social: o ser humano está no cerne do desenvolvimento.

Em síntese, a Santa Sé coloca o serviço à dignidade do homem no primeiro lugar de todas as actividades políticas e jurídicas internacionais. Tudo deve ser visto nesta perspectiva: a liberdade religiosa e a liberdade de consciência, o direito à vida desde a concepção atè à morte natural, o complexo dos direitos pessoais políticos, sociais e económicos, o direito dos Estados a relações internacionais justas para prover ao bem comum dos cidadãos e fomentar a paz no mundo, etc. Outro capítulo ao qual o Card. Sodano dedica um amplo espaço é o da solidariedade e do dever da solidariedade (pág. 92): "O desenvolvimento assevera, por exemplo, na intervenção de 8 de Setembro de 2000 nas Nações Unidas é uma noção global, que tem como objectivo a promoção do bem e da dignidade da pessoa, considerada na sua integridade. E os meios para o alcançar podem resumir-se numa única palavra: solidariedade" (pág. 84). Portanto, exorta a encontrar de novo "o sentido da comunidade, o sentido de interdependência e de solidariedade que unem as pessoas e as gerações, as famílias e os povos" (pág. 102), em vista de construir aquela "civilização do amor", à qual o Cardeal dedica a conferência pronunciada no Círculo de Roma no dia 26 de Fevereiro de 2004, onde define o amor como o "princípio vital" e a "alma" da cultura e da civilização.

Enfim, amplamente desenvolvida é a consideração sobre a necessidade de colocar os valores éticos no fundamento de toda a construção social e de toda a convivência humana: se "a hodierna crise ecológica constitui um aspecto preocupante de uma crise moral mais profunda" (pág. 91), então é impensável uma segurança que deixe de se alicerçar em "bases morais seguras" (pág. 115); "uma sociedade que não está ancorada sobre sólidos valores éticos é uma sociedade desorientada, desprovida do fundamento essencial sobre o qual possa constituir-se e fazer perdudar o almejável desenvolvimento social" (pág. 100). O discurso refere-se particularmente à Europa, continente ao qual o Cardeal não deixa de dirigir um olhar repleto de estima e, ao mesmo tempo, de preocupação.

No que diz respeito às modalidades concretas, limito-me a recordar o discurso proferido pelo Cardeal em Varsóvia (Polónia) no dia 18 de Junho de 2003, por ocasião da recepção do doutorado honoris causa da Universidade "Kard. Stefan Wyszynski", e cito aqui somente os esclarecimentos que o próprio Cardeal Sodano retomara na sua intervenção pronunciada na reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados participantes na Conferência sobre a Segurança e a Cooperação na Europa (Nova York, 2 de Outubro de 1990): "a) a natureza religiosa da Santa Sé leva-a a frisar sempre o primado da paz e a necessidade da busca de respostas pacíficas para a solução dos contenciosos internacionais; b) a natureza universal da Santa Sé impele-a a acompanhar com preocupação todas as situações críticas do mundo; c) enfim, a natureza humanitária da Santa Sé fá-la ressaltar a necessidade de tomar todas as medidas adequadas a fim de que as populações civis e, sobretudo, as crianças, os doentes e as pessoas alheias aos conflitos não venham a sofrer por causa das decisões tomadas para resolver as diversas crises" (pág. 28). Estes são os instrumentos da "política" da Santa Sé, através dos quais ela tem agido sob a orientação do Santo Padre Bento XVI, inclusive no recente conflito que assolou o Líbano.

Uma última reflexão, antes de concluir: das páginas do livro O fermento do Evangelho sobressai claramente a "fundamentalidade" do elemento humano. O que tenciono dizer com isto? Estamos firmemente convictos de que é o Senhor que guia a história, mas para isto Ele serve-se normalmente de numerosos "servos humildes da sua vinha" que, sustentados pela fé e animados por um forte amor pela Igreja e por um profundo sentido de serviço à humanidade, dão alma e força à acção internacional da Santa Sé. Em primeiro lugar, o nosso pensamento dirige-se aos Pontífices recordados no livro, sobretudo aos Papas mais próximos de nós no tempo: Pio XII, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, a quem o Cardeal Sodano faz muitas referências, bem como ao Pontífice hoje reinante, Sua Santidade Bento XVI. Além disso, é bonito ler as páginas repletas de lembranças pessoais e de comovida admiração, relativas ao Purpurado que precedeu o Cardeal Sodano como Secretário de Estado, Cardeal Agostino Casaroli, cujos traços humanos, sacerdotais e diplomáticos foram por ele felizmente delineados na circunstância da comemoração realizada no Seminário episcopal de Bedonia, Piacenza (Itália, no dia 26 de Junho de 2003, cinco anos depois da morte do Cardeal Casaroli (pp. 59 ss.). São também significativas as boas-vindas dirigidas ao seu Sucessor, o Eminentíssimo Senhor Cardeal Tarcísio Bertone (pág. VI).

O Card. Sodano parece dizer que, na sequência das pessoas, cada uma enriquecida com os seus próprios dons e carismas, está assegurada uma fundamental continuidade de ensinamento, de testemunho, de serviço e de colaboração fiel no ministério universal do Papa, a fim de que o fermento do Evangelho de Cristo que é o Evangelho da pessoa e da família, o Evangelho da concórdia e da paz, o Evangelho da justiça e do amor (pág. 11) possa continuar a fazer crescer a vida dos indivíduos e das nações. O Card. Sodano não os cita por nome, mas certamente não se esquece dos seus Colaboradores Superiores e Oficiais da Secretaria de Estado. Em seguida, torna o mesmo carinho e reconhecimento extensivos aos Funcionários das Representações Pontifícias, a começar pelos Chefes de Missão e os Colaboradores com funções diplomáticas que, em condições frequentemente difíceis, representam o Papa junto das nações e das organizações internacionais, dotados com uma perspectiva apostólica e como instrumentos de comunhão (pp. 6-7).

O Card. Sodano utilizou a imagem do fermento, como fio condutor do seu livro. Faço votos por que, graças a este fermento, também esta sua obra se torne verdadeiramente pão bom para todos nós. Obrigado!

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