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HOMILIA DO CARDEAL TARCISIO BERTONE
NA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
PARA O IX CENTENÁRIO DA CATEDRAL
DE CASALE DE MONFERRATO (ITÁLIA)

Quinta-feira, 4 de Janeiro de 2006

Queridos irmãos e irmãs!

"Damos graças a Deus na sua casa". Estas palavras do refrão ao salmo responsorial, que há pouco repetimos, sintetizam muito bem o sentido e o significado da celebração de hoje. Reunimo-nos para louvar, para agradecer a Deus na sua casa, isto é, no templo que foi construído para Ele e que, exactamente porque a Ele foi consagrado, é também nossa casa, pois formamos a sua família, o seu povo remido pelo sangue de Cristo. Aqui sentimo-nos em casa, unidos por um vínculo de amor que não conhece limites de espaço nem de tempo. Ao acolher o convite do salmista, viemos aclamar o Senhor, "rochedo da nossa salvação", "grande Deus, rei poderoso, maior do que todos os deuses". "Na sua mão estão as profundezas da terra e pertencem-lhe os cimos das montanhas.

Dele é o mar, pois foi Ele quem o formou; a terra firme é obra das suas mãos"; "Ele é o nosso Deus e nós somos o seu povo, as ovelhas por Ele conduzidas" (Sl 94). Com efeito, o nosso encontrarmo-nos juntos é, antes de tudo, um acto de fé no único Deus, que em Jesus Cristo nos revelou o seu rosto de amor.

A Deus damos louvor e acção de graças com esta Eucaristia num dia de singular importância para a vossa comunidade diocesana, que celebra precisamente hoje o IX centenário da Catedral. Este bonito templo, edificado em estilo românico lombardo, de facto foi consagrado no dia 4 de Janeiro de 1107 pelo Papa Pascoal II, quando a aldeia medieval pertencia à diocese de Vercelli. Desde então passaram nove séculos, ricos de eventos religiosos e civis, que distinguiram o caminho da vossa cidade, erigida como diocese em 1474 por vontade do Papa Sisto IV. Neste momento, o pensamento vai muito além dessa data, chega às raízes da vossa comunidade cristã, que venera como seu fundador o mártir Santo Evásio. As suas relíquias foram recolhidas com as da Rainha dos Bávaros, Teodolinda, na primitiva igreja a ele dedicada, que foi construída pelo rei longobardo Liutprando, no século VIII. Não temos muitas informações sobre Santo Evásio; contudo, sabemos com certeza que morreu mártir para defender a fé em Cristo, nas pegadas de Santo Eusébio de Vercelli; lutou contra a heresia dos Arianos, muito difundida naquela época, os quais negavam que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A tradição narra que o Duque Atábulo lhe cortou a cabeça com um golpe de espada e, dessa maneira, Evásio misturou o seu sangue com o de Cristo. Justamente, desde então, a vossa cidade venera-o como o seu celeste protector. E eu deveria aprofundar melhor as razões pelas quais o meu pai mo deu como segundo nome: de facto, chamo-me Tarcísio, Evásio, Pedro!

Portanto, na origem dessa igreja está o martírio de Santo Evásio. No clima natalício desses dias a liturgia mais uma vez faz-nos meditar sobre o martírio, começando pelo de Estêvão, o protomártir. E, às vezes, perguntamo-nos fê-lo também o Santo Padre durante o Angelus de 26 de Dezembro passado se não estão em contraste a alegria luminosa do Natal de Cristo e a dor dilacerante do assassínio violento dos seus discípulos. "Na realidade, o aparente rangido disse Bento XVI é superado se considerarmos mais profundamente o mistério do Natal". Aquele Menino, que jaz inerme na gruta, "salvará a humanidade morrendo na cruz". "Para os crentes continua o Papa o dia da morte, e ainda mais o dia do martírio, não é o fim de tudo, mas a "passagem" para a vida imortal, é o dia do nascimento definitivo, em latim dies natalis". Por conseguinte, Natal de Cristo, natal dos mártires; alegria do Natal, alegria do martírio. Quem são os mártires senão aqueles que, como escutámos na segunda Leitura, se aproximaram do Senhor "pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus", para que também eles "como pedras vivas entrem na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo" (1Pd 2, 4).

Eles encorajam-nos a seguir também este caminho. O dom do martírio de sangue não é dado a todos, contudo, todos são chamados a um testemunho, que poderíamos intitular um martírio de amor, que consiste na oferta quotidiana da própria existência ao Senhor na obediência confiante na sua vontade, especialmente quando é difícil aceitar, um testemunho-martírio que nos impele a fazer da nossa vida um dom a Deus e aos irmãos. Somente desse modo se constrói a Igreja viva, cujo símbolo é o templo material. Para usar as palavras de São Pedro, que ouvimos na segunda Leitura, este é de facto "o povo adquirido em propriedade, a fim de proclamar as maravilhas daquele que Ele chamou das trevas para a sua luz admirável" (Ibid., 2,4-9).

Com efeito, para que serviria construir as igrejas de cimento e tijolos se não existisse, antes de tudo, a Igreja viva, feita de "pedras vivas", que são os santos, os mártires e os crentes chamados à santidade? Cada igreja, especialmente a Catedral, é por excelência a casa do encontro de Deus com o povo dos seus "adoradores". E "os verdadeiros adoradores", como diz Jesus, são aqueles que adoram "o Pai em espírito e verdade". Recordou-nos há pouco São João na maravilhosa página do seu Evangelho, na qual narra o encontro de Jesus com a Samaritana junto do poço de Sicar. De todo o trecho, que constitui uma rica catequese baptismal, foram propostos hoje somente alguns versículos, que nos ajudam a reflectir sobre a nossa "vocação" de Igreja e na Igreja.

Recordam-nos que cada um de nós deve adorar Deus em espírito e verdade, com o testemunho da sua vida, tendo-se tornado, com o Baptismo, templo vivo de Deus. Cada família cristã é uma "pequena igreja doméstica" que tem como centro Cristo, e a comunidade no seu conjunto é o povo que Cristo redimiu com o seu sangue. Evocaremos esta importante realidade teológica e espiritual daqui a pouco, no prefácio, com estas palavras: "Esta igreja, misticamente oculta no sinal do templo, tu a santificas sempre como esposa de Cristo, mãe bem-aventurada de uma multidão de filhos para a colocar ao teu lado revestida de glória" (Pref. 2 do Com. Dedic.).

Eis, queridos irmãos e irmãs, para onde conduz a reflexão sobre o evento que comemoramos hoje. Estamos reunidos nesta vossa Catedral, na qual são evidentes os sinais da fé das muitas gerações de cristãos que vos precederam, neste admirável templo, submetido a uma ampla campanha de restauros promovidos pelo vosso Bispo, D. Germano Zaccheo, que saúdo com afecto e a quem agradeço ter-me convidado para presidir à hodierna celebração. Juntamente com ele, saúdo todos os presentes, as autoridades religiosas, civis e militares, os sacerdotes, as pessoas consagradas e a inteira comunidade diocesana. Se hoje dizia celebramos nove séculos de maravilhas de fé e de amor é porque Santo Evásio seguiu fielmente Cristo, temendo a morte e sacrificando a vida por Ele. Muitos homens e mulheres, que agora do céu se unem misticamente ao sacrifício eucarístico que celebramos, imitaram Santo Evásio. Agora cabe a nós, a todos nós, prosseguir neste caminho; é nossa tarefa ser uma Igreja viva formada por pedras vivas, solidamente unidas a Cristo, que é a Pedra viva, aliás, a "pedra angular" do nosso edifício espiritual. Esta é a Igreja que não conhece limites de tempo e de espaço; corpo muito unido, família mística formada por inúmeros beatos, santos, mártires, mas também por pecadores necessitados do constante apoio da misericórdia divina. Nela ninguém é estrangeiro, mas todos são filhos de Deus a pleno título e "concidadãos dos santos".

A Catedral simboliza tudo isso, sinal nos séculos de uma Igreja que não morre porque foi fundada sobre Cristo ressuscitado. Tudo isso nos recorda este templo feito de pedras, decorado com arte e talento, carregado de história e de múltiplos sinais de fé. Ele ainda está sendo restaurado e, no entanto, oferece já um aspecto renovado. A propósito, de bom grado aproveito a ocasião para cumprimentar aqueles que executaram com tanto zelo esses trabalhos e quantos os promoveram e financiaram. Vim aqui há três anos mais ou menos, em Novembro de 2003, para inaugurar o deambulatório da abside e dos mosaicos; sei também que recentemente foram concluídos outros trabalhos de restauro da sacristia. Tudo isso é bonito e devido, mas de nada adiantaria se, ao mesmo tempo, não se seguisse um restauro interior das nossas almas, graças aumasincera e permanente conversão.

Cada igreja material, nota São Cesário de Arles, é símbolo permanente da Igreja, edifício espiritual. É preciso construí-lo e restaurá-lo continuamente este edifício espiritual com o apoio de todos os cristãos, que caminham diante do Senhor com todo o coração e a Ele pedem para que sejam mantidos abertos, noite e dia, os seus olhos sobre esta casa, sobre o lugar do qual foi dito: "Aqui estará o meu nome" (cf. 1 Rs 27-30). A liturgia bizantina recomenda: "Homem, entra novamente em ti mesmo; torna-te o homem novo, deixando o antigo, e celebra a dedicação da alma". E Santo Atanásio, numa das suas cartas pascais, ao falar exactamente da função das igrejas como lugar de encontro dos cristãos em oração, disse: "A celebração litúrgica apoia-nos nas aflições que encontramos neste mundo. Por meio dela Deus concilia-nos com a alegria da salvação, que engrandece a fraternidade. Através da acção sacramental da festa, com efeito, funde-nos numa única assembleia, une-nos todos espiritualmente e faz reencontrar próximos até os que estão distantes. A celebração da Igreja oferece-nos o modo de rezar juntos e elevar comunitariamente a nossa acção de graças a Deus. Aliás, esta é uma exigência própria de cada festa litúrgica. É um milagre da bondade de Deus o de fazer sentir solidários na celebração e fundir na unidade da fé distantes e próximos, presentes e ausentes" (Cartas 5, 1-2; PG 26, 1379-1380).

Santo Evásio e os demais santos que venerais como protectores nos ajudem a manter-nos fiéis à nossa vocação, que é a chamada universal à santidade. Sobretudo, que nos ajude e nos acompanhe Maria, a Rainha dos Santos, a Virgem Mãe de Cristo e da Igreja.

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