The Holy See
back up
Search
riga

INTERVENÇÃO DO CARDEAL TRUJILLO
NA SESSÃO ESPECIAL DA ONU
SOBRE OS DIREITOS DA INFÂNCIA

Nova Iorque, 9 de Maio de 2002

 


Senhor Presidente

A Santa Sé quer ser sempre fiel ao amor de especial predilecção e ternura do Senhor pelas crianças, no reconhecimento e no respeito pleno que lhes é devido. Elas são uma maravilhosa dádiva de Deus.

Ao longo dos séculos foram fundadas, no seio das comunidades cristãs, incontáveis instituições e obras em favor da infância proporcionando, nas mais variadas dimensões, um serviço generoso:  na família, na educação e no campo da saúde, com especial realce aos mais pobres e necessitados. A luta contra a pobreza, que aflige cruelmente a infância e ceifa um elevado número de vítimas, constitui uma exigência fundamental.

No Ano internacional da Família (1994), Sua Santidade o Papa João Paulo II escreveu uma significativa Carta às Crianças. Elas constituem uma fonte de alegria e de esperança para os pais e para a sociedade em geral, e são amadas por Deus no Menino Jesus que, em Belém, se apresenta como recém-nascido. Nessa Carta, o Papa denuncia os sofrimentos, as ameaças e os atentados de que as crianças são vítimas:  "[Elas] padecem fome e miséria, morrem por causa das doenças e da desnutrição, caem vítimas das guerras, são abandonadas pelos pais e condenadas a ficar sem casa, privadas do calor de uma família própria, sofrem muitas formas de violência e prepotência por parte dos adultos. Como é possível permanecer indiferente perante o sofrimento de tantas crianças, especialmente quando, de qualquer modo, é causado pelos adultos?" (Carta às Crianças). O Santo Padre afirma que não se pode permanecer indiferente, diante do sofrimento de tantas crianças.

Além das múltiplas formas de violência indicadas, existem outras que se difundem, com efeitos drásticos. Como no caso da poluição moral do ambiente, que as impede de respirar espiritualmente o ar puro. As famílias e os Estados não podem ignorar as exigências de uma "ecologia humana" (Centesimus annus, 30). Quando os valores morais são impunemente desprezados, quando a atmosfera é carregada de modo artificial de erotismo, quando se desvirtua e se banaliza o significado da sexualidade humana, e quando se chega a induzi-las a "estilos de vida", de comportamentos inqualificáveis, num clima de pessimismo alarmante, os riscos da violência aumentam. Apesar do atraso notável, porque as vítimas já são deveras numerosas, muitas pessoas parecem começar a reagir e a rever atitudes e a fortalecer as normas legais para evitar as suas consequências devastadoras.

Em diversas ocasiões, o Pontifício Conselho para a Família celebrou congressos internacionais sobre a infância: 

- A dignidade da criança e os seus direitos (Roma, 18-20 de Junho de 1992).
- A exploração sexual das crianças na prostituição e na pornografia (Bangkok, 9-11 de Setembro de 1992).
- A família e o trabalho das crianças (Manila, 1-3 de Julho de 1993).
- Os meninos de rua (Rio de Janeiro, 27-29 de Julho de 1994).
- A adopção internacional (Sevilha, 25-27 de Fevereiro de 1994).

Mais recentemente, por ocasião do grande Jubileu, realizámos um Congresso mundial, sobre o tema: "As crianças são a primavera da família e da sociedade" (Roma, 11-13 de Outubro de 2000) e, no dia 5 de Junho do ano passado, aqui na sede da Organização das Nações Unidas, teve lugar uma Assembleia sobre "As crianças nos conflitos armados: responsabilidade de cada um", organizada pela Missão Permanente de Observação da Santa Sé, em união como o Departamento do Representante do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas para as crianças em situação de conflito. Seria uma informação demasiado ampla, que exigiria recordar os congresso, os encontros, e outras actividades levadas a cabo pela Igreja de lés a lés, no mundo inteiro.

O reconhecimento íntegro da dignidade humana da criança, de todas as crianças, imagem de Deus, desde o momento da sua concepção, parece perdido e agora deve ser renovado. A verdadeira medida de grandeza de uma sociedade é aquela com que se reconhece e protege a dignidade e os direitos humanos e se assegura o bem-estar de todos os membros, especialmente no que se refere às crianças. Uma sociedade sadia, de rosto verdadeiramente humano, é aquela em que os indivíduos reconhecem a família como uma célula básica da sociedade e a mais importante mestra e educadora da criança, tal como é proclamado na Convenção sobre os direitos da criança (1989).

É muito importante observar o critério central, várias vezes realçado nessa mesma Convenção, segundo o qual deve prevalecer "o bem superior da criança". Este critério iluminador não deve ser sufocado nem espezinhado por leis injustas. "O bem superior da criança" é um critério precioso que mergulha as raízes na sua dignidade pessoal: a criança é o fim, a finalidade, e não um instrumento, um meio, um objecto (cf. Gaudium et spes, 24); ela é um sujeito digno de direitos, a começar pelo direito fundamental à vida, desde a sua concepção, que nada nem ninguém pode negar, assim como o afirma o parágrafo 9 do preâmbulo da Convenção.

O processo de desenvolvimento humano em todos os seus aspectos físicos, emotivos, espirituais, intelectuais e sociais é o resultado de uma sinergia entre a família e a sociedade. Somente através de uma colaboração eficaz a criança poderá ser protegida contra toda a injúria, abuso e opressão, e tornar-se capaz de compartilhar e de contribuir para o bem comum da humanidade. Alcançar este desenvolvimento é um grande empreendimento, sempre em vias de realização que, ao mesmo tempo, torna evidente o espírito autêntico e o estado de saúde das sociedades, e oferece as soluções oportunas contra as injúrias e as necessidades.

"O bem superior da criança" exige a sua relação adequada com a família, fundamentada sobre o matrimónio, berço e santuário da vida, lugar do crescimento pessoal, dos afectos, da solidariedade, do direito e da transmissão da cultura de geração em geração. Ao serviço da criança, a comunidade internacional deve "defender o valor da família e o respeito pela vida humana, desde o momento da sua concepção. Trata-se de valores que pertencem à "gramática" fundamental do diálogo e da convivência humana entre os povos" (Discurso de João Paulo II por ocasião do Jubileu das Famílias, 14 de Dezembro de 2000).

Por conseguinte, a Santa Sé afirma que os Direitos da Criança devem ser vinculados aos Direitos da Família. Como instituição fundamental para a vida da sociedade, a família fundada sobre o matrimónio deve ser entendida como pacto pela qual "o homem e a mulher constituem entre si a comunhão íntima de toda a vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole" (João Paulo II, Carta às Famílias, Gratissimam sane [1994], n. 7; cf. Código de Direito Canónico, cân. 1055 par. 1; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1601; cf. Santa Sé, Carta dos Direitos da Família [1983], art. 1-3; cf. Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 16).

A criança, aliás todas as crianças, em qualquer situação ou circunstância que se encontrem, devem ser amadas, acolhidas, protegidas e educadas com uma dedicação especial e com ternura, tanto maior quanto mais duras e pesadas forem as suas limitações e dificuldades.

Deve fazer-se todo o possível para que elas sejam concebidas, nasçam, cresçam e sejam formadas no seio de uma família, capaz de proporcionar, de forma positiva e permanente, protecção e exemplo como elementos insubstituíveis da sua educação.

A criança tem o dever de ser considerada como membro da família, de tal maneira que os pais, abertos ao dom da vida, com uma paternidade e maternidade responsáveis bem concebidas, cumpram os seus deveres irrenunciáveis e sejam ajudados pela sociedade, sem lhes criarem dificuldades na missão que lhes é própria (cf. Carta dos Direitos da Família, art. 1b-3c).

Somente no caso em que venha a faltar a família, a sociedade e o Estado devem prover às necessidades da criança, porventura num ambiente que ofereça as qualidades de uma família no que se refere ao seu acolhimento, ao respeito e à ternura. "Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam do mesmo direito à salvaguarda social para o seu desenvolvimento pessoal e integral" (Carta dos Direitos da Família, art. 4e).

Senhor Presidente

A minha Delegação afirma que se deve alcançar uma legislação de protecção da infância que proteja as crianças contra todas as formas de exploração e de abuso, como por exemplo o incesto e a pedofilia, assim como no mundo do trabalho e na escravidão, nos crimes abomináveis da prostituição e da pornografia, nos raptos ou na sua utilização como soldados ou guerrilheiros, e também como vítimas dos conflitos armados ou das sanções internacionais ou unilaterais, impostas a alguns países; todos estes flagelos ultrajam e escandalizam a humanidade. Estas várias formas de violência não devem permanecer impunes.

É preciso velar cuidadosamente para que as adopções - nacionais ou internacionais - quando são verdadeiramente aconselháveis, observando o princípio do "Bem superior da criança", sejam feitas por casais que ofereçam autênticas garantias pela sua estabilidade, estilo de vida moral, capacidade de acompanhamento e exemplaridade, de tal forma que as crianças possam ser adequadamente educadas, não entorpecidas, quando não destruídas na sua própria personalidade.

Faz parte do interesse da criança, para o seu desenvolvimento integral e harmónico, que - como a própria ciência no-lo ensina - tenha um pai e uma mãe.

Senhor Presidente

A minha Delegação está persuadida de que não se reconhece o bem superior da criança quando, condicionados pelo mito da superpopulação - mito que os dados e as tendências demográficas recentemente reconhecidos demonstram ser infundados - se impõem políticas de povoamento contra os direitos da família e da criança. Há que reconhecer, em primeiro lugar, o direito fundamental à vida.

As crianças constituem uma riqueza e uma esperança para a família humana. É por isso que a Delegação da Santa Sé formula votos a fim de que esta Sessão Especial da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas dê numerosos e valiosos frutos em ordem a assegurar que as crianças do mundo inteiro sejam a "primavera da família e da sociedade".

top