The Holy See
back up
Search
riga

SECRETARIA DE ESTADO

CARTA DO CARDEAL TARCISIO BERTONE
AO CARDEAL RENATO RAFFAELE MARTINO
POR OCASIÃO DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL
 SOBRE "UNIVERSIDADE E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA"

 

Senhor Cardeal

No encerramento da Conferência internacional sobre "Universidade e doutrina social da Igreja", promovida pelo Pontifício Conselho "Justiça e Paz", com a colaboração da Congregação para a Educação Católica, o Santo Padre Bento XVI deseja conceder a todos os participantes e aos ilustres relatores a sua aprovação para esta útil iniciativa. Ele formula votos a fim de que o trabalho profícuo destes dias contribua para colocar na justa evidência as implicações ligadas à dimensão interdisciplinar da doutrina social, que se propõe também como um válido instrumento de diálogo com os diversificados saberes que dizem respeito ao homem e, de forma particular, às ciências sociais, económicas, políticas, teológicas e filosóficas. A este propósito, a Carta Encíclica do Servo de Deus João Paulo II Centesimus annus afirma que "a doutrina social... [tem] uma importante dimensão interdisciplinar. Para encarnar melhor nos diversos contextos sociais, económicos e políticos em contínua mutação, essa doutrina entra em diálogo com diversas disciplinas que se ocupam do homem, assumindo em si os contributos que delas provêm e ajudando-as, por sua vez, a abrir-se numa dimensão mais ampla ao serviço de cada pessoa, conhecida e amada na plenitude da sua vocação" (n. 59). Às palavras do venerado Pontífice faz eco o Compêndio da Doutrina Social, recordando que "a doutrina social da Igreja lança mão de todos os contributos cognoscitivos, independentemente do saber de que provêm, e possui uma importante dimensão interdisciplinar" (n. 76).

As temáticas enfrentadas na presente Conferência são de indubitável relevo e actualidade, porque estão destinadas a dar forma e substância ao diálogo entre Evangelho e cultura. Como se sabe, uma das características salientes da cultura contemporânea, sobretudo da cultura académica e de investigação avançada, é a especialização. Ela oferece vantagens inquestionáveis, mas expõe também ao risco da fragmentação. O reconhecimento da parte de cada âmbito disciplinar, de um mínimo sector de pertinência e, sobretudo, a carência de um diálogo genuíno entre os cultores dos vários âmbitos do saber e da investigação, podem levar o estudioso a uma espécie de confusão. A fragmentação do saber constitui um grave problema dotado de notáveis aspectos antropológicos, como quis recordar João Paulo II na Carta Encíclica Fides et ratio"A subdivisão do saber, enquanto comporta uma visão parcial da verdade, com a consequente fragmentação do seu sentido, impede a unidade interior do homem de hoje" (n. 85). O Magistério da Igreja não se cansa de frisar que "o homem é capaz de alcançar uma visão unitária e orgânica do saber. Esta é uma das tarefas que o pensamento cristão deverá assumir durante o próximo milénio da era cristã" (Ibidem).

Também a doutrina social da Igreja se sente interpelada por esta tarefa. Ela é estruturalmente propensa ao diálogo interdisciplinar, porque inclui entre as disciplinas em que se inspira, por um lado, a teologia e a filosofia e, por outro, as ciências humanas e sociais. Precisamente por este motivo, a doutrina social da Igreja pode contribuir para criar um contexto orientativo básico para as diversificadas matérias, levando-as a colaborar umas com as outras, no pleno respeito pela suas respectivas especificidades. Por conseguinte, ela pode vir a ser portadora de um valor sapiencial,  mediante  o  qual  torna  mais  ricas as múltiplas actividades de investigação e de formação das Universidades católicas.

Nesta perspectiva, a mensagem proposta por Sua Santidade Bento XVI, contida na Carta Encíclica Deus caritas est, resulta repleta de respostas fecundas:  "A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo um encontro que nos abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão. Ao mesmo tempo, porém, ela serve de força purificadora para a própria razão. Partindo da perspectiva de Deus, liberta-a das suas cegueiras e, consequentemente, ajuda-a a ser mais ela mesma. A fé consente à razão de realizar melhor a sua missão e ver mais claramente o que lhe é próprio" (n. 28a). Não é difícil ouvir nestas expressões do Pontífice o eco de toda a Encíclica Fides et ratio, do seu venerado Predecessor João Paulo II, de maneira especial quando ele afirma:  "A Revelação introduz... na nossa história uma verdade universal e última, que leva a mente do homem a nunca mais se deter" (n. 14). Tudo isto pressupõe uma abertura da própria razão à fé, uma abertura que subtrai a razão ao risco de se considerar auto-suficiente. E isto é válido também para a razão "prática", ou seja, para a razão que não visa "conhecer para conhecer", mas sim "conhecer para fazer", isto é, a razão que orienta as obras humanas. Como ensina o Santo Padre Bento XVI, também ela "deve ser continuamente purificada, porque a sua cegueira ética, derivada da prevalência do interesse e do poder que a deslumbram, é um perigo nunca totalmente eliminado" (Deus caritas est, 28a). Portanto, é constante a necessidade de que a fé purifique a razão, e a caridade purifique a justiça, ajudando-as a não se fecharem em si mesmas. A doutrina social da Igreja insere-se precisamente no ponto exacto em que a fé purifica a razão, e a caridade purifica a justiça.

Espiritualmente presente nesta Assembleia, o Santo Padre renova-lhe, Senhor Cardeal, assim como ao Eminentíssimo Senhor Cardeal Zenon Grocholewski, aos colaboradores do Pontifício Conselho "Justiça e Paz" e da Congregação para a Educação Católica, e também aos ilustres relatores e aos participantes, a certeza da sua lembrança no Senhor, enquanto concede a todos a sua afectuosa Bênção.

Acrescento de bom grado a minha cordial saudação e aproveito esta circunstância para me confirmar com sentimentos de distinto obséquio.

 

 

top