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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA SEGUNDA SESSÃO DA COMISSÃO GERAL
 DA ONU PARA A PREPARAÇÃO DE
UMA CONVENÇÃO INTERNACIONAL
SOBRE A CLONAGEM HUMANA "REPRODUTIVA"

27 de Setembro de 2002 

 


Obrigado, Senhor Presidente

A posição da Santa Sé é bem conhecida. A Santa Sé apoia e promove a eliminação mundial e completa da clonagem de embriões humanos, que tenham finalidades tanto reprodutivas como científicas. Mesmo quando é realizada em nome do aperfeiçoamento da humanidade, a clonagem de embriões humanos ainda constitui uma afronta contra a dignidade da pessoa humana. A clonagem de embriões humanos objectiva a sexualidade do homem e modifica a vida humana.

Como o Papa João Paulo II quis afirmar recentemente, "A vida humana não pode ser vista como um objecto de que se possa dispor arbitrariamente, mas como a realidade mais sagrada e inviolável que existe sobre a face da terra. Não pode haver paz, quando falta a salvaguarda deste bem fundamental... à [lista das injustiças do mundo] há que acrescentar as práticas irresponsáveis de engenharia genética, tais como a clonagem e o uso de embriões humanos para a investigação, procurando justificá-las com um apelo ilegítimo à liberdade, ao avanço da cultura, ao fomento do progresso humano. Quando os sujeitos mais frágeis e indefesos da sociedade sofrem tais atrocidades, a própria noção de família humana, assente nos valores da pessoa, da confiança e do respeito e auxílio recíprocos, acaba por ficar gravemente danificada. Uma civilização baseada sobre o amor e a paz deve opor-se a estas experimentações indignas do homem".

Assente na condição biológica e antropológica do embrião humano e na lei moral e civil fundamental, é ilícito matar um ser inocente, mesmo que seja para o benefício da sociedade em geral.

A Santa Sé considera inaceitável a distinção entre a clonagem "reprodutiva" e a chamada clonagem "terapêutica" (ou "experimental"). Esta distinção oculta a realidade da criação de um ser humano, com a finalidade de o destruir, em ordem a produzir linhas de células estaminais de embriões ou a realizar outras experiências. A clonagem de embriões humanos deve ser proibida em todos os casos, independentemente das finalidades que se têm em vista. A Santa Sé fomenta a investigação no campo das células estaminais de origem pós-natal, uma vez que esta abordagem - como tem sido demonstrado pela vasta maioria dos recentes estudos científicos realizados - constitui um modo sadio, promissor e ético de obter o transplante de tecidos e a terapia celular que poderão beneficiar a humanidade. Como Sua Santidade o Papa João Paulo II afirmou, "em todo o caso, será preciso evitar sempre os métodos [científicos] que não respeitam a dignidade e o valor da pessoa; penso de modo particular nas tentativas de clonagem humana, que visam a obtenção de órgãos de transplante: enquanto implicam a manipulação e a destruição de embriões humanos, tais técnicas não são moralmente aceitáveis, mesmo que tenham em vista um objectivo em si bom. A ciência deixa entrever outras vias de intervenção terapêutica, que não comportam a clonagem nem o uso de células embrionárias, bastando para essa finalidade a utilização de células estaminais extraídas de organismos adultos. É ao longo desta via que deverá progredir a investigação, se quiser ser respeitadora da dignidade de cada ser humano, mesmo na fase embrionária".

A clonagem de embriões, levada a cabo em nome da investigação biomédica ou da produção de células embrionárias, contribui para debilitar a dignidade e a integridade da pessoa humana. Clonar um embrião humano e, intencionalmente, programar a sua destruição, institucionalizaria a destruição deliberada e sistemática da vida humana nascente, em nome do desconhecido "bem" da terapia potencial ou da descoberta científica. Esta perspectiva é repugnante para a maioria das pessoas, inclusive para aquelas que propriamente defendem o progresso da ciência e da medicina.

Dado que a clonagem de embriões gera uma nova vida humana, orientada não para um futuro de florescimento humano, mas para um futuro destinado à servidão e à destruição certa, trata-se de um processo que não pode ser justificado com base na afirmação segundo a qual pode beneficiar outros seres humanos. A clonagem de embriões viola as normas fundamentais contidas na lei dos direitos do homem. "A partir de 1988, duas grandes divisões planetárias aprofundaram-se ainda mais:  a primeira é o fenómeno cada vez mais trágico da pobreza e da discriminação social... e a outra, mais recente e condenada de maneira menos ampla, diz respeito à criança nascitura... como sujeito de experiências e de intervenções tecnológicas (através das técnicas de procriação artificial, do uso dos chamados "embriões supérfluos", da denominada "clonagem terapêutica", etc.). Aqui há o risco de uma nova forma de racismo, dado que o desenvolvimento destas técnicas poderia levar à criação de uma "sub-categoria de seres humanos", destinada basicamente para a conveniência de determinadas pessoas. E isto corresponderia a uma nova e terrível forma de escravidão. Infelizmente, não se pode negar que a tentação da eugenia ainda é latente, de maneira especial quando é explorada pelos poderosos interesses comerciais. Os governos e a comunidade científica devem permanecer vigilantes neste campo".

Desde a fundação da Organização das Nações Unidas, a centralidade do bem-estar e a salvaguarda de todos os seres humanos nos seus trabalhos são inquestionáveis. Tanto a salvaguarda das gerações de seres humanos do presente e do futuro, como o progresso dos direitos fundamentais humanos são essenciais para os trabalhos da Organização das Nações Unidas. A Declaração Universal dos Direitos do Homem reitera a santidade de toda a vida humana e a urgente necessidade de a proteger contra os ataques. A este propósito, o Artigo 3 da mencionada Declaração afirma que todos têm o direito à vida. Com a vida, vem a esperança no futuro - uma esperança que a Declaração Universal dos Direitos do Homem protege, reconhecendo que todos os seres humanos são iguais em termos de dignidade e de direitos. Com o direito à vida, vêm a liberdade e a segurança da pessoa. Para garantir que assim seja, a referida Declaração Universal confirma que cada ser humano é uma entidade à qual se deve garantir um futuro repleto de esperança na autodeterminação. Para continuar a promover esta finalidade, as condições que degradam o ser humano, com condições servis, e a negação dos direitos fundamentais à vida e à autodeterminação, são repreensíveis e inaceitáveis. < p>

Independentemente do objectivo pelo qual é realizada, a clonagem de embriões humanos entra em conflito com as normas legais internacionais que salvaguardam a dignidade humana. A lei internacional garante o direito à vida para todos os seres humanos - e não apenas para alguns.

Facilitar a formação de seres humanos destinados à destruição, o aniquilamento intencional dos seres humanos clonados uma vez que se alcança a finalidade de uma específica investigação relegando cada ser humano a uma existência de servidão involuntária ou de escravidão, e realizando experiências médicas e biológicas também involuntárias com seres humanos, é moralmente errado e inadmissível. A clonagem de embriões humanos apresenta também grandes ameaças à norma da lei, dando às pessoas responsáveis pela clonagem a possibilidade de seleccionar e de propagar determinadas características humanas, assentes no género, na raça, etc., e de eliminar as outras. Isto corresponderia à prática da eugenia, que levaria à instituição de uma "super-raça" e à inevitável discriminação contra as pessoas que nascem através do processo natural. A clonagem de embriões nega inclusivamente aos sujeitos gerados para finalidades de investigação, os direitos internacionais ao seu devido processo e à protecção equitativa por parte da lei. Além disso, deve recordar-se que a administração do Estado e o desenvolvimento dos acordos regionais reconheceram que a clonagem de embriões humanos, levada a cabo para qualquer finalidade que seja, é contrária à norma da lei.

Senhor Presidente, devemos recordar que todo o processo que inclui a clonagem humana é, por si só, um processo reprodutivo, porque gera um ser humano no próprio início do seu desenvolvimento, ou seja, um embrião humano.

Obrigado, Senhor Presidente!


Notas

1) Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2001, n. 19.

2) Discurso no XVIII Congresso Internacional sobre a Sociedade dos Transplantes, 29 de Agosto de 2000, em:  ed. port. de L'Osservatore Romano 2 de Setembro de 2000, pág. 9, n. 8.

3) Contribuição da Santa Sé na Conferência mundial contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a relativa intolerância, realizada em Durban (África do Sul), de 31 de Agosto a 7 de Setembro de 2001, n. 21.

 

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