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CARTA DO SECRETÁRIO DE ESTADO
CARDEAL AGOSTINO CASAROLI AO PADRE GEBUS,
ORGANIZADOR DA 4ª SESSÃO DO CONGRESSO
INTERNACIONAL DOS CAPELÃES, MÉDICOS
E ENFERMEIROS DE HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS

[Estrasburgo, 29 de Junho-30 de Julho de 1981]

 

Senhor Capelão

O Santo Padre foi informado do novo Congresso internacional dos Capelães, Médicos e Enfermeiros dos Hospitais psiquiátricos, que vai realizar-se em Estrasburgo. Encarregou-me de exprimir o seu interesse muito particular por esta iniciativa e de levar o seu encorajamento a todos aqueles que se dedicam ao serviço dos doentes mentais e querem reflectir juntos para melhorar ainda este serviço.

Desejo primeiro que tudo recordar a longa carta que o meu predecessor, o Cardeal Villot, vos dirigiu em 1973 em nome do Papa Paulo VI, e faço minhas todas as suas considerações aprofundadas que nada perderam da sua actualidade. Neste Ano internacional das pessoas deficientes, a Secretaria de Estado publicou, a 4 de Março, um longo documento cujos princípios e linhas de acção são válidos, de modo particular, para os doentes que vos são queridos. E o próprio Papa João Paulo II quis acentuar a sua união espiritual e a sua solicitude afectuosa com os deficientes mentais de "Fé e Luz", com os seus pais e amigos reunidos em Lourdes. Mas a responsabilidade profissional específica que exerceis nos hospitais psiquiátricos merece novo sinal de estima e encorajamento.

Como o Santo Padre salientou tantas vezes, é necessário proteger a dignidade de todos os homens e a fé motiva especialmente esta obrigação natural: todos são criados à imagem de Deus, resgatados por Cristo; têm a mesma origem, a mesma natureza e o mesmo destino no plano da aliança divina; entre eles, existe uma igualdade fundamental. A mensagem evangélica é inseparável de "uma profunda estima pelo homem, pela sua inteligência, pela sua vontade, pela sua consciência e pela sua liberdade" (encíclica Redemptor Hominis, 12). E tal amor requer um interesse especial pelas suas capacidades humanas mais elevadas: o seu sentido do absoluto e as suas relações com Deus e com o próximo, na verdade e na caridade.

A respeito destes princípios, os doentes mentais encontram-se numa situação particular que constitui um apelo ainda mais premente. Sendo limitados nas suas faculdades de conhecimento e comunicação, são especialmente vulneráveis. Além disso, os seus problemas e a sua ansiedade característica fazem-nos sofrer, sempre a pesar sobre quem entra em contacto com eles, e isto repercute-se na sua inserção familiar, profissional e social, Constatá-lo, significa salientar o espírito de dedicação e de sacrifício que estes irmãos em Cristo reclamam daqueles que desejam verdadeiramente ajudá-los.

Por outro lado, a sociedade tende a situar o significado da vida na busca do bem-estar, concebido principalmente em termos económicos ou simplesmente hedonistas. O doente mental pode então tornar-se um sinal de contradição, porque se reconhece incapaz de alcançar este tipo de bem-estar, e muito mais de contribuir para a busca colectiva do mesmo, e corre o risco de ser ainda mais marginalizado.

Mas é precisamente aqui que a visão cristã do homem abre perspectivas salutares para o doente mental e aqueles que o rodeiam. Porque mediante ela, o sentido pleno da vida não se limita à busca do bem-estar. Ela não ignora, não nega a dimensão trágica da vida, com a qual a cruz a tornou familiar. Não encara o auxílio à pessoa deficiente como privado de sentido, mesmo que a esperança de completa cura se demonstre fraca ou nula. Ela tem consciência de aplicar aqui o essencial da Boa Nova: "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão a misericórdia" (Mt 5, 7). E concebe a misericórdia, não como uma atitude condescendente que seria uma ofensa à dignidade daquele que dela beneficia, mas precisamente como um modo de respeitar e reconhecer a sua dignidade abençoada para a desenvolver (cf. Dives in Misericordia, 2, 6, 14). Este "pobre" é de facto o objecto do amor de Deus, da sua salvação, ela sua promessa de vida eterna.

Assim, o doente mental, sendo embora um homem e um irmão desfavorecido, possui um direito especial à atenção, ao amor, à dedicação e ao exercício das capacidades profissionais daqueles que o podem ajudar e que, graças ao progresso das ciências, estão felizmente mais em condições de lhe assegurar um progresso humano. Por outro lado, não se deveria esquecer — e para vós próprios é muitas vezes um conforto e uma ajuda — que esses doentes possuem dons e sobretudo qualidades de coração que são capazes de oferecer, por sua vez, a quem os rodeia.

Talvez seja conveniente fazer notar que a ajuda oferecida a estes doentes mentais deve evitar dois excessos: o de pretender exigir do doente um exercício da sua liberdade desproporcionado com o seu estado, que seria desprezar a gravidade da sua situação; mas também o de limitar mais do que é necessário a liberdade que ele está em condições de exercer. De modo análogo, se não se pode pretender do doente mais do que lhe é possível no que diz respeito à plena participação na vida social, é preciso também evitar de impedir ou limitar a participação de que ele é capaz em determinado momento. Por fim, no campo dos valores religiosos, se é claro que a ajuda médica ou espiritual deve evitar de favorecer as manifestações patológicas do sentimento religioso, ela não deverá sufocar, por outro lado, a autêntica expressão ela fé, do sentido moral, do desejo de absoluto e de uma relação filial com Deus, inscritos pelo Criador e o Redentor no coração humano. Aos olhos de Deus, certamente, os esforços comovedores destes deficientes para viverem unidos ao Senhor e, amarem o próximo podem bem merecer os esforços dos seus irmãos mais favorecidos.

Assim, o serviço oferecido na perspectiva de uma antropologia cristã não deve agravar a perda das liberdades pessoais, ou o isolamento do mundo social; e, do mesmo modo evite, para superar estes escolhos, de recorrer a leis libertadoras em excesso ou ao uso imoderado de remédios psicotrópicos: haveria nisso, em certo sentido, um modo de voltar à terapia do passado que consistia sobretudo em isolar os doentes. Seria, em ambos os casos, temer pagar o preço de um amor realista e concreto e privar a pessoa da liberdade proporcional às suas capacidades.

É sem dúvida difícil adoptar a solução que ajude o doente mental tanto quanto possível e da melhor maneira.

É vosso mérito concorrer para isso com todas as vossas forças, capelães, médicos, enfermeiros e enfermeiras, com a ajuda da sociedade e das famílias. É nesta perspectiva em busca do "mais humano" que podereis fazer beneficiar os vossos doentes das novas experiências consentidas pelos progressos das ciências e da psicologia, que são o assunto das vossas sessões. Estou certo que o amor dos vossos doentes vos estimulará nisto e que a vossa fé cristã iluminará o vosso caminho.

Tais são os votos que o Santo Padre formula por vós na sua oração, ao mesmo tempo que envia a sua afectuosa Bênção Apostólica aos congressistas de Estrasburgo e a todos aqueles que, como eles, consagram a própria vida, com generosidade e competência, ao bens dos nossos irmãos doentes e deficientes mentais.

Ao agradecer-lhe se digne transmitir esta mensagem aos seus colegas, queira aceitar, Reverendo Padre, a certeza da minha total dedicação

 

AGOSTINO Card. CASAROLI
Secretário de Estado

 

 

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