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INTERVENÇÃO DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ
 NA REUNIÃO ANUAL DA
"ORGANIZAÇÃO PARA A SEGURANÇA
E A COOPERAÇÃO NA EUROPA" - O.S.C.E.

Varsóvia, 9 de Setembro de 2002

 

 

Senhor Presidente

A Delegação da Santa Sé agradece às Autoridades polacas a sua hospitalidade e está persuadida de que, sob a autorizada liderança da Presidência portuguesa, o renovado formato do presente encontro de implementação da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa de 2002, sobre a chamada "dimensão humana", há-de contribuir para uma inserção mais eficaz dos seus resultados nas decisões políticas  do  próximo  Conselho  ministerial.

Todos nós sabemos que este é o encontro anual mais significativo, especificamente centrado nos direitos humanos, promovido pela nossa Organização. Estamos também perfeitamente conscientes do facto de que, apesar dos nossos esforços a níveis de procedimento e de organização, a falta de uma determinação política concreta faria das nossas recomendações conclusivas apenas um "oásis" de boas intenções, no meio de um "deserto" de agendas políticas que, de facto, são diversamente orientadas.

Nós constituímos uma Organização que insere os direitos humanos no próprio centro do tema da segurança, e não os coloca em oposição aos mesmos, e somos chamados a manter acesa a "chama da tocha" que quisemos "acender" em Helsínquia, há cerca de trinta anos.

E para conservar esta "luz", deveríamos procurar pôr em prática os compromissos assumidos e agir em conformidade com os mesmos, mesmo quando se trata de enfrentar as ameaças apresentadas pelo terrorismo.

1. No ano passado, ouvimos falar muito sobre o terrorismo. Mas sem uma aplicação efectiva da lei, não existe a possibilidade de abordar de maneira eficaz o flagelo do terrorismo. Ao mesmo tempo, se se exigem medidas especiais, elas não devem consistir em potenciais factores de mudança, no que se refere à qualidade e à natureza dos sistemas democráticos e judiciários.
Por outras palavras, deveria evitar-se o perigo de debilitar o próprio fundamento  da  democracia  e  a  prática  da lei, mesmo com a motivação de a defender.

Neste contexto, desejo recordar aquilo que a recente Declaração de Berlim também quis realçar:  "A nacionalidade ou a religião não correspondem, como tais, ao terrorismo". No dia 24 do passado mês de Janeiro, os chefes das várias religiões reuniram-se em Assis e comprometeram-se a respeitar um "Decálogo da Paz", em que chegaram a rejeitar e a condenar inclusivamente "qualquer recurso à violência e à guerra, em nome de Deus ou da religião".

2. Todos nós sabemos que a liberdade religiosa é uma das liberdades fundamentais. Ela está ligada directamente à pessoa e está antes de qualquer autoridade civil. A defesa deste direito limita os Estados e constitui uma expressão da sua  natureza  autenticamente  democrática.

Por conseguinte, nenhuma lei civil pode ser utilizada para limitar as actividades das comunidades religiosas, que são a expressão da liberdade religiosa destas mesmas comunidades e de cada um dos seus membros individualmente.

Além disso, a liberdade religiosa está vinculada à liberdade de consciência que, num determinado sentido, pode ser considerada como a própria raiz de todas as liberdades.

Quando as convicções religiosas são livremente escolhidas e vividas de maneira coerente, elas constituem mais um recurso, do que um perigo potencial; mais uma oportunidade que se apresenta a cada indivíduo e à sociedade inteira, do que uma expressão de fanatismo ou mesquinhez mental.

Todos nós sabemos que a liberdade religiosa continua a ser um elemento essencial para a segurança e para a coexistência pacífica dos povos, uma condição para qualquer prevenção efectiva de conflitos e um poderoso instrumento para a construção de uma paz duradoura.

Efectivamente, a liberdade religiosa deve ser respeitada por cada um e garantida para todos, mesmo no caso em que uma religião em particular goza de uma condição especial num determinado país. Esta liberdade aplica-se inclusivamente aos indivíduos não cidadãos que, de maneira temporária, residem no território desse mesmo país.

Por conseguinte, os Estados Membros da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa deveriam rejeitar qualquer pressão possivelmente exercida no contexto da sua jurisdição por parte de qualquer confissão religiosa que seja, mesmo que se trate de uma religião particularmente importante no território em questão, que possa prejudicar as expressões da liberdade religiosa também presentes nesse mesmo território. Com efeito, estas pressões constituiriam uma falta de tolerância e poderiam dificultar a construção de uma paz verdadeiramente autêntica.

Hoje em dia, existem países cujos representantes se sentam à volta desta mesa, em que às comunidades locais da Igreja católica falta o clero autóctone necessário e que, portanto, precisam da cooperação do pessoal estrangeiro a fim de exercer de maneira efectiva as suas liberdades religiosas. Algumas destas comunidades e alguns dos seus membros são tratados de forma arbitrária, de maneira que, às vezes, termina na discriminação no que diz respeito à concessão de vistos para as mencionadas pessoas, que não são residentes em tais territórios.

Existem países, aqui representados, em que as comunidades locais da Igreja católica também estão a experimentar dificuldades em definir e em manter livremente acessíveis os lugares de culto, assim como em se organizar em conformidade com a estrutura hierárquica que lhes é própria. Considerando que estas limitações ainda hoje subsistem, isto significa que existem países onde o Documento conclusivo de Viena (1989), que rejeita as mencionadas limitações, ainda não é aplicado.

Senhor Presidente

3. Uma parte específica do nosso encontro será dedicada ao flagelo do tráfico de pessoas humanas.

A Santa Sé estima e apoia vigorosamente a atenção com que, agora e nos próximos meses - e inclusivamente noutros fóruns - será abordada esta realidade, que foi definida como a escravidão do século XXI.

Com efeito, no contexto da comunidade internacional esta é uma questão candente. Contudo, é necessário que todos nós examinemos o incómodo facto de que, até à presente data, os Estados não conseguiram eliminar este comércio que visa o lucro. Isto faz com que seja especialmente importante não ceder a qualquer demagogia que possa impedir a definição de novas soluções e a realização das que já existem.

Numerosas Associações católicas estão activamente comprometidas no combate contra este flagelo com o recurso a programas de ajuda e de reabilitação, cem centros de assistência à saúde e com subsídios jurídicos e psicológicos, com ajustes temporários, com programas de educação no campo do trabalho e com a colaboração no sentido  de  encontrar  uma  ocupação decente.

4. Como todos nós sabemos, o problema do tráfico deve ser sempre tida em consideração, juntamente com a questão da migração, que hoje em dia está a tornar-se uma problemática que desperta cada vez mais a sensibilidade em numerosos países.

A migração deve ser vista no contexto da globalização, que - juntamente com a pobreza - estimula de maneira inevitável a migração e, com muita probabilidade,  fá-lo- á  cada  vez  mais  no futuro.
Hoje em dia, a migração deveria ser considerada ainda em termos de oportunidade:  oportunidade para os migrantes e oportunidade para os países receptores.

Em geral, deveríamos realçar o facto de que a regulação da migração com projectos respeitadores do bem autêntico tanto dos migrantes como da população receptora beneficiaria todas as partes interessadas. Sem dúvida, os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todas as partes interessadas, assim como a protecção dos indivíduos que são idóneos para os receber, deveriam ser salvaguardados. Além disso, poderia ser oportuno ter em consideração os factores económicos e sociais, bem como a identidade cultural específica da população receptora e a verdadeira necessidade de uma coexistência pacífica nos respectivos territórios.

Obrigado, Senhor Presidente!

 

 

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