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INTERVENÇÃO DO ARCEBISPO CELESTINO MIGLIORE
 REPRESENTANTE DA SANTA SÉ NAS NAÇÕES UNIDAS
POR OCASIÃO DA CONFERÊNCIA DE DOHA (QATAR)
SOBRE O FINANCIAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO

1 de Novembro de 2008

Senhor Presidente!

Há seis anos os líderes do mundo reuniram-se em Monterrey, no México, para dar início a um novo processo destinado a enfrentar conjuntamente as exigências dos mais pobres entre nós. Naquele tempo, o mundo oscilava por causa dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 e do consequente declínio económico, mas apesar daqueles obstáculos, reuniram-se para formar o "Consenso de Monterrey" que criou uma nova ideia para um futuro compartilhado.

Hoje, encontramo-nos em Doha, no Qatar, para avaliar as lições aprendidas e elaborar modos e instrumentos para realizar a visão de Monterrey. Contudo, mais uma vez nos reunimos enquanto nos ameaça uma nuvem: a ansiedade pelas consequências políticas e económicas de uma crise financeira sem precedentes e pela persistente e devastante presença do terrorismo como demonstrado pelos trágicos acontecimentos em Mumbai, na Índia.

Esta crise é um enorme desafio para encontrar maneiras de se dedicar às exigências dos mais necessitados. Na base desta crise financeira não está o malogro da habilidade humana, mas da conduta moral. O desenfreado engenho humano criou sistemas e instrumentos para fornecer limites de crédito altamente financiados e insustentáveis que permitiram às pessoas e à sociedade de perseguir um excesso material em detrimento de uma sustentabilidade a longo prazo. Infelizmente, agora encontramo-nos diante dos efeitos desta ganância a curto prazo e desta falta de prudência. Consequentemente, quem nos últimos tempos tinha conseguido levantar-se de novo da pobreza extrema, agora provavelmente voltará a recair nela.

Frequentemente falamos de desenvolvimento sustentável como princípio dominante para os países em vias de desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas necessidades. Igualmente, o financiamento sustentável deveria satisfazer as actuais necessidades financeiras para o desenvolvimento garantindo, ao mesmo tempo, a preservação a lungo prazo e o aumento dos recursos. Chegou o momento de que os países industrializados e aqueles em vias de desenvolvimento reafirmem o princípio do desenvolvimento financeiro sustentável, o apliquem nos mercados financeiros e por conseguinte dêem vida a uma gestão económica verdadeiramente sustentável. Eis o grande desafio desta Conferência: nada menos que garantir, de modo sustentável, o financiamento para o desenvolvimento.

No fundo, o desenvolvimento global não é apenas uma questão de logística técnica mas, essencialmente, de moralidade. O desenvolvimento económico e social deve ser avaliado e realizado colocando a pessoa humana no centro de todas as decisões. Nos últimos seis anos assistimos ao aumento dos fluxos de ajuda e a desenvolvimentos positivos num certo número de indicadores e estatísticas. Contudo, permanecem os mesmos problemas: Quantas pessoas não têm acesso a comida? Quantas pessoas vivem com medo da guerra e da opressão? Quantas pessoas nem sequer têm acesso ao sistema de saúde de base e, quantas não têm um emprego decente que lhes permita a própria subsistência e a da sua família? Infelizmente, também a resposta é sempre a mesma: demasiadas pessoas. Estes problemas e preocupações devem estar no centro das nossas estratégias para garantir que o desenvolvimento seja avaliado não só com base no lucro financeiro, mas também, e de modo mais importante, com base em vidas sustentáveis.

Desde o tempo de Monterrey verificámos novamente a importância para todos os países de ter um bom Governo para oferecer os instrumentos necessários para o desenvolvimento pessoal e global. A liderança governativa que prevê sistemas financeiros eficazes, impostos justos, uma despesa responsável e uma boa administração do ambiente, lança a base sobre a qual os países podem edificar. A transparência, o estado de direito e o bom governo garantem a estabilidade e a firmeza financeira necessária para que exista a criação de empregos, receitas fiscais e crescimento a longo prazo. Além disso, o bom governo, o respeito pelos direitos humanos e a estabilidade social garantem os instrumentos com os quais os actores da sociedade civil, inclusive as instituições de inspiração religiosa, podem oferecer serviços que salvem e afirmem a vida e que frequentemente vão além das capacidades dos Governos nacionais e locais.

Os Governos nacionais têm necessidade da cooperação da comunidade internacional para acelerar o desenvolvimento económico e humano. Desde o tempo de Monterrey assistimos a um renovado compromisso para o alcance do objectivo de 0,7% do produto interno bruto na Official Development Assistance (ODA). Contudo, estamos muito longe de o ter alcançado e, recentemente, assistimos a uma ligeira diminuição na oda. Com muita frequência os países em vias de desenvolvimento afirmam que a assistência ao desenvolvimento é demasiado difícil, mas esta argumentação não é sincera, particularmente quando observamos que o aumento das despesas militares é muito superior àquelas para a assistência ao desenvolvimento. Igualmente, a recente crise financeira demonstra que quando a vontade política coincide com a solicitude pelo bem comum somos capazes de gerar, em poucos meses, fundos consideráveis para os mercados financeiros que são muito maiores que a quantidade total gasta pela oda. Certamente é superfluo dizer que a mesma vontade política e a mesma preocupação pelo bem comum dos sistemas financeiros valem também para os mais pobres e vulneráveis.

A comunidade internacional também deve alimentar um maior respeito pelas vozes daqueles países e indivíduos mais necessitados de assistência financeira. É novamente preciso ter em consideração as instituições de Bretton Woods e os chamados países do G8 e do G20 que devem garantir a escuta e o respeito das vozes daqueles que têm maior necessidade de desenvolvimento. Uma abordagem meramente vertical do desenvolvimento permanecerá insuficiente, a não ser que se preocupem mais com as pessoas cuja vida e cujo país estão em perigo. As Nações Unidas continuam a ser uma área de debate vital para reunir todas as vozes com o objectivo de promover uma maior solidariedade global.

Igualmente, é preciso prestar renovada atenção para garantir sistemas comerciais mais justos e imparciais. Nestes dias, ouvimos muitos apelos por um maior empenho para a realização das negociações comerciais do Doha-Round. Contudo, estes últimos continuarão a definhar a não ser que os países não manifestem a necessária força política para promover um comércio correcto e façam os inevitáveis sacrifícios requeridos. Além disso, recentemente, o desvio dos subsídios para o comércio, a especulação financeira, o aumento do preço da energia e a diminuição dos investimentos na agricultura ultimamente causaram dificuldades no acesso ao que é verdadeiramente necessário para a vida, ou seja, a alimentação. Esta volatilidade económica que atinge o centro da existência humana faz com que seja mais urgente encontrar um compromisso comum para enfrentar o comércio e o desenvolvimento global.

Senhor Presidente,

Neste momento particular, a incerteza e a ansiedade parece que prevalecem. Contudo, permanecem as virtudes e os princípios que fizeram com que a comunidade global superasse tantas outras crises: a solidariedade com a nossa comunidade global, uma partilha justa e imparcial dos recursos e das oportunidades, a utilização prudente do ambiente, o abster-se de procurar um lucro social e económico a curto prazo à custa do desenvolvimento sustentável e, por fim, a coragem política necessária para construir um mundo no qual a vida humana seja posta no centro de todas as actividades sociais e económicas. Acolhendo estes princípios fundamentais contribuiremos para criar um mundo no qual é acessível a todos o crescimento espiritual, económico e social.

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