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INTERVENÇÃO DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ
DURANTE A 61ª ASSEMBLEIA GERAL DA ONU NO DIÁLOGO DE ALTO NÍVEL
 SOBRE MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 

DISCURSO DE SUA EX.CIA REV.MA D. NICHOLAS DIMARZIO

Nova York, 15 de Setembro de 2006

 

Senhora Presidente

Os nossos debates destes dois dias evidenciaram que a imigração constitui um elemento essencial da interdependência e do intercâmbio entre os Estados nacionais que foram atingidos pelo fenómeno da globalização. Este fenómeno forja os povos numa dimensão mundial e em novos relacionamentos de interdependência, enquanto o crescimento da economia global depende cada vez mais da migração internacional. Todavia, a migração é também uma enorme fonte de solicitude humana, dado que diz respeito à vida e à dignidade de muitos milhares de milhões de pessoas.
A política da Organização das Nações Unidas sobre a migração está alicerçada sobre a dignidade singular de cada pessoa humana. Isto leva-nos a afirmar que o migrante jamais pode ser considerado um objecto de migração, mas sim um sujeito.

Um dos elementos mais controversos sobre esta questão é o da imigração irregular. A Santa Sé reconhece o direito soberano que as nações têm de determinar quem pode entrar e quem pode permanecer num determinado Estado. Ao mesmo tempo, porém, os Estados têm o grave dever de proteger os direitos de todas as pessoas, quer elas sejam migrantes irregulares quer não, e de cooperar para a readmissão daquelas que são obrigadas ou desejam regressar, quer o seu retorno à própria pátria seja voluntário, quer involuntário. A condição legal do migrante é algo que está totalmente separado da sua dignidade humana, dado que todos eles, e sem qualquer excepção, têm direitos inalienáveis que não podem ser violados nem ignorados.

Tanto os Estados de partida como os de chegada têm a responsabilidade de respeitar e de assumir os compromissos ligados ao código dos direitos humanos internacionais, em vista de assegurar a salvaguarda de todos os migrantes. Os Estados são obrigados a tutelar os direitos dos indivíduos: não obstante, esta questão tende a evidenciar não tanto a falta de uma lei, como sobretudo a falta da aplicação da mesma.

No que diz respeito aos migrantes autorizados a longo prazo, a sua plena integração constitui uma exigência tanto para revigorar a harmonia e a coesão no plano social, como para ressaltar ao máximo nível a contribuição que os migrantes oferecem para o bem da sua nova sociedade. Os migrantes deveriam respeitar as identidades culturais e religiosas das nações receptoras e os direitos e deveres constituídos pela cidadania, bem como ser animados a integrar-se socialmente e a contribuir de forma financeira nos países que os receberam. A percepção pública dos migrantes também precisa de ser aperfeiçoada através de uma liderança política impávida e de uma cobertura, promovida pelos meios de comunicação, que seja muito mais informada e imparcial.
Uma preocupação específica da Santa Sé é a situação dos indivíduos que são obrigados a imigrar contra a própria vontade, e não só os refugiados, mas também aqueles que são vítimas de tráfico humano, muitas vezes para finalidades imorais ou destinados à escravidão humana.

Estes são os mais vulneráveis entre os migrantes, que passaram a ser conhecidos como irregulares ou não documentados. Com efeito, tais situações deveriam representar um embaraço para o mundo globalizado dos nossos dias. Justamente, poucos defenderiam esta prática; por conseguinte, pôr fim à mesma poderia ser o início de uma cooperação internacional concreta neste campo, porque é somente através da cooperação internacional que este problema pode ser enfrentado e, eventualmente, resolvido.

De todas as problemáticas que se apresentam neste Diálogo de Alto Nível, talvez a mais difícil seja a relativa à gestão da migração. Importantes decisões nacionais, regionais e internacionais em áreas como o desenvolvimento, o comércio e os vários mercados de trabalho são raramente tidas em consideração, naquilo que se refere ao seu impacto sobre a migração. São necessárias consultas mais eficazes entre os diversos governos e outros responsáveis, se quisermos que se desenvolvam práticas coerentes. A este propósito, estamos persuadidos de que, se os Estados cooperassem mais amplamente uns com os outros, estariam a promover e não a diminuir a soberania que lhes é própria. Trata-se de uma lacuna crítica no modo de os Estados abordarem o problema da migração nos dias de hoje.

É verdade que os processos de consultas regionais sobre a migração estão a progredir no mundo inteiro, tendo pois realizado muitos empreendimentos, mas com frequência eles dão demasiada importância ao controle nas fronteiras, omitindo as questões relativas aos direitos dos migrantes e ao desenvolvimento. Se eles interagissem em maior medida uns com os outros no plano transregional, talvez se pudesse dar início a uma cooperação internacional mais concreta.

Até agora foram alcançados progressos na idealização de processos de consultas informais entre os vários governos a nível regional, mas a minha delegação concorda com aqueles que julgam ter chegado a hora de considerar a oportunidade de desenvolver um processo consultivo global que permita, aos governos que assim desejarem, promover propostas construtivas para transformar em realidade a potencialidade positiva da migração internacional em vista do desenvolvimento. Este processo mundial fundamentar-se-ia sobre outros processos regionais e serviria de vínculo entre os governos e o Grupo Global de Migração, a fim de assegurar que as actividades do sistema da Organização das Nações Unidas, em união com a IOM, sejam reciprocamente reforçadas e levem a uma soma verdadeiramente maior do que as suas partes. Tratar-se-ia de um organismo estável que viria a comprometer os governos com experiência de primeiro nível na abordagem dos desafios relativos à migração.

A fim de harmonizar as preocupações, também acreditamos que nas suas respectivas consultas este mesmo foro deveria dispor de uma gestão estatal, ser voluntário e não vinculante. Neste contexto, damos a nossa aprovação à sugestão de realizar um novo encontro no próximo ano na Bélgica, visando uma análise de tal iniciativa. Já na preparação deste Diálogo de Alto Nível houve um aumentado intercâmbio no plano nacional, além de uma maior cooperação e coerência entre as diferentes entidades governamentais preocupadas com o nexo existente entre migração internacional e desenvolvimento.

A participação periódica nos processos de consultas globais poderia manter e aperfeiçoar o actual nível de coordenação, aumentar a coerência no plano nacional e orientar a definição de políticas mais lógicas, que visem fazer da migração internacional um instrumento eficaz em prol do desenvolvimento.

Formulamos votos a fim de que também as recomendações da Comissão Global e o relatório do Secretário-Geral sobre Migração Internacional e Desenvolvimento sejam considerados com seriedade. Por sua vez, a Santa Sé continuará a trabalhar em estreita colaboração com o Grupo Global de Migração, como já fez com o Grupo de Migração de Genebra.

Em síntese, Senhora Presidente, é necessário resolver os problemas que estão na raiz da questão, a fim de que as pessoas não se sintam obrigadas a abandonar a própria casa para ir em busca de um trabalho digno; é preciso enfrentar melhor a problemática relativa à tutela dos migrantes, especialmente dos refugiados e das pessoas que se tornam vítimas do tráfico ou do contrabando; é necessária a regularização daqueles que a merecem ou que já estão a oferecer a própria contribuição para a sociedade receptora, mesmo que eles tenham chegado a tal país sem documentos ou de maneira não autorizada, a fim de fomentar um ambiente adequado, capaz de superar os persistentes fenómenos da discriminação, da violência, do tráfico humano e da xenofobia. Além disso, encorajo os Estados a participarem nos agrupamentos regionais de migração que se alastraram pelo mundo inteiro.

Somente através da colaboração internacional e de uma avaliação local honesta dos benefícios da migração este fenómeno poderá ser abordado de maneira justa e humana.

Obrigado, Senhor Presidente!

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