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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA COMISSÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Genebra, 22 de Março de 2002


Senhor Presidente

Os acontecimentos do ano passado chamaram a nossa atenção para a necessidade de uma nova visão da maneira de modelar, no nosso mundo contemporâneo, a coexistência das pessoas, dos povos e das nações, com as suas diferentes tradições e histórias.

A "derrocada moral do preconceito racial e a animosidade étnica", segundo as palavras do Papa João Paulo II (1), só podem ser eliminadas de maneira definitiva mediante um consciente esforço de solidariedade e o reconhecimento da unidade essencial da única família humana.  O  terrorismo  constitui  uma afronta à dignidade humana e deve ser combatido com vigor. Contudo, a luta contra o terrorismo é, por definição, uma luta em benefício do exercício da lei, a favor dos relacionamentos entre as pessoas e as nações, assentes no respeito pela dignidade de cada pessoa humana e nos seus direitos humanos fundamentais.

Este é o contexto em que celebrámos o Ano do Diálogo entre as Civilizações. Foi o espírito que inspirou uma série de acontecimentos importantes, orientados para a promoção do diálogo entre as religiões e para o fortalecimento do papel das religiões ao serviço da paz. Os líderes religiosos, que se reuniram em Assis no dia 24 do passado mês de Janeiro, publicaram um "Decálogo para a Paz", (2) realçando que a violência e o terrorismo são incompatíveis com o autêntico espírito da religião".

Além disso, propuseram um diálogo leal e paciente, reconhecendo que "ir ao encontro da diversidade dos outros pode tornar-se uma oportunidade para uma maior compreensão recíproca".

A Conferência Mundial de Durban sobre o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a relativa intolerância traçou uma linha de leitura da situação contemporânea do racismo e de indicação do caminho para um futuro de interacção e coexistência mais frutuosas. O caminho para Durban não foi fácil e talvez o delineamento que daí resultou não seja uma via completa para o futuro a que tínhamos aspirado.

Contudo, juntamente com as resoluções da Assembleia Geral, os resultados da Conferência de Durban oferece-nos um material suficiente para dar continuidade, com um largo consenso, à luta contra o racismo. Em muitas regiões do mundo existe uma consciência evidente de que devemos promover um renovado  espírito  de  diálogo  e  de coexistência. Se o racismo não for abordado rapidamente nas suas raízes, as suas consequências corroerão o tecido da cooperação humana.

No que diz respeito à continuidade da Conferência de Durban, a Santa Sé gostaria de chamar a atenção para alguns temas específicos que ela considera  particularmente  importantes  e actuais.
Cada país deveria dispor de estruturas nacionais adequadas para abordar a questão do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e da relativa intolerância. Onde tais estruturas já existem, deve procurar-se a sua eficácia e promover os seus aperfeiçoamentos apropriados. Há que prestar uma atenção especial às situações em que, apesar dos melhores esforços, os sentimentos racistas ainda podem impedir às pessoas vulneráveis o exercício pleno dos seus direitos humanos.

Devemos analisar a capacidade que as forças policiais e a administração da justiça têm, de abordar a questão do abuso racial de maneira efectiva e com sensibilidade. Devem realizar-se esforços conscientes em ordem a assegurar que os grupos mais vulneráveis tenham pleno acesso à educação básica, de maneira a realizar o completo potencial que receberam de Deus e a participar plenamente na sociedade.

Os programas nacionais deveriam ter em imediata consideração a emergência das novas formas de racismo. A comunidade científica deve estar especialmente vigilante em ordem a assegurar que o progresso alcançado nos campos da medicina e da biotecnologia seja utilizado para beneficiar toda a família humana e nunca para prejudicar os indivíduos vulneráveis ou com uma subjacente intenção racista. "A tentação do eugenismo ainda está latente, especialmente quando os poderosos interesses comerciais a dominam"(3).

Os migrantes constituem um grupo particularmente frágil. "Hoje a maior mobilidade das pessoas exige, mais do que nunca, uma abertura aos outros"(4). É paradoxal o facto de que actualmente os migrantes e as suas famílias são expostos à intolerância racial, até mesmo em situações em que se reconhece que estão a oferecer uma contribuição insubstituível para o progresso económico dos países para os quais se transferiram. Uma comunidade globalizada deve desenvolver uma imagem positiva da migração. Além disso, não se podem aceitar tentativas de utilizar a ansiedade e o alarme em relação aos migrantes, como instrumento calculado em ordem à obtenção de um resultado político a curto prazo.

Ao transmitir aos Chefes de Estado e de Governo o Decálogo de Assis para a Paz, o João Paulo II realçou que a "humanidade contemporânea deve fazer uma escolha entre o amor e o ódio". O racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a relativa intolerância pertencem àquelas formas de ódio que se podem definir como "antigas e modernas". Com muita frequência na história, as tendências racistas voltaram a manifestar o seu rosto desprezível. Cada geração deve dizer o seu "não" ao racismo e edificar o seu "sim", em ordem a "procurar a verdade, a justiça, a liberdade e o amor, de tal maneira que cada pessoa humana possa gozar dos seus direitos inalienáveis, e cada povo, da paz"(5).


Notas

1) Homilia em Johanesburgo (África do Sul), 17 de Setembro de 1995.

2) Cf. ed. ing. de L'Osservatore Romano de 6 de Março de 2002.

3) A Igreja e o Racismo, Contribuição da Santa Sé para a Conferência de Durban, Cidade do Vaticano, 2001, n. 21.

4) Ibid., n. 22.

5) Cf. ed. ing. de L'Osservatore Romano de 6 de Março de 2002.

 

 

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