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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ DURANTE
A CONFERÊNCIA DIPLOMÁTICA SOBRE AS MUNIÇÕES-CACHO

DISCURSO DE D. SILVANO M. TOMASI 

Dublim, 19 de Maio de 2008

 

Senhor Presidente

A delegação da Santa Sé sente-se particularmente honrada por se pronunciar no início desta conferência diplomática. Está feliz por observar que o bom êxito dos esforços concertados de um grande número de protagonistas está a levar a uma conclusão positiva de um processo que visa uma segurança e uma protecção maiores. Devemos superar uma visão redutiva e limitada que daria a ilusão de que a protecção só pode ser alcançada através das armas, especificamente as que nos empenhámos a eliminar.

Antes de tudo, a Delegação da Santa Sé deseja exprimir a própria satisfação por vê-lo, Senhor Embaixador, presidir aos actos deste encontro e facilitar as negociações para a obtenção de um acordo forte e operativo.

A Santa Sé oferece à Irlanda o próprio apoio e está disponível a unir as próprias forças a fim de edificar juntos um mundo mais humano, seguro e  cooperativo.

Senhor Presidente

Esta conferência de Dublim deriva da consciência de que uma acção concreta, credível e eficaz é necessária para responder a um problema que existe já há muito tempo.

Durante anos as Ongs, o comité internacional da Cruz Vermelha e vários países levantaram a questão das munições-cacho, inicialmente sem sucesso. Agora a nossa satisfação é grande. Hoje ninguém nega a existência de problemas humanitários ligados às munições-cacho, a urgência de uma acção colectiva e a necessidade de um esforço que traduza estas preocupações num desenvolvimento dirigido de direito humanitário internacional. Os diferentes interlocutores do processo de Oslo e os Estados que participam na Convenção sobre as armas convencionais (Ccw) concordam sobre esta urgência. Sem dúvida, existem diferenças importantes ainda relativamente a uma resposta apropriada.

Contudo, a Santa Sé não pode deixar de insistir sobre a prioridade da dignidade humana e dos interesses das vítimas, sobre a prioridade da prevenção e da estabilidade e o conceito de segurança baseada no mais baixo nível de armamento. A paz transcende grandemente o âmbito das considerações militares. A paz não é só ausência de guerra. Os direitos humanos, o desenvolvimento, a participação social e política, a justiça, a cooperação, estes e outros conceitos semelhantes, desempenham um papel importante na definição moderna de paz autêntica.

A segurança garantida pelas armas e pela força é efémera e ilusória. As munições-cacho ilustram-no perfeitamente.

Até as chamadas vitórias se demonstram derrotas duradouras para a população civil, para o desenvolvimento, para a pacificação e estabilidade. Décadas após a utilização de munições-cacho a paz conserva um sabor amargo com milhares de vítimas, o atraso do desenvolvimento socioeconómico e um considerável desperdício de recursos humanos e financeiros.

A possibilidade de uma decisão é-nos dada aqui e agora. Num mundo globalizado e cada vez mais interdependente os problemas de alguns são os problemas de todos:  dos países ricos e dos pobres, dos que produzem e exportam munições-cacho e dos que as importam, dos que as utilizam e dos que não as utilizam. O que não se fizer hoje, deverá ser feito amanhã com um acréscimo de sofrimento, de custos económicos e de feridas profundas para curar.

É natural que alguns países enfrentarão dificuldades maiores para honrar os empenhos que nascerão do futuro instrumento. Todavia, tende certeza disso, os países e as vítimas atingidas são os que pagaram e continuam a pagar o preço maior. Também os que devem renunciar a este tipo de armas, os que cessaram de as exportar, aqueles obrigados a destruir os próprios arsenais, os que se empenharão em actividades de desminagem e benfeitoria, os que investirão recursos para as vítimas, as suas famílias e comunidades, todas as pessoas envolvidas nas várias actividades humanitárias deverão fazer alguns esforços. Estes últimos deverão ser considerados pelos chefes políticos e militares e pelas pessoas dos seus países como uma participação necessária mas também bastante gratificante na edificação de um mundo mais seguro e pacífico no qual cada um possa gozar de maior segurança.

Neste e noutros contextos, a cooperação é essencial para o sucesso. Uma cooperação entre os Estados, Nações Unidas, organizações internacionais, comités da Cruz Vermelha e Ongs, é o segredo para um sucesso comum e um elemento indispensável para obter o futuro instrumento. As vítimas deveriam ter um lugar privilegiado neste projecto. O seu papel deveria ser activo desde o início até ao fim. Nas negociações em curso, cada parte deveria ter um papel apropriado para fazer com que a convenção a adoptar resulte completa, forte e operativa. Todos são necessários para a realização deste projecto. Trabalhemos unidos para enfrentar hoje o desafio da adopção e amanhã o da realização!

Senhor Presidente

É verdade que os Estados têm o direito de defender a paz, a segurança e a estabilidade dos povos sob a sua responsabilidade. Contudo, pode-se obter melhor isto sem se servir da corrida aos armamentos e da guerra. Em 1965, no seu discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, o Papa Paulo VI recordou à comunidade das nações o desafio da paz sem recurso às armas: "Não se pode amar com armas ofensivas nas mãos. As armas, as terríveis especialmente, que a ciência moderna vos deu, antes ainda de produzir vítimas e ruínas, geram maus sonhos, alimentam sentimentos malvados, criam pesadelos, desconfianças e propósitos tristes, exigem enormes gastos, detêm projectos de solidariedade e de trabalho útil, alteram a psicologia dos povos. Até quando o homem permanecer o ser frágil, volúvel e também mau, como frequentemente o demonstra, as armas de defesa serão necessárias, infelizmente; mas vós, corajosos e valentes como sois, estais a estudar o modo para garantir a segurança da vida internacional sem recurso às armas: esta é uma nobilíssima finalidade, isto os povos esperam de vós, e isto é preciso obter!".

Presidente

Os povos, as vítimas, os países atingidos observam esta conferência diplomática e todos esperam de nós uma decisão corajosa, como o Papa Bento XVI lembrou ontem. O mundo espera um acto de fé na pessoa humana e nas suas mais elevadas aspirações de viver em paz e segurança, um empenho a tornar a solidariedade a expressão mais bonita da unidade da família humana e do seu destino comum.

Estou convicto, Senhor Presidente, de que no final da conferência todos os participantes sairão vitoriosos e satisfeitos por ter feito a escolha justa.

Obrigado, Senhor Presidente.

 

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