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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA 64ª SESSÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DA ONU
SOBRE O ÍTEM 49: CULTURA DA PAZ  

DISCURSO DE MONS. CELESTINO MIGLIORE

Nova York
Terça-feira, 10 de Novembro de 2009

 

Presidente

Antes de tudo, a minha Delegação deseja congratular-se com o Secretário-Geral pelo seu Relatório, que evidencia as actividades desempenhadas por organismos-chave das Nações Unidas, empenhados no campo do diálogo inter-religioso e intercultural.

A questão da religião e a contribuição das religiões para a paz e o desenvolvimento voltaram a ser evidenciadas nas Nações Unidas nos últimos anos porque se tornaram urgentes e iniludíveis na opinião do mundo. Há um século e meio, no início da revolução industrial, a religião era descrita como "o ópio dos povos". Hoje, no contexto da globalização, é cada vez mais considerada a "vitamina dos pobres".

A contribuição singular das religiões e o diálogo e a cooperação entre elas fazem parte da sua raison d'être, que consiste em servir a dimensão espiritual e transcendente da natureza humana. De igual modo, tendem a elevar o espírito, a tutelar a vida, a conferir força aos mais débeis, a traduzir ideais em acção, a purificar as instituições, a contribuir para debelar as desigualdades económicas e não económicas, a inspirar os seus responsáveis para ir além do normal sentido do dever, a permitir às pessoas de alcançar uma maior realização do seu potencial natural e a contrastar situações de conflito através da reconciliação, dos processos de reconstrução pós-conflito e do restabelecimento de memórias marcadas pela injustiça.

Sabe-se que no curso da história indivíduos e líderes manipularam as religiões. Igualmente, movimentos ideológicos e nacionalistas apreenderam as diferenças religiosas como uma oportunidade para obter apoio para as suas causas. Recentemente, a manipulação e o uso impróprio da religião para fins políticos levantaram debates e produziram deliberações sobre este tema nas Nações Unidas, inserindo-o no contexto dos direitos humanos.

Com efeito, o debate nas Nações Unidas sobre o papel das religiões realiza-se já há algum tempo e a necessidade de uma visão coerente deste fenómeno e de uma abordagem apta para ela é profundamente sentida. A minha Delegação gostaria de apresentar algumas considerações sobre a questão, a fim de contribuir para uma integração apropriada e eficaz da religião e das religiões com os objectivos e as actividades das Nações Unidas.

O diálogo inter-religioso ou entre diversas confissões, destinado a estudar os fundamentos teológicos e espirituais das diferentes religiões em vista de uma compreensão e cooperação recíprocas, está a tornar-se cada vez mais imperativo, uma convicção e um esforço concreto entre muitas religiões. Estou feliz por recordar aqui o papel-guia assumido pela Igreja católica, há cerca de 40 anos, ao dirigir-se às outras tradições religiosas, com a promulgação do documento conciliar Nostra aetate. Hoje, muitas denominações cristãs e outras religiões estão empenhadas no diálogo com programas próprios e deste modo continuaram a fazer progressos para uma maior compreensão recíproca. A este propósito, a Santa Sé realizou uma série de iniciativas para promover o diálogo entre denominações cristãs, com crentes judeus, budistas e hindus. Há mais de 40 anos foi criado um Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e mais recentemente foi tomada uma iniciativa, a primeira do seu género, com os representantes dos 138 signatários muçulmanos do documento Uma palavra comum entre nós e vós. Este empenho visa promover maior respeito, compreensão e cooperação entre crentes de várias denominações, encorajar o estudo das religiões e promover a formação de pessoas que se dediquem ao diálogo.

Este tipo de diálogo teológico e espiritual exige ser conduzido pelos crentes e entre eles e que se adopte uma metodologia apropriada. Ao mesmo tempo, oferece uma premissa e uma base indispensável para a cultura de diálogo e de cooperação muito mais ampla que várias instituições académicas, políticas, económicas e internacionais iniciaram nos últimos decénios.

Recentes acontecimentos sociais e políticos renovaram o compromisso das Nações Unidas de integrar as suas reflexões e as suas acções destinadas à afirmação de uma cultura de respeito com uma solicitude específica pela compreensão inter-religiosa. Os protagonistas deste diálogo são Estados-membros na sua interacção com a sociedade civil. A sua abordagem e metodologia brotam da missão e do objectivo próprios das Nações Unidas. Todavia, tendo em mente o espírito e o texto da Carta das Nações Unidas, assim como dos instrumentos jurídicos mais importantes, é justo afirmar que a responsabilidade específica e primária das Nações Unidas vis-à-vis à religião consiste em debater, explicar e ajudar os Estados a garantir plenamente, a todos os níveis, a realização do direito à liberdade religiosa, como se afirma nos documentos pertinentes das Nações Unidas, que incluem o pleno respeito e a promoção não só da liberdade de consciência fundamental, mas também da liberdade de expressão e da prática da religião de cada um, sem restrições.

De facto, o objectivo e a finalidade definitivos das Nações Unidas na busca da compreensão e da cooperação inter-religiosas é conseguir comprometer os Estados mas também todos os segmentos da sociedade humana a reconhecer, respeitar e promover a dignidade e os direitos de toda a pessoa e de cada comunidade no mundo.

Obrigado, Senhor Presidente.

 

 

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