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HOMILIA DO CARDEAL JEAN VILLOT,
CAMERLENGO DA SANTA IGREJA ROMANA, 
DURANTE A MISSA « PRO ELIGENDO PAPA
»

Sábado, 14 de Outubro de 1978

 

Mais uma vez, Padres e Irmãos, à distância de poucas semanas, este evangelho é proclamado na mesma circunstância e dele devemos tirar ensinamento e temas de reflexão.

Do discurso de Jesus, insistiremos brevemente nalgumas palavras: 1. que significa "permanecer no Seu amor"; 2. que pretendia significar com "dar a vida pelos amigos"; 3. com "tudo quanto ouvi do Pai, dei-vo-lo a conhecer"; 4. "não fostes vós que Me escolhestes, mas Eu é que vos escolhi a vós".

1. Não se pode permanecer no amor de Jesus se não se está na sua graça, porque toda a nossa obra boa e meritória provém do benefício do amor divino, isto é, da sua graça. Cristo cumpre a vontade do Pai.

Pouco tempo antes, dissera Jesus: "aquele que Me enviou está comigo, e não Me deixou só porque Eu faço sempre o que é do Seu agrado" (VIII, 29). É claro que fala como homem, porque a sua natureza divisa é idêntica à do Pai e não pode sofrer solidão.

Portanto se Jesus, levado do motivo por Ele expresso, não foi deixado só, também nós não seremos deixados sós, se o amor divino produzir em nós a graça e a conformidade com o seu querer. necessário reflectirmos nisto. O cargo que devemos desempenhar é grave; unicamente não seremos deixados sós a desempenhá-lo "si faciemus quae placita sunt Ei".

2. "Não há amor maior do que dar a vida pelos amigos". Os vestuários vermelhos que são próprios da nossa categoria, Padres Eminentíssimos, encontram explicação no compromisso — ligado à criação cardinalícia — duma vida gasta até à efusão do sangue. E como a vida corporal é aquilo que mais estimamos, expormo-nos a perdê-la pelo próximo constitui grande sinal de caridade: "maior" como diz o Senhor. Isto, é bem de ver, a exemplo de Jesus.

Não devemos porém deixar-nos desencaminhar por uma interpretação apressada do texto que acabamos de ouvir e fala de "amici". Recordemos o que é dito na carta aos Romanos (V, 8): "Cum adhuc peccatores essemus, secundum tempus Christus pro nobis mortuus est... Enquanto éramos ainda pecadores".

Prescrutando o mesmo texto, nele encontraremos, como já fizeram antes de nós os Santos Padres, que Jesus morreu pelos seus inimigos, isto é,. pelos pecadores, para que se tornassem seus amigos. Mas seria duro recordar, àqueles que estavam à sua volta, a sua inicial condição humana, e portanto passa directamente a chamar-lhes "amigos", considerando já iniciada e a eles aplicada a sua obra redentora.

Reflictamos, Irmãos, que a vida, quer todos nós — é certo —, quer em modo especialíssimo Aquele que elegermos, devemos dá-la pela multidão dos remidos, "ut amici Christi efficiantur". Toda a mística missão da Igreja está compendiada neste conceito; e, porque Deus se serve dos homens como instrumentos ordinários, bem se vê que espírito deve animar aqueles que Ele escolhe para exercerem um oficio de pastor, de guia, como para fazerem que se conheça pela primeira vez a mensagem evangélica. Nós mesmos, enquanto queremos considerar-nos — com todas as nossas faltas — amigos seus, tais somos, só e unicamente, em virtude da sua Morte.

3. Como sinal palpável de verdadeira amizade, Jesus diz; "tudo o que ouvi ao Pai, vo-lo dei a conhecer a vós". Surpreende aquele "tudo", mas o Senhor explica-o mais adiante: "Muitas coisas tenho ainda para dizer-vos, mas não as podeis suportar agora..." e "quando vier o Espírito Santo, Ele vos guiará para a verdade completa". É claro que o "tudo", que os apóstolos podiam então receber, estava na ordem da fé e não da ciência ou visão.

Também nós nos encontramos na mesma condição: Cristo disse-nos quanto basta para nos conduzir pelo "seu" caminho, quanto basta para procedermos .de modo que Lhe agrade, não mais. Considera-nos amigos, mas não nos ilumina sobrenaturalmente de modo total. Deixa a liberdade à nossa inteligência e à nossa vontade.

Será portanto como homens, sem dúvida homens responsáveis mas homens em todo o caso, que seremos obrigados a cumprir o encargo a nós confiado. Não será, por conseguinte, "milagre" o resultado, mas fruto de acção e de oração de homens que, com todas as suas forças, queremos ser cada vez mais amigos de Cristo.

4. Não fostes vós que Me escolhestes, mas Eu é que vos escolhi a vós". Aqui insinua Jesus que os Apóstolos não deveram a escolha que Ele fez aos próprios méritos, mas à Sua livre vontade.

Isto aplica-se muito bem a nós, que não devemos gloriar-nos duma capacidade nossa, quem mais quem menos segundo módulos humanos de apreciação, para fazermos pesar o nosso ponto de vista.

Recordemos que a raiz da nossa habilitação para desempenhar o cargo de eleitores está "na livre escolha do Senhor", misticamente entendida, e não no valor humano que, tomados como indivíduos, possamos ter.

Deve-se eleger um Esposo; deve-se eleger um Pai. A característica do amor do Esposo é de amar a Esposa na sua totalidade, enquanto o Pai ama os filhos, um a um, "tanquam singuli". Portanto o amor à Igreja tomada na sua totalidade convém ao Esposo; o amor aos particulares, com as suas qualidades e defeitos, convém ao Pai.

Acompanhe-nos a oração do Povo de Deus, em primeiro lugar desta Assembleia, e o Senhor esteja connosco, agora e sempre. Ámen.

 

 

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