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DISCURSO DO CARDEAL TARCISIO BERTONE
POR OCASIÃO DO CONGRESSO INTERNACIONAL
SOBRE "CRISTIANISMO E SECULARIZAÇÃO.
DESAFIOS PARA A IGREJA E PARA A EUROPA"

29 de Maio de 2007

 

Venerados e queridos Irmãos no Episcopado
Senhores Embaixadores
Ilustres Senhoras e Senhores

Estou muito feliz por dar início aos trabalhos deste Congresso internacional sobre Cristianismo e secularização na Europa, promovido pela Universidade Europeia de Roma e pelo Conselho Nacional para a Pesquisa.

O tema é de grande actualidade. Como nos rios afluem e se misturam águas provenientes de diferentes fontes, para depois repartir e se irradiar em terrenos muito diversificados, assim acontece com a problemática hodierna. A relação entre secularização e Cristianismo é uma articulação central, uma chave de leitura emblemática da nossa época, mas também das precedentes. As modalidades nas quais tal relação foi declinada na história e nos diversos países europeus são diferentes, mas todas têm influído e continuado a assinalar âmbitos bastante variados: sociais, culturais e políticos.

A nível fenomenológico, por secularização entende-se um processo que caracteriza sobretudo as sociedades ocidentais e é marcado pelo abandono dos esquemas religiosos e de um comportamento de tipo sacral. Historicamente este processo está ligado ao de emancipação da esfera política daquela religiosa e percebe-se a si mesmo como o restabelecimento da razão e daquilo que é razoável. Parece que, separando os valores do Cristianismo, privatizando a fé e tornando a moral autónoma da religião, teriam sido colocadas as bases para construir uma humanidade autenticamente livre e digna. A própria história, todavia, encarregou-se de desmentir estes "messianismos sem messias". E a alto preço. A visão secularista, imanente e fechada aos valores transcendentes, não pôde continuar a esconder a própria desumanidade, exactamente porque a abertura para Deus constitui uma dimensão fundamental para o homem. De facto, com o tempo a verdade foi substituída pela ideologia, ou pelo cepticismo e niilismo. Mas tudo isto, à diferença da verdade, não nutre, ao contrário, intoxica; não ilumina o intelecto, mas ilude-o; não alimenta a vida interior, mas mortifica-a ou até a sufoca; não reforça os valores, mas torna-os mais incertos ou até os esvazia. É com referência a tal quadro que, por ocasião do Cinquentenário dos Tratados de Roma, o Papa Bento XVI falou de "apostasia" da Europa por si mesma, antes mesmo que de Deus, e de paradoxo pelo qual a Europa deseja pôr-se como uma comunidade de valores, mas sempre com mais frequência contesta que existam aqueles universais.

Durante a sua recente viagem ao Brasil, no discurso dirigido ao episcopado latino-americano, Bento XVI recordou que "onde Deus está ausente o Deus do rosto humano de Jesus Cristo estes valores não se mostram com toda a sua força, nem se produz um consenso sobre eles. Não quero dizer que os não-crentes não podem viver uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus está ausente não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo a pauta destes valores, também contra os próprios interesses" (Discurso de 13 de Maio de 2007).

Diante dessas dificuldades e perturbação, faz-se estrada a consciência segundo a qual é preciso anular o vínculo que, há demasiado tempo, uniu a secularização com a aversão, ou pelo menos com o desencanto, em relação à religião. Isto é, emerge a convicção de que se deve ignorar o postulado que faz coincidir de modo não sindical o progresso com a ideologia secularista, e a religião acredita-se quase como reserva de sentido para a própria sociedade. Depois, na história mundial e naquela recente da Europa, o Cristianismo deu prova de ser um factor essencial de libertação dos múltiplos reflexos, inclusive sociais. Não porque tenha desenvolvido directamente uma tarefa política, que não lhe cabe, mas simplesmente porque foi coerente com a própria missão religiosa, educando os fiéis para uma liberdade mais forte do que a opressão e para um amor mais radical do que o ódio e a intolerância, e portanto, a um coerente testemunho dos valores constitutivos de cada pessoa e cada povo. Bento XVI reafirmou isto também na sua primeira Encíclica Deus caritas est: "A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem" (n. 28).

De maneira breve, pode-se dizer que para manter vivos os valores seculares sobre os quais se funda, a democracia inicia hoje a sentir mais necessidade da religião, da qual, frequentemente, tais valores nascem, mas distanciando-se depois.

Colocam-se assim as premissas para um confronto fecundo entre Cristianismo e secularização. E estes são os votos que formulo para o Congresso, o qual tenho a satisfação de inaugurar esta noite. Creio que é particularmente apreciável a vontade dos oradores de não se deixar prender em algum esquema pré-constituído, mas de olhar serenamente adiante, para o bem da Igreja e da própria sociedade. Obviamente, isto não nega, aliás pressupõe um reconhecimento objectivo e aprofundado da situação, livre de esquemas pessimistas, mas também de lugares-comuns pelos quais, em certas situações, parece que o único preconceito aceitável é o do anticristianismo e longe do politicamente correcto, que para se fazer escutar pelo público às vezes induz a fazer profissão preliminar de laicidade, como se fosse um distintivo, naturalmente na sua concepção laicista.

No limite do possível, esta recognição deve considerar as diversas facetas do prisma da secularização: antes de tudo na história, na cultura e nas relações entre a Igreja e a comunidade política. É quanto se procurará fazer esta noite e estou contente porque aqui se produzam relatórios de extraordinário perfil eclesial, institucional e cultural.

Concluo realçando que, como cristãos, temos a tarefa de ser ao mesmo tempo estrangeiros e presentes no nosso tempo. Jesus ensinou-nos que a Igreja está no mundo, mas não é do mundo; ou seja é estrangeira e presente no nosso tempo e em todos os tempos: estrangeira às ilusões, ao cepticismo e ao niilismo nos quais com frequência se debate o mundo secularizado, mas presente em todas as dificuldades que derivam de tais ilusões. De facto, o risco é que, rejeitando Deus, a verdade desapareça e seja substituída pela ideologia. Mas o Cristianismo não permanece indiferente a este desafio, porque ele não é ideologia: é anúncio de uma verdade transcendente e não a posse de uma certeza imanente; valoriza os gérmens de verdade e de bem e nada impõe com a violência e com a força, porque o jugo de Cristo é suave e portanto o Cristão, como o seu Mestre, deve ser manso e humilde de coração. Dotado dessas virtudes, o Cristão não se concebe como o resto de uma Europa que desaparece, mas como a vanguarda de uma nova Europa que foi realçado recentemente pelo Papa Bento XVI pode ser realista mas não cínica, rica de ideais e livre de ilusões ingénuas, inspirada na perene e vivificante verdade do Evangelho (Discurso, 24 de março de 2007).


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