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   DISCURSO DO SENHOR GIOVANNI GALASSI,
DECANO DO CORPO DIPLOMÁTICO
CREDENCIADO JUNTO DA SANTA SÉ,
EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DE SÃO MARINO*

Segunda feira, 8 de janeiro 2007

 


Santíssimo Padre!
Em nome dos membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, apraz-me dirigir-lhe os nossos votos mais fervorosos para o Novo Ano, que infelizmente continua a ser obscurecido por nuvens ameaçadoras de tensões e de conflitos. Esta situação verifica-se em todas as partes do planeta, numa espiral sem fim de ódio, de violência e de injustiças, onde a razão, privada da sua aspiração natural à transcendência, sente a tentação de se fechar num cepticismo estéril. A verdade da paz continua a estar comprometida e a ser negada, de modo dramático pelo terrorismo e pelos seus actos criminosos, apoiados por um niilismo e por um fundamentalismo que encontram a sua única razão de ser no desprezo absoluto do homem, da sua vida e do próprio Deus, e contra os quais só uma acção multilateral determinada e global poderá erguer uma barreira sólida.

Assistimos, de igual modo preocupados e por vezes impotentes, às numerosas guerras endémicas, com frequência fomentadas por interesses alheios às populações locais, que subvertem diferentes partes do mundo e sobretudo o continente africano, tão dura e continuamente provado.
Na vasta região do Médio Oriente a situação no Iraque e no Afeganistão está muito longe de uma solução que ponha fim às dezenas de mortos que quotidianamente ensanguentam estes Países com uma trágica brutalidade, à qual já nos habituamos, a ponto de nos admirarmos quando se verificam dias nos quais não são relatadas novas vítimas inocentes.

Na Terra Santa, a busca de uma coexistência pacífica entre as partes em conflito parece ainda difícil e a recente guerra, que devastou pesadamente o Líbano, poderia criar novos obstáculos a soluções negociadas.

Vêm à nossa mente as palavras de Martin Luther King, que, já em 1967, declarava que, «mediante a violência, podes matar aquele que odeias, mas não matas o ódio; restituir a violência com a violência faz aumentar as trevas a uma noite que já está privada das estrelas; a obscuridade não pode afastar o ódio, só o amor o pode fazer».

Estas palavras não foram ouvidas,mas representam ainda hoje uma exortação severa a banir as opções militares nas desavenças, a reduzir de maneira drástica os imensos arsenais militares já existentes, a empregar para finalidades socialmente mais úteis os enormes capitais destinados a estes arsenais, a fazer anular por outros países os projectos nucleares de tipo ofensivo actualmente em acto, de igual modo totalmente irracionais numa hipotética prova de força contra outras nações.

Nesta vertigem de cinismo, de abuso e de relativismo egoísta, Vossa Santidade exortou-nos, em Janeiro passado, a ter um impulso de «coragem», a fim de criar novos dinamismos nos relacionamentos internacionais, que correspondam antes de tudo à verdade do homem e da sua dignidade.

Não nos podemos recusar de prestar atenção a outras realidades além das nossas e não aceitar que elas estejam próximas, como uma parte do nosso destino, numa humanidade sem limites e não agir com a força desarmante do diálogo, sincero e honesto, para sair da incompreensão e para alcançar resultados positivos e equitativos: um diálogo que nasce das culturas específicas, das quais todos os povos são portadores, e da liberdade de religião para cada um, num respeito recíproco e na escuta, sem vontade coercitiva ou hegemónica, e sem considerar que o nosso estilo de vida seja o mais verdadeiro ou mais justo.

Desde o início, Vossa Santidade orientou o seu magistério para o serviço da reconciliação e da harmonia entre os homens, recordando o carácter central de Deus na nossa existência: neste sentido, Vossa Santidade defende com vigor o ecumenismo entre todos os cristãos e os seus recentes encontros com o Patriarca Bartolomeu I e com Sua Beatitude Christodoulos são a sua confirmação; de igual modo, Vossa Santidade prossegue um diálogo com as outras religiões que se referem a Abraão e que têm numerosos pontos em comum, com a intenção de elevar à transcendência a sociedade actual, marcada por uma profunda crise espiritual e submetida por um subjectivismo crescente, que reconhece unicamente na tecnocracia o caminho efémero da liberdade e do futuro.

Podemos sentir-nos desencorajados ao ver que uma parte da humanidade, sobretudo a mais progredida, guiada pela vertigem das conquistas científicas e da convicção hipotética da omnipotência, tende a excluir a presença de um Deus Criador e procura inclusivamente ridicularizar a sua existência mediante escritos e testemunhos de baixo nível, que ofendem a sensibilidade dos crentes.

De igual modo, uma laicidade mal compreendida organiza-se para defender os desejos individuais derivantes de uma convicção errada da liberdade pessoal absoluta, com a tentação de os transformar em direitos sem deveres, que impedem o progresso de uma sociedade harmoniosa e solidária.

Nesta perspectiva, chega-se a lesar os valores fundamentais, que estão na base da nossa existência, e a atentar contra o carácter sagrado da vida e da família, que se baseia no amor entre um homem e uma mulher, instituição fundadora da sociedade civil e garantia para a educação das crianças, como Vossa Santidade recordou durante a sua recente peregrinação a Valência. A maior parte da humanidade, ao contrário, considera que não se pode continuar a adiar a necessidade de sair da mentira do consumismo irresponsável, que dilapida os recursos do planeta, do hedonismo desenfreado que nos priva de qualquer ideal, da crescente corrupção, da consideração do ser humano como um meio e não como um fim.

No terceiro milénio, já não se pode conceber que homens, mulheres e crianças sejam utilizados e abusados como propriedade de outrém; que sejam tidos como reféns em todas as partes do mundo; que sejam perseguidos ou massacrados porque são diferentes dos poderes dominantes; que vivam em condições desumanas, privados dos meios mais elementares de subsistência e vítimas de epidemias frequentes; que sejam postos em condições que não lhes permitem praticar a sua fé religiosa ou vejam destruídos os seus lugares de culto.

Este é o maior desafio, que hoje a ONU, com o seu novo Secretário-Geral, Ban Ki-moon, e com o Conselho para os Direitos Humanos, recentemente constituído, têm diante de si, e que está muito longe da resolução, julgando pelos recentes relatórios da UNICEF e da FAO, que mostram resultados ainda muito decepcionantes. Vossa Santidade exortou-nos várias vezes a uma maior solidariedade. Mas, infelizmente, é preciso admitir sem hipocrisia que o abismo entre o Norte e o Sul do mundo é sempre maior e que vastas zonas do planeta ainda são objecto de devastações pelos países já ricos. Isto acentua a espiral da pobreza das populações locais, devido à dívida externa ou à nãoprodutividade permanente relacionada com sanções económicas postas em acto há anos, a ponto de que o compromisso de uma minoria de homens de boa vontade é insuficiente e até irrisório e, contudo, contrastado em grande medida pelos interesses económicos internacinais.


*L'Osservatore Romano. Edição semanal em português n. 2 p. 10.



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