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VISITA OFICIAL DO CARDEAL SECRETÁRIO DE ESTADO
À REPÚBLICA DO PERU

HOMILIA DO CARDEAL TARCISIO BERTONE
NA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
NO SANTUÁRIO DE SANTA ROSA DE LIMA

Chimbote, 31 de Agosto de 2007

Queridos irmãos e irmãs!

"O reino dos céus é semelhante a um grau de mostarda... é a mais pequena de todas as sementes, mas, depois de crescer, torna-se a maior planta do horto" (Mt 13, 31-32). Na página evangélica, que a liturgia nos propõe na festa de Santa Rosa de Lima, Jesus compara o reino dos céus a um grão de mostarda, uma das sementes mais pequeninas, mas que, quando germina, se torna uma árvore frondosa e até alcança a altura de três metros. Não há proporção entre a pequenez da semente e o desenvolvimento sucessivo da planta com as flores e os frutos que produz, e não nos é difícil compreender, através desta metáfora, o ensinamento que o Senhor nos quer dar. De facto, assim como se observa uma clara desproporção entre uma árvore alta que cresce de uma semente muito pequena, também existe uma desproporção lógica entre os limites do homem e os prodígios de santidade que a Graça divina realiza nele. A vida dos santos e o caminho da Igreja ao longo dos séculos não são porventura um testemunho contínuo desta acção misteriosa do Senhor? Todos nós somos pequenas sementes a vicissitude humana e espiritual de Santa Rosa é muito eloquente a este propósito e Deus, dos nossos limites, pode fazer surgir prodígios maravilhosos de bondade e de amor. Eis a santidade: obra gratuita do Omnipotente Criador, quando encontra correspondência humilde e fiel na criatura humana.

Mas podemos acrescentar mais uma consideração. Nestes nossos tempos estamos justamente preocupados porque alguns cristãos abandonam a Igreja atraídos pelas chamadas das seitas ou seduzidos pela miragem do hedonismo moderno e por uma cultura que, acentuando a autonomia do homem, acaba por propor um humanismo sem Deus ou até contra Deus. Que fazer? O texto evangélico indica-nos um caminho a percorrer: cada instrumento pastoral e missionário é útil para uma acção apostólica mais incisiva, mas o que mais conta é que cada um de nós seja a semente boa que, graças à ajuda divina, é capaz de produzir certamente frutos abundantes.

Os cristãos são chamados a testemunhar com o seu exemplo a pertença convicta a Cristo e à sua Igreja. Assim tornam-se fermento de santidade. Afirma-o claramente Jesus que, no mesmo trecho do Evangelho de Mateus, identifica o reino dos céus, mais do que com uma pequena semente, com o fermento que faz levedar a massa. "O reino dos céus diz Ele é semelhante ao fermento... misturado em três medidas de farinha, até que tudo esteja fermentado" (13, 33). Para ter bom pão não serve simplesmente outro pão mesmo que seja fresco; é necessário o fermento que, quando se coloca na farinha, dá lugar a um fenómeno quase mágico: a massa cresce até sair do recipiente. É a força da vida, da qual o fermento é portador.

Um autor cristão dos primeiros séculos, de nome Orígenes, oferece um interessante comentário desta breve parábola. Identifica as "três medidas de farinha", das quais o Evangelho fala, com os elementos da pessoa humana corpo, alma, espírito que para levedar, isto é, para se elevar, precisam do Espírito Santo. Também aqui podemos fazer uma aplicação muito actual. Hoje é frequente a tentação de um gnosticismo moderno que concebe a religião quase como uma opção individual e privada de modo intimista. Mas se é verdade que a fé é antes de tudo amizade íntima com Cristo, se é autêntica, esta fé só pode ser "contagiosa", renovando a sociedade e até a criação, porque toda a criação pertence ao projecto da salvação. O cristão não deve contentar-se com ser "pão bom", mas é necessário que seja fermento de santidade.

Foi esta a experiência de Isabel Flores y de Oliva, cognominada Rosa devido ao frescor do seu rosto. Mesmo sendo proveniente de uma família nobre de imigrantes espanhóis que se estabeleceram no Peru, não hesitou arregaçar as mangas quando os seus familiares, por uma série de desventuras, se encontraram em dificuldade económica. Desde a adolescência optou por seguir Jesus com íntimo arrebatamento, inscrevendo-se na Ordem Terciária dominicana e tomando como modelo e guia espiritual Catarina de Sena. Dedicada ao cuidado dos pobres e aos trabalhos ordinários que uma dona de casa é chamada a desempenhar quotidianamente, impôs-se um regime de vida austero que se distinguia por uma extraordinária penitência.

Com 23 anos fechou-se numa cela com apenas dois metros quadrados, que se fez construir pelo irmão no jardim de casa e da qual saía só para ir às funções religiosas. E era precisamente nesta angusta e voluntária prisão que transcorria a maior parte dos seus dias em contemplação, em intimidade com o seu Senhor. Como a Catarina de Sena, também a ela foi concedida a graça mística de participar fisicamente na paixão de Jesus, que tinha elegido como seu Esposo, e por 15 anos teve que atravessar a dura experiência interior da ausência de Deus, aquelas dores do espírito que São João da Cruz, o reformador do Carmelo, chama a "noite escura".

Portanto, a vida de Rosa foi escondida e no sofrimento a qual, condescendendo ao Espírito Santo, alcançou o vértice alto da santidade. A mensagem que continua a comunicar aos devotos que a invocam como protectora não só peruanos e do continente latino-americano, mas de todo o mundo, expressa-se numa das misteriosas mensagens que recebeu do Senhor. "Todos sabemos confiou-lhe Jesus que a graça segue a tribulação; saibam que sem o peso das aflições não se alcança o vértice da graça; compreendam que tanto mais cresce a intensidade dos sofrimentos, tanto mais aumenta a medida dos carismas. Ninguém erre nem se engane; esta é a única verdadeira escada do paraíso, e sem a cruz não há outro caminho pelo qual subir ao céu".

Palavras que fazem pensar imediatamente nas exigentes condições que o próprio Jesus apresenta aos seus discípulos: "Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me... Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se, depois, perde a sua alma? O que poderá o homem dar em troca da sua alma?" (Mt 16, 34-37). Encontra-se precisamente aqui o paradoxo evangélico, a verdadeira sabedoria da cruz, o escândalo da cruz. "Porque a linguagem da Cruz escreve São Paulo aos Coríntios é loucura para os que se perdem, e poder de Deus para os que se salvam, isto é, para nós" (1 Cor 1, 18). Ajude-nos Santa Rosa a abraçar com confiança a cruz como ela fez, também quando isto exige sofrimentos e aparentes insucessos. Num dos seus escritos lemos: "Ninguém se lamentaria da cruz dos sofrimentos, que o destino lhe dá, se conhecesse com que balanças são pesados na distribuição entre os homens".

A sua breve existência faleceu com apenas 32 anos foi marcada por numerosas provas e sofrimentos mas, ao mesmo tempo, foi toda permeada de amor a Cristo e de grande serenidade. Pode-se dizer que em Santa Rosa se manifestou o poder da Graça divina: quanto mais o homem é frágil e confia em Deus, tanto mais encontra n'Ele conforto e experimenta a força renovadora do seu Espírito. A primeira leitura do Livro do Eclesiástico convida-nos a viver no abandono humilde e confiante no Senhor: "Na tua actividade escreve o autor sagrado sê modesto, serás amado pelo homem e agradável a Deus", e acrescenta: "É grande o poder do Senhor, mas é pelos humildes que ele é honrado" (3, 19-21). "No dia da tribulação Deus recordar-se-á de ti" (cf. 3, 17).

No dia da sua festa, Santa Rosa recorda-nos que Deus é bom e misericordioso, nunca abandona os seus filhos no momento da prova e da necessidade; convida-nos a ter sempre confiança n'Ele e a ser simples e humildes. A simplicidade e a humildade são virtudes que devemos aprender a praticar se quisermos seguir Jesus. Ele repete aos seus amigos: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei. Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração" (Mt 11, 28-29).

Santa Rosa respondeu a este convite com uma consciência plena e disponível; deixou-se abraçar por Deus, na certeza de estar nas mãos de um Pai, amparada por uma intensa piedade eucarística e mariana. O amor à Eucaristia estimulou-a a permanecer abraçada ao tabernáculo para o defender das invasões dos calvinistas holandeses que assediavam a cidade de Lima. E recorria constantemente a Maria Santíssima, que invocava sobretudo sob o título de "Rainha do Rosário".

Aliás, como sabeis, foi precisamente a virgem do Rosário que lhe indicou a forma de vida através da qual se teria consagrado para sempre a Jesus na Ordem terciária dominicana. De facto, aconteceu que quando a família se resignou à sua recusa do matrimónio, Rosa entrou no mosteiro de Santa Clara.

Contudo não tinha a certeza total de que esta fosse a opção justa e quando, acompanhada pelo irmão, deixou a casa para ir definitivamente para o mosteiro, deteve-se diante da "sua" Nossa Senhora. Rezou intensamente e apercebeu-se que se tornou pesada como o chumbo: nem o irmão, nem o sacristão a conseguiram erguer. E só quando prometeu a Nossa Senhora que voltava para casa, a Virgem sorriu-lhe e Rosa pôde erguer-se facilmente. Convenceu-se então que podia chegar a Jesus através do amor materno da Virgem Maria. Viveu assim consagrando-se toda a Jesus e a Maria; quando faleceu tinha sobre os lábios, como últimas palavras: "Jesus, Jesus, Jesus, esteja sempre comigo".

Queridos irmãos e irmãs, agradeço ao Senhor que me oferece a possibilidade de terminar a minha permanência na República do Peru com esta peregrinação aos pés de Santa Rosa, excelsa filha da vossa Nação, nesta bonita Igreja na qual estão conservadas as suas relíquias. Depois de ter tido a honra de inaugurar o Congresso Eucarístico nacional no sábado passado, 25 de Agosto, pude presidir esta manhã à solene celebração de encerramento. O Congresso Eucarístico foi um acontecimento muito significativo e importante e de singular graça e bênção para todos. Por isto gostaria mais uma vez de dar graças ao Senhor. Sinto também a profunda necessidade de agradecer a Deus porque durante esta visita pude conhecer melhor a profundidade da fé das comunidades cristãs e o acolhimento cordial do povo peruano.

No momento em que me despeço do vosso bonito País com esta Celebração Eucarística, invoco sobre todos e cada um a protecção de Santa Rosa e a ajuda materna de Maria, tão venerada em todas as partes do País. A vós peço uma recordação na oração por mim, mas sobretudo pelo Santo Padre Bento XVI, que segue com solicitude paterna e afecto a vida e o caminho da Igreja e da nação peruana. Possa a República do Peru perseverar e crescer numa fé firme e cheia de alegria, na concórdia e na paz, sob o olhar abençoador do Señor de los milagros, da Virgem Santa e de Santa Rosa.

El Señor de los milagros, a Virgem Santa e Santa Rosa estejam particularmente próximos de quantos sofrem pelo terramoto que se verificou recentemente e cujas consequências ainda são muito vivas. Conservarei no coração as emoções e os sentimentos vividos nestes dias e continuarei a recordar-vos todos ao Senhor. No final desta minha visita, queridos irmãos e irmãs, rezemos pelos defuntos, pelos feridos, pelas famílias que ficaram sem casa; rezemos por todo o povo peruano para que saiba superar unido também esta prova para construir com esperança o próprio futuro, confiando sempre na ajuda divina. A palavra do Senhor repetiu-nos isto há pouco: "No dia da tribulação Deus recordar-se-á de ti" (Ecli 3, 17). Com esta esperança certa celebramos o sacrifício divino, fonte e ápice da vida da Igreja e do mundo remido pela cruz de Cristo.

Amém!

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