The Holy See
back up
Search
riga

 INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA SESSÃO
DO CONSELHO SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM

DISCURSO DE D. SILVANO MARIA TOMASI
SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA

Genebra, 23 de Março de 2007

 

Senhor Presidente

1. A Delegação da Santa Sé aprecia enormemente a atenção que se tem reservado à salvaguarda dos direitos da criança nos últimos estudos e debates. Com efeito, a criança não deveria ser inserida apenas num lugar preeminente da agenda política, mas sim no próprio fulcro do seu interesse:  o futuro da sociedade depende das crianças e do modo como as mesmas são preparadas para ela; por isso, a sua vulnerabilidade exige uma protecção particular. A criança não é um instrumento, nem um objecto. A Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança atribui à criança os direitos humanos fundamentais, reconhecendo que ela tem as mesmas igualdade e dignidade de qualquer pessoa adulta. No seu preâmbulo, tal Convenção afirma que, em função da sua imaturidade, a criança "tem necessidade de salvaguarda e cuidados especiais, incluindo a protecção legal apropriada tanto antes como depois do nascimento". Respeitar as crianças significa respeitar a humanidade.

2. Em muitos casos, por causa da falta de vontade e de recursos, não se tomam boas providências legais e políticas públicas, com graves consequências para as crianças. Elas tornam-se com frequência as primeiras vítimas da miséria e das guerras. São mutiladas por minas que não explodiram, desprovidas do ensino escolar, não dispõem de alimentação suficiente, são obrigadas a dormir e a sobreviver à margem dos centros urbanos, atingidas pela Sida, malária e tuberculose, sem ter a possibilidade de receber medicamentos, vítimas do traficantes, recrutadas em exércitos irregulares, desarraigadas por deslocamentos forçados e impelidas a enfrentar prolongadas horas de trabalho debilitador. Estes milhões de jovens vítimas constituem um símbolo vivo da existência de desigualdades e de sistemas malogrados. Infelizmente, estas não são as únicas contradições que atingem as crianças no nosso mundo globalizado. A numerosas crianças nega-se o direito à vida; a selecção pré-natal elimina tanto os fetos sobre os quais subsiste a suspeita de deficiências, como os fetos femininos, simplesmente por causa do seu sexo, e assim acaba por negar o valor igualitário e intríseco das pessoas portadoras de deficiência e das meninas, quer para as respectivas famílias como para a sociedade em geral. De numerosas maneiras, a violência perpetrada contra as crianças continua, com a humilhante violação dos seus direitos como seres humanos.

3. Se o respeito pelos direitos humanos das crianças constitui um dos parâmetros da saúde de uma sociedade, então é urgente o reconhecimento legal de tais direitos. O direito primordial das crianças é o de nascerem e serem educadas num ambiente familiar aconchegante e seguro, onde se garanta o seu crescimento físico, psicológico e espiritual, onde se desenvolvam as suas potencialidades e onde a consciência da sua dignidade pessoal venha a tornar-se o alicerce para o relacionamento com os outros e para fazerem face ao futuro. A meta da eliminação da violência contra as crianças e da promoção de um contexto construtivo e sadio para o seu desenvolvimento exige que o Estado e a sociedade ajudem concretamente a família, tornando-a capaz de desempenhar a tarefa que lhe é própria. Com efeito, uma maneira vital de se opor à vulnerabilidade das crianças consiste em fortalecer as famílias em que as mesmas são chamadas a crescer, a desenvolver-se e a serem formadas como cidadãos responsáveis e produtivos nas suas comunidades locais e no conjunto da sociedade. Os governos devem assumir a função que justamente lhes compete, de proteger e de promover a vida familiar, uma vez que a família possui evidentes vínculos vitais e orgânicos com a sociedade. A criação de condições que fomentem a paz e o progresso económico, uma responsabilidade permanente das comunidades nacionais e internacionais, abrirá o caminho para a redução e, eventualmente, também para a eliminação das situações que prejudicam as crianças de uma maneira desproporcionada. Sem dúvida, a minha Delegação concorda que todas as formas de violência perpetradas contra as crianças são injustificáveis, e por isso devem ser evitadas e impedidas.

4. Portanto, os esforços coerentes em vista de eliminar o abuso contra as crianças hão-de rejeitar a exaltação da violência na cultura pública da sociedade. A educação torna-se um instrumento crítico para inculcar não apenas a tolerância pela coexistência nas sociedades contemporâneas, que em toda a parte estão a experimentar um maior pluralismo, mas também a estima e o respeito pelo próximo, a abertura ao diálogo numa busca harmoniosa do bem comum e também do amor, como um vínculo mais edificante em vista de um funcionamento da sociedade organizada. Seria uma renovada forma de violência contra as crianças, se o Estado decidisse impor um paradigma específico de consciência moral sobre as crianças, sem ter em consideração as convicções morais e religiosas dos respectivos pais. A sociedade civil tem um papel essencial a desempenhar, para ajudar a família e contrastar todas as formas de abuso contra as famílias. Por sua vez, as mais de trezentas mil instituições sociais, assistenciais e educativas da Igreja católica trabalham diariamente para assegurar uma educação pacífica e ao mesmo tempo criativa às crianças, para garantir o desenvolvimento dos seus talentos e fazer com que as crianças vítimas de abusos e de negligências sejam reintegradas, se possível, no interior das suas famílias, mas também na sociedade.

Senhor Presidente

5. As crianças representam e fragilidade e, ao mesmo tempo, a esperança! Fomentar a defesa dos seus direitos e a eliminação de todas as formas de abuso contra as crianças permanece um desafio institucional para a comunidade internacional. O bom êxito só será alcançado, se se der prioridade à função natural da família e à cultura pública, reconhecendo que inclusive as crianças são plenamente pessoas humanas.

Obrigado, Senhor Presidente!

 

top