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MENSAGEM DO CARDEAL TARCISIO BERTONE
POR OCASIÃO DA 29ª EDIÇÃO DO MEETING
PARA A AMIZADE ENTRE OS POVOS
REALIZADO EM RÍMINI (ITÁLIA) DE 24 A 30 DE AGOSTO

Ex.cia Rev.ma

Por ocasião da 29ª edição do Meeting para a Amizade entre os Povos, programada em Rímini de 24 a 30 de Agosto, é-me grato enviar a V. Ex., aos promotores e a quantos tomam parte nesta significativa manifestação a cordial saudação de Sua Santidade Bento XVI.

O provocatório titulo do encontro: "Ou protagonistas ou ninguém" chama imediatamente a atenção. Na verdade, é precisamente esta a intenção dos organizadores: fazer "reflectir sobre o conceito de pessoa". De facto, o que significa ser protagonista da própria existência e daquela do mundo? Hoje, esta pergunta torna-se urgente, porque a alternativa ao protagonismo parece ser, frequentemente, uma vida sem sentido, o cinzento anonimato dos tantos "ninguém" que se confundem entre as pregas de uma massa informe, infelizmente incapaz de emergir com um rosto próprio digno de nota. Então a questão deve ser mais focalizada e poderia ser reformulada deste modo: O que dá um rosto ao homem, o que o torna inconfundível, assegurando dignidade à sua existência?

A sociedade e a cultura, nas quais estamos imersos e das quais os meios de comunicação constituem uma poderosa caixa de ressonância, são amplamente dominadas pela convicção de que a notoriedade constitua um componente essencial da própria realização pessoal. Emergir do anonimato, conseguir impôr-se à atenção pública com todos os meios e pretextos, este é o objectivo perseguido por muitos. O poder político ou económico, o prestígio alcançado pela própria profissão, a riqueza posta à mostra, a notoriedade das próprias realizações, a ostentação até mesmo dos próprios excessos... tudo isto é considerado pacificamente como "sucesso", como "êxito" da própria vida. Eis porque aspiram cada vez mais frequentemente as novas gerações a profissões e carreiras idealizadas exactamente porque oferecem uma ribalta que lhes consente "aparecer", de sentir-se "alguém". O ideal que têm em mira é representado pelos actores de cinema, pelas personagens e mitos da televisão e do espectáculo, pelos atletas, pelos jogadores de futebol, etc...

Mas o que acontece a quem não acede a tal nível de visibilidade social? A quem é esquecido, ou até mesmo esmagado pelas dinâmicas do êxito mundano sobre o qual está assente a sociedade na qual vivemos? A quem é pobre, inerme, doente, idoso ou deficiente físico, quem não tem talento para traçar o próprio caminho entre os outros ou está sem meios para os cultivar, quem não tem voz para fazer ouvir as suas ideias e convicções? Como considerar quem leva uma vida obscura, sem o aparente interesse dos jornais e da televisão? O homem de hoje, como aquele de todos os tempos, tende para a própria felicidade e persegue-a por toda a parte onde crê que a pode encontrar. Eis então a verdadeira interrogação que se esconde debaixo da palavra "protagonismo", que o Meeting propõe este ano para a nossa reflexão: no que consiste a felicidade? O que pode verdadeiramente conduzir o homem a obtê-la?

O Papa Bento XVI proclamou um ano jubilar especial dedicado a uma "amostra" da cristandade de todos os tempos, o fariseu de Tarso chamado Saulo, que depois de ter perseguido com furor a Igreja das origens, converteu-se ao irromper da chamada do Senhor. Daquele momento ele serviu a causa do Evangelho com total dedicação, percorrendo incansavelmente o mundo então conhecido e contribuindo para colocar as bases daquela que se tornaria a cultura europeia, moldada pelo Cristianismo.

Raros são os espíritos que mostraram uma vastidão de conhecimentos e uma perspicácia como a sua. As suas Cartas manifestam a força explosiva da sua personalidade apaixonada e atraíram milhões de leitores, exercendo uma influência única sobre gerações e gerações de homens, sobre inteiros povos e nações. Através dos seus escritos, Paulo não cessa de apresentar Cristo como fonte autêntica de respeito entre os homens, de paz entre as nações, de justiça na convivência. Todos nós, a uma distância de dois mil anos, podemos ainda considerar-nos "filhos" da sua pregação e a nossa civilização sabe que é devedora a este homem exactamente por causa dos valores que estão nos seus fundamentos.

Contudo, a existência de São Paulo está longe das luzes da ribalta e dos reconhecimentos públicos. Quando morreu, a Igreja que ele tinha ajudado a difundir era ainda uma pequena semente, um grupo que as sumas autoridades do Império Romano podiam permitir-se de negligenciar ou de tentar esmagar no sangue. A existência de Paulo, examinada na sua quotidianidade, aparece atribulada, afligida por hostilidades e perigos, cheia de dificuldades para enfrentar mas também de consolações e alegrias para aproveitar. É ele mesmo a dar testemunho em muitíssimas passagens dos seus escritos. Eis o que diz, por exemplo, na Segunda Carta aos Coríntios: "Cinco vezes recebi dos judeus os quarenta açoites menos um; três vezes fui açoitado com varas, uma vez apedrejado; três vezes naufraguei, e passei no abismo uma noite e um dia. Viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus concidadãos, perigos dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre os falsos irmãos. Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! E, além de tudo isto, a minha obsessão de cada dia: Cuidado de todas as Igrejas! Quem é fraco, sem que eu também o seja? Quem tropeça, que eu não me consuma com febre?" (11, 24-29). Esta corrida de obstáculos assim a podemos definir realizada com a força e em nome do seu Redentor, Paulo concluiu-a em Roma, onde foi condenado à morte e decapitado. Junto com ele, no enfurecer da perseguição do Imperador Nero, morreram muitos outros cristãos e entre estes Pedro, o pescador da Galileia e chefe da Igreja.

A vida de Paulo pode ser verdadeiramente considerada "bem sucedida"? Aqui estamos perante o paradoxo da vida cristã como tal. O que significa efectivamente para o cristão "êxito"? O que nos dizem as vidas dos tantos santos que transcorreram a sua existência retirados nos conventos? O que nos dizem as vidas e as mortes de inúmeros mártires cristãos, cujos nomes são desconhecidos pela maioria, os quais concluíram a existência, não entre aclamações mas rodeados por desprezo, ódio e indiferença? Onde está então a "grandeza" das suas vidas, a luminosidade do seu testemunho, o seu "sucesso"?

Recentemente, o Santo Padre Bento XVI recordou que o homem é feito para a realização eterna da sua existência. Isto vai além do simples êxito mundano e não está em contradição com a humildade das condições nas quais se desenvolve a sua peregrinação na terra. A realização do humano é o conhecimento de Deus, do qual cada pessoa foi criada e ao qual tende com cada fibra do próprio ser. Para conseguir isto, não serve fama nem sucesso junto das multidões. Eis então o protagonismo que o título da presente edição do Meeting de Rímini tenta repropor. Protagonista da sua existência é quem doa a sua vida a Deus, que o chama a cooperar para o projecto universal da salvação.

O Meeting quer confirmar que só Cristo pode revelar ao homem a sua verdadeira dignidade e comunicar-lhe o autêntico sentido da própria existência. Quando o crente O segue docilmente consegue deixar um rasto duradouro na história. É o rasto do amor de que ele se torna testemunha exactamente porque conquistado pelo Amor. E então o que foi possível para São Paulo torna-se possível também para cada um de nós. Não importa se o desígnio de Deus prevê para nós um raio de acção reduzido; não importa se vivemos entre as paredes de um mosteiro de clausura ou se estamos imersos em múltiplas e diversas actividades do mundo; não importa se somos pais e mães de família ou consagrados ou sacerdotes. Deus serve-se de nós segundo o seu plano de amor, segundo a modalidade que Ele estabelece e pede-nos para favorecer a acção do Espírito; são precisos seus colaboradores para a realização do seu Reino. A cada um diz: "Vem e segue-Me" (Lc 18, 22), e apenas seguindo-O o homem conhece a verdadeira exaltação do seu eu.

A experiência dos santos, homens e mulheres, que muito frequentemente viveram a sua fidelidade a Deus de maneira discreta e comum ensina-nos isto. E entre eles encontramos muitos protagonistas verdadeiros da história, pessoas realizadas plenamente, exemplos vivos de esperança e testemunhas de um amor que nada teme, nem sequer a morte.

O Santo Padre deseja que estas reflexões ajudem os participantes do Meeting a encontrar Cristo, para compreender melhor o valor da vida cristã e o sentido do humilde protagonismo do serviço à missão da Igreja, em Itália e no mundo. Para tal objectivo Ele garante a sua oração pelo êxito do Meeting e concede a V.Ex.,aos organizadores e a todos os presentes uma Bênção especial.

De bom grado uno os meus fervorosos votos para um sucesso proveitoso da manifestação, e aproveito de boa vontade a circunstância para me confirmar com sentimentos de distinto obséquio.

Dev.mo no Senhor

Cardeal Tarcisio Bertone
Secretário de Estado

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