The Holy See
back up
Search
riga

MENSAGEM PONTIFÍCIA
DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI
 AO VII CONGRESSO INTERNACIONAL
 DE RELAÇÕES CULTURAIS  REALIZADO EM BÉRGAMO

 

Tenho o prazer de manifestar-lhe que o Sumo Pontífice recebeu com vivo interesse e sincera satisfação a notícia de o Centro Internacional de Estudos e de Relações Culturais, por si dirigido, ir dedicar o seu VII Congresso, que se realizará em Bérgamo, de 4 a 9 de Setembro próximo, ao estudo do tema "Metafísica e ciências do homem". Sua Santidade, ao mesmo tempo que anima o esforço solidário, requerido pelo aprofundamento de um assunto tão importante, formula ardentes votos por que ajude o Congresso a manter uma necessária retomada de consciência acerca da tarefa insubstituível da metafísica, ciência do ser "qua talis", nos seus princípios e nas suas finalidades últimas, em resposta às exigências fundamentais do espírito humano, inquieto com os seus transcendentes destinos.

Como é sabido, não é possível constituir uma filosofia dos valores, que tenha influxo autêntico e duradouro na vida do homem, nos seus aspectos quer privados quer sociais, sem a metafísica, que interpreta o significado do ser em todos os seus conteúdos e exigências, restituindo ao homem a segurança do mérito e da dignidade da existência, também no campo da experiência terrestre.

Certo tipo de humanismo fundado num explícito propósito antimetafísico, que fez irrupção em tantas expressões filosóficas dos tempos modernos, constitui uma intencional separação entre o empírico e o transcendente, entre o contingente e o absoluto, e, em última análise, é uma empresa anti-religiosa. A crise das teorias e dos comportamentos, da moral e do direito, no mundo contemporâneo, tem, entre as diversas causas, como principalíssima, a da tentativa de marginalizar ou eliminar a metafísica, sobre a qual se funda ingénita abertura do homem para a esfera religiosa.

É incontestável, por outro lado, que o homem dirige primariamente a sua apaixonada atenção para si mesmo e para a realidade que o circunda, sob o signo da experimentação, da verificabilidade e da imediateza. A cultura actual é caracterizada pelo progresso das ciências da natureza e do homem. Ora, o pensador convencido da necessidade e da validez do pensar metafísico não olhará para tal fenómeno como ameaça, mas sim como "sinal dos tempos" e como estímulo a repensar radicalmente o valor insubstituível da metafísica na moldura do contínuo progresso científico.

O espírito humano, embora fascinado pela mais fácil luz do empírico, é levado a indagar e aprofundar as razões da própria origem, da sua natureza e do seu final destino, levado a isso, se não por outra coisa, pelos dramas dolorosos que assinalam a vida mesma, sendo o último e iniludível o da morte.

O princípio da verificabilidade empírica, como critério único válido de discriminação do real, incorre numa insuperável aporia, uma vez que ele mesmo não é empiricamente verificável, e aparece portanto como puro postulado, não demonstrado nem demonstrável. Tal contradição é já notada por Ludwig Wittgenstein, pensador qualificado de "neopositivismo lógico", sistema professado hoje não só por afamados filósofos mas também por não poucos cientistas. Por um lado, ele defende que só as proposições das ciências, humanas têm significado, e por outro reconhece que as ciências mesmas não podem dizer nada sobre a questão do sentido último da vida humana, isto é, sobre os problemas urgentes e decisivos para o homem.

Precisamente nesta altura apresenta-se a urgência insubstituível de um diálogo entre a metafísica e as ciências do homem, aceitando o imperativo socrático "conhece-te a ti mesmo". Tal questão, sobrevoando os séculos, apresentou o seu desafio também a Emanuel Kant, que notou expressamente que o problema "que vem a ser o homem — que devo fazer e posso esperar" se apresenta como fundamental para a filosofia.

Por outro lado, as ciências do homem, por motivo deontológico e por causa dos confins do seu objecto específico, respeitando portanto a própria autonomia e os próprios condicionamentos intrínsecos, não são capazes de responder à questão última do homem e do seu existir, e renunciam até expressamente a fazê-lo. Mas o silêncio metodológico não poderá nunca assumir, na recta e serena consciência dos limites das ciências, uma posição negativa de exclusão, mas antes de positiva abertura a mais alta esfera.

A questão última sobre o homem impele para a área do metaempírico, pedindo e portanto justificando o pensamento metafísico e abrindo assim o pensamento humano à transcendência.

O homem, de facto, pode ser definido como o ser que se interroga a si mesmo, que subsiste radical e inexoravelmente caracterizado pela exigência do sentido último da sua vida, incapaz como é de operar como homem sem se perguntar o porquê último da exigência, da Liberdade responsável e da própria esperança.

O problema do homem assume concretamente aspectos existenciais, mutuamente ligados e imanentes, que se podem assim desenhar:

a) Relação do homem com a natureza, de que ele depende experimentando a própria limitação; e que ele ao mesmo tempo olha como diversa e inferior, sentindo-se chamado a transformá-la numa transcendência, contínua e insaciável, de todo o alvo concreto atingido.

b) Relação do homem com os outros homens, cuja dignidade pessoal representa uma exigência incondicionada, em si absoluta, de respeito e de amor. O valor do outro — e portanto também meu para os outros — enquanto pessoa, supera a minha mesma liberdade e tende à busca de um fundamento transcendente e de valor universal e perene.

c) Relação do homem com a morte, a qual, se interpretada como aniquilação da pessoa humana, faz de toda a existência um processo orientado para o nada, isto é, lança-a no absurdo de um radical e total sem-sentido. A morte apresenta uma interrogação decisiva acerca do sentido transcendente da vida humana como totalidade.

d) Relação do homem com a história, cujo desenvolvimento está radicado e sustentado pela esperança da humanidade. Tal esperança, se não é aberta para um futuro meta-histórico, fica privada de objecto e significado, os quais, por outro lado, não são individuáveis só mediante as ciências humanas.

Deste quadro sumário das dimensões da existência humana segue-se aquele paradoxo constitutivo do homem, notado com agudeza pelos pensadores medievais: o desnível ontológico entre as limitações do homem e a ilimitação do seu orientamento profundo para o Absoluto, para uma Plenitude transcendente. O Homem, na sua abertura ilimitada para o Ser, acusa "desiderium naturale videnti Deum", como Autor do universo sensível e fonte de total beatitude (cf. Rom 1, 18-23 e Summa contra Gentes, liv. I, cap. I, 4).

A questão sobre o homem constitui, assim, o ponto de convergência e de diversificação qualitativa entre a ciência e a metafísica, pondo em evidência, contemporaneamente, por um lado, a utilidade, melhor a necessidade, das ciências humanas para uma metafísica sensível aos problemas modernos, por outro, a intransponível fronteira epistemológica das ciências mesmas, determinada pelo método delas.

A primeira palavra sobre o homem é oferecida pela ciência — a fenomenologia antropológica precede a antropologia filosófica — como concreto ponto de partida, mas a última palavra fica reservada à metafísica, que, enquanto recebe das disciplinas científicas um mais depurado dado de base, oferece-lhes um enquadramento sintético e integrativo, abrindo-as à perspectiva dos valores e dos fins.

As ciências humanas são portanto indispenséveis para uma metafísica actualizada, mas são absolutamente inábeis para responder à questão posta ao homem pela singular experiência constitutiva do seu ser, isto é, a do contraste insuperável entre a limitação-contingência e a ilimitada transcendência. O homem não é inteligível apenas sobre a base do empiricamente verificável, mas unicamente sobre a base da experiência especificamente humana, que é precisamente experiência de autotranscendência. Consideradas assim as ciências humanas e a metafísica são chamadas a uma relação permanente de mútua investigação e por isso de mútuo auxílio.

São estas as reflexões que o Santo Padre, ainda com a agradável lembrança da sua participação no Congresso Internacional de Génova-Barcelona de 1976, tenciona confiar ao estudo do próximo Congresso de Bérgamo. Faz votos por que ele validamente contribua para a análise dos vastos problemas quanto à relação entre a metafísica e as ciências humanas, com intenção de oferecer ao homem o significado verdadeiro e tranquilizador da própria existência, da história e do cosmos, precisamente no quadro de um animador progresso das ciências. Além disso, a teologia cristã, enquanto "fides quaerens intellectum", requer uma metafísica que, tendo em conta o resultado das ciências humanas, mostre a abertura radical do homem ao mistério de Deus, que em Cristo se revelou e se deu à humanidade. Só assim se poderá oferecer um fundamento estável à esperança da geração contemporânea, encaminhada para o fim do segundo Milénio da era cristã, e animada, em tal percurso, pelo desejo "do desenvolvimento das pessoas e não apenas da multiplicação das coisas... não tanto para 'ter mais' quanto para 'ser mais' " .(Carta enc. Redemptor Hominis, 16).

Com estes sentimentos, Sua Santidade do coração envia a si, como também a todos os Relatores e Participantes no Congresso, a sua confortadora Bênção Apostólica.

 

AGOSTINO Card. CASAROLI
Secretário de Estado

 

top