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INTERVENÇÃO DO OBSERVADOR PERMANENTE DA SANTA SÉ
NA SESSÃO DO GRUPO DE ESPECIALISTAS GOVERNAMENTAIS
DOS ESTADOS PARTES DO V PROTOCOLO SOBRE RESÍDUOS BÉLICOS

DISCURSO DE D. SILVANO M. TOMASI

Genebra, 23 de Abril de 2009

Senhora Coordenadora

Primeiro de tudo gostaria de expressar a minha satisfação e a estima da Santa Sé pela excelente preparação e realização dos nossos trabalhos. Gostaria também de lhe exprimir a minha satisfação pela decisão de organizar esta reunião de especialistas com o objectivo de acelerar a prática das obrigações que todos assumimos ao ratificar o V Protocolo, numa tentativa de ligar, na teoria e na prática, o direito humanitário internacional e os direitos humanos. Reforçando o direito humanitário internacional com a adopção do V Protocolo, os Estados Partes reafirmam que a dignidade da pessoa é inalienável e no centro do Protocolo deveriam permanecer os sobreviventes e as vítimas dos resíduos bélicos explosivos. Prevenção e assistência são os dois pilares do Protocolo. Permita-me, Senhora Coordenadora, desenvolver alguns elementos sobre a questão da assistência às vítimas. Para este fim, limito-me a insistir sobre as três dimensões seguintes:

1. Todas as vítimas dos conflitos e das diversas categorias de armas e de munições têm o direito de receber assistência, sem qualquer discriminação. Porém, a ajuda oferecida deveria ser apropriada e específica. O que não deveria de modo algum levar à exclusão de pessoas ou de grupos de pessoas, vítimas directas ou indirectas, e deixá-las viver às margens da sociedade. Uma assistência adequada permite às vítimas ocupar um lugar digno no seio da sociedade. Um lugar digno significa antes de tudo serem tratadas como pessoas com plenos direitos, autónomas, activas, que participam na edificação de uma sociedade próspera e solidária.

A Santa Sé, através das suas instituições empenhadas na acção a favor das vítimas de minas, das munições de fragmentação, dos resíduos bélicos explosivos, procura contribuir para restituir às pessoas atingidas, em dezenas de países, a máxima normalidade, que é ser alunos, estudantes, camponeses, operários, artesãos ou trabalhadores independentes; ser pais ou mães de família; ser membros a pleno título da sociedade onde vivem. Para este fim, a educação e a formação profissional são o instrumento ideal no caminho da reinserção social, económica e política.

As vítimas dos resíduos bélicos explosivos não deveriam ser também vítimas de discriminação. Elas não esperam uma ajuda para sobreviver mas, pelo contrário, que se ponham em acção as condições que lhes permitam ser membros a pleno título das sociedades em que vivem e nas quais seriam capazes de oferecer a sua contribuição para a prosperidade e a paz, dado que foram as primeiras a experimentar na própria pele e na própria existência a natureza dos conflitos e as suas consequências. Dito isto, não se deveria esquecer a dimensão da compaixão e da proximidade humana, tão importantes para as vítimas e que constituem um apoio precioso, particularmente nas fases mais difíceis desta tragédia humana que as vítimas vivem, em muitos casos, sozinhas e na indiferença geral. Portanto, a assistência às vítimas é uma questão de dignidade, de direitos, de justiça e de fraternidade.

2. A segunda dimensão que gostaria de ressaltar é a da cooperação. A primeira responsabilidade é do Estado, de curar as vítimas. Mas tendo em conta que a grande maioria dos países atingidos pelos resíduos bélicos explosivos são países em vias de desenvolvimento e por conseguinte incapazes de cumprir as suas obrigações sem a ajuda internacional, os países doadores têm um papel importante a desempenhar. As ONGs e as comunidades religiosas, presentes nas regiões mais longínquas, devem também elas dar a sua contribuição. A Santa Sé, com um experiência rica de diversas décadas neste campo, considera que o modelo que produziu mais frutos no plano nacional, pelo menos até agora, é o da cooperação entre três actores principais: as instituições especializadas, o sector público e o sector privado.

Esta cooperação no plano nacional deveria ser completada por uma outra cooperação que reúne os governos, as agências das Nações Unidas e das organizações internacionais e a sociedade civil. Claramente, não se podem esquecer as vítimas e as organizações que as representam como elementos indispensáveis, a partir da análise da situação, passando pela definição das políticas apropriadas, até à realização dos planos adoptados.

3. A terceira dimensão ensina-nos a experiência no campo desde há muito tempo. Os grandes modelos e as reflexões teóricas mais generosas permanecem vazias, se não encontrarem a sua expressão cada dia na vida das vítimas. Por isso são indispensáveis as seguintes medidas concretas:

a. Garantir um orçamento regular adequado para a assistência às vítimas e sobretudo para garantir recursos humanos qualificados;

b. Criar as estruturas necessárias para a reabilitação física e psicológica;

c. Criar estruturas educativas e formativas para tornar possível a reinserção social, económica e política das vítimas;

d. Praticar uma política de assistência realista, tendo em conta não só a vítima directa mas também a sua família e a comunidade local. É neste plano que a exclusão pode ser mais evitada.

A experiência mostra-nos que cada vez que estes quatro elementos são garantidos conjuntamente, a integração das vítimas ocorre com sucesso, quer para as próprias vítimas quer para a sociedade em geral.

Concluindo, a Santa Sé alegra-se por que a assistência às vítimas se está a tornar um elemento fundamental de diversos instrumentos juridicamente vinculantes, como o V Protocolo, a Convenção de Ottawa ou a Convenção sobre Munições de Fragmentação. Ainda que os Estados Partes destes instrumentos tenham opiniões diversas, o bom senso gostaria que a busca de harmonização e de sinergia evitasse a dispersão inútil de meios e beneficiasse todos os actores e em primeiro lugar as próprias vítimas. Isto é importante não só para a eficácia da acção mas também, e sobretudo, para evitar a discriminação entre as diversas categorias de vítimas.

A Delegação da Santa Sé confia no facto de que a assistência às vítimas permanecerá a prioridade dos Estados Partes do V Protocolo.

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