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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ JUNTO DAS NAÇÕES UNIDAS
NO IV DIÁLOGO DE ALTO NÍVEL SOBRE
O FINANCIAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO

DISCURSO DE MONSENHOR CELESTINO MIGLIORE

Nova York, 24 de Março de 2010

Senhor Presidente!

O devastador impacto da recente crise financeira nas populações mais vulneráveis do mundo foi evidenciado em quase todas as intervenções feitas até agora nesta Assembleia geral porque é verdadeiramente uma preocupação partilhada pelos Governos e pelos cidadãos de todo o mundo. De facto, a sombra escura desta crise provavelmente frustrará os esforços realizados até ao momento que contribuíam para a redução da pobreza e fará aumentar exponencialmente o número daqueles que vivem na pobreza extrema.

Ao mesmo tempo, a actual crise económica deu vida a uma cooperação política internacional sem precedentes, evidente nos encontros de Alto Nível do G20, que se realizaram em Washington, Londres e Pittsburg durante o ano de 2009. Estes encontros conseguiram chegar a um acordo sobre medidas de emergência para reactivar a economia mundial, inclusive através de ofertas fiscais e monetárias de incentivo, que evitaram a catástrofe global. Em geral, as deliberações do G20 receberam o apoio moral da maior parte dos membros das Nações Unidas, não obstante a negada participação dos países mais pequenos nas deliberações.

Não obstante, a estabilização de algumas economias, ou a retomada de outras, não significa que a crise foi superada. Além disso, existe uma percepção geral da falta de fundações políticas e económicas firmes, necessárias para garantir estabilidade e sustentabilidade à economia global a longo prazo. De facto, toda a economia mundial, da qual os países são altamente interdependentes, nunca conseguirá funcionar bem se as condições que geraram a crise continuarem a persistir, em particular se ainda existirem desigualdades fundamentais no rendimento e na riqueza entre indivíduos e nações. Diante deste cenário, a minha Delegação ressalta a ideia de que para passar à acção não se pode esperar uma retomada definitiva e permanente da economia global. Um motivo significativo é que a primeira reactivação das economias dos povos mais pobres do mundo contribuirá certamente para garantir uma retomada universal e sustentável. Contudo, o motivo mais importante é o imperativo moral: não deixar uma inteira geração, cerca de um quinto da população mundial, na pobreza extrema.

Agora é necessário reformar, fortalecer e modernizar urgentemente todo o sistema financeiro dos países em vias de desenvolvimento, assim como os programas das Nações Unidas, das agências especializadas e das organizações regionais, tornando-as mais eficazes, transparentes e bem coordenadas, quer a nível internacional quer local. A crise que também evidenciou a necessidade urgente de avançar com a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, cujas estruturas e procedimentos devem reflectir as realidades do mundo actual e não as da fase sucessiva à II Guerra Mundial.

Como foi evidenciado pela Declaração de Doha, no mês de Dezembro de 2008, o FMI reformado deveria conseguir desempenhar plenamente o seu mandato original de estabilizar as flutuações da moeda e ser dotado dos instrumentos para prevenir as crises financeiras. A função do Fórum de estabilidade financeira adquiriria uma maior legitimidade se fosse desenvolvida em estreita colaboração com o Fundo e com outros organismos importantes das Nações Unidas como a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento). A comunidade internacional, através dos seus organismos competentes, como o FMI e o FSF, entre outros, deveria conseguir formular propostas para melhorar as normativas bancárias. Deveria ser capaz de identificar e definir os requisitos de capital para os bancos, os de liquidez, as medidas de transparência e os critérios de confiança para a emissão e comercialização dos títulos. Igualmente importantes são as normas que regulam as actividades parabancárias e de controle das agências de rating. Seria bom não esperar o consentimento sobre todas estas questões, mas movermo-nos nas áreas em que o consenso já é muito amplo, como os critérios internacionais de contabilidade uniforme.

Por outro lado, a comunidade internacional, através do Banco Mundial e das agências multilaterais competentes, deveria continuar a dar prioridade à luta contra a pobreza, em particular nos países menos desenvolvidos (LDC). Neste contexto, como parte das medidas de emergência tomadas pelos países industrializados para enfrentar a crise, as contribuições do Banco Mundial destinadas a combater a pobreza extrema deveriam ter a prioridade absoluta. Embora a crise financeira tenha tornado necessário aumentar as ajudas aos países de rendimento médio através do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (IBRD), o Banco Mundial deve continuar a dar prioridade aos empréstimos através da Associação Internacional para o Desenvolvimento (IDA) que apoia os países de baixo rendimento e oferece recursos para a segurança alimentar.

Para este fim, devemos continuar a rever a distribuição dos direitos de voto de ambos os institutos financeiros a fim de que as economias emergentes e os países em vias de desenvolvimento, incluída a categoria dos países menos desenvolvidos (LDC), sejam devidamente representados. Da mesma maneira, poderia ser desejável introduzir, pelo menos no que diz respeito às decisões-chave, a aprovação com "dupla maioria" para que as decisões não sejam tomadas só com base na maioria numérica dos países.

Senhor Presidente!

No final da II Guerra Mundial, a comunidade internacional conseguiu adoptar um sistema global que não só teria garantido a paz, mas teria evitado também uma repetição da derrocada económica global. As instituições que emergiram da Conferência de Bretton Woods em Julho de 1944 podiam garantir o início de um processo de desenvolvimento económico justo para todos. A actual crise global oferece uma oportunidade semelhante a qual exige uma abordagem total, baseada na partilha de recursos e na transferência dos conhecimentos e das instituições. Para obter tudo isto, todas as nações, sem excepções, devem comprometer-se num renovado multilateralismo.

Ao mesmo tempo, a eficácia das medidas tomadas para superar a crise actual deveria ser sempre avaliada com base na sua capacidade de resolver os problemas primários. Não deveríamos esquecer que aquele mundo que, em poucas semanas, conseguiu encontrar triliões de dólares para ajudar os bancos e as instituições financeiras, não conseguiu encontrar 1% daquele valor para ajudar as necessidades das pessoas famintas, a começar pelos 3 biliões de dólares necessários para fornecer refeições a crianças famintas nas escolas ou os 5 biliões de dólares necessários para manter o fundo para a emergência alimentar do Programa Alimentar Mundial.

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