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 APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO PREPARATÓRIO
 PARA A ASSEMBLEIA GERAL
DO SÍNODO DOS BISPOS DE 1983

TEMA: «RECONCILIAÇÃO E PENITÊNCIA NA MISSÃO DA IGREJA»

Sala de Imprensa da Santa Sé
28 de Janeiro de 1982

 

A 25 de Setembro de 1981 foi anunciado que o Santo Padre escolhera para o próximo Sínodo dos Bispos de 1983 o tema: "A Reconciliação e a Penitência na missão da Igreja". Agora é publicado o primeiro esboço do tema, os chamados "Lineamenta", preparado pela Secretaria do Sínodo e pelo seu Conselho; o documento tem o objectivo de estimular desde já, nas comunidades eclesiais, a reflexão sobre o argumento proposto. As Conferências Episcopais deverão recolher e sintetizar, nos vários países, as sugestões, as reacções e as respostas aos quesitos sobre os vários aspectos do tema e enviá-los è Secretaria do Sínodo até ao 1° de Setembro de 1982.

Estas respostas servirão em seguida para se preparar o "documento de trabalho" para o futuro Sínodo.

Método colegial

Começou, melhor, continua assim um interessante processo de consulta colegial e eclesial para todo o mundo que virá a terminar na discussão do Sínodo em 1983, em que os Padres confrontarão as experiências de fé e de vida das Igrejas locais. Os frutos e as conclusões desta consulta sinodal serão depois entregues ao Papa, Chefe da Igreja, para bem de todas as comunidades locais.

Com esta dinâmica, o instituto do Sínodo continua a própria função sendo propulsor de uma incessante comunicação e de uma vital osmose entre o centro e as outras partes da Igreja.

A consulta, que é agora promovida, encontra-se em substância já iniciada com a escolha do tema que o Papa fez depois de ter pedido sugestões às Conferências Episcopais, sugestões que, analisadas e sintetizadas, foram apresentadas ao Santo Padre pelo Conselho da Secretaria do Sínodo, composto de 15 Cardeais e Bispos provenientes de todas as partes do mundo. Com este método o Sínodo manifesta-se como instrumento vivo e privilegiado da colegialidade episcopal não só activa durante as suas reuniões, mas também no processo de preparação.

Os primeiros e autorizados destinatários do documento são obviamente os Bispos e as Conferências Episcopais. Mas a estas é deixada a plena liberdade de acção em alargar a consulta até à base eclesial. Por esta razão, pela primeira vez, o documento não é reservado, mas é posto à livre disposição de todos.

No contexto da consulta foi pedido um contributo também à Comissão Teológica Internacional, que aceitou por unanimidade colaborar na preparação do Sínodo.

Importância e interesse do tema

Na consulta sobre os temas para a escolha em vista do futuro Sínodo prevaleceu a indicação de que, depois da atenção dedicada aos problemas organizativos ou de relação, a Igreja se concentrasse mais na própria vida interior e retomasse o rico ensinamento do Concílio Vaticano II para uma cada vez mais profunda mudança da mente e do coração. Na aurora do terceiro milénio, reunindo-se a partir de dentro, a Igreja deverá colocar-se numa situação de Advento.

Isto não quer dizer que o assunto designado diga respeito só à interioridade. De facto, é ainda para o mundo um convite instante para a paz, que passa através da conversão e da reconciliação, tirando, mediante a penitência e a reconciliação, a última raiz das tensões que se manifestam em toda a terra; o Sínodo poderá assim contribuir para o renovamento do mundo. Por isso o futuro Sínodo insere-se no coração do drama do homem moderno.

O documento consta de três partes. De cada uma vai-se dar ao menos uma breve notícia.

O conteúdo das diversas partes do documento

I. O mundo e o homem em busca da reconciliação

O ponto de partida é constituído por uma verificação que domina a nossa época, quer dizer pela experiência directa das tensões e divisões no mundo, não excluídas as religiosas. Elas desenvolvem-se segundo círculos concêntricos cada vez mais amplos: no interior das famílias, desde as tensões e divisões até às injustiças, às afrontas e às violências, e pior entre os vários grupos sociais, económicos e políticos, atacando depois nações inteiras e até blocos de povos e dividindo a humanidade em hemisférios.

Sem demorar-se na análise das raízes económicas, sociais, históricas, culturais e políticas deste fenómeno, o homem moderno não pode considerar-se simplesmente objecto-vítima destas lacerações, mas deve pôr a si mesmo uma corajosa pergunta: se e em que medida ele mesmo lhes acarreta a responsabilidade. Melhor, a pergunta, que se põe hoje, é ainda mais profunda: não será o homem um resultado de anónimas forças psicológicas, sociais e culturais ou, pelo menos, a sua liberdade terá ainda algum significado?

Na esteira de semelhante reflexão, esboçada já no Concílio Vaticano II (Gaudium et spes, 13), esta busca leva a reconhecer a última raiz dos muitos males que afligem o mundo e o homem num mal que o homem livremente comete diante de Deus, recusando o Seu amor, ou seja no pecado.

O pecado constitui a raiz da divisão entre o bem e o mal que o homem sente dentro do coração, mal que o leva facilmente ao corte com Deus, com os outros homens e com as coisas criadas, alienando-o assim de Deus, de si mesmo, dos outros e do que foi criado.

A mesma quotidiana experiência das tensões e lacerações internas e externas torna ainda mais aguda a aspiração do homem à liberdade interior e exterior das cadeias do pecado, como pressuposto de toda a outra verdadeira libertação. No fundo, o homem aspira à reconciliação consigo mesmo, com os outros e com a natureza, a qual se consegue com a fundamental e simultânea reconciliação com Deus através da conversão e da penitência.

A missão da Igreja é de vivificar esta consciência no interior da comunidade eclesial e levar o anúncio desta libertação ou salvação à humanidade.

II. O anúncio da reconciliação e da penitência

A esta situação que vê o homem alienado de Deus, e por isso dividido em si mesmo e em oposição com os outros e com o que foi criado, a Igreja tem a graça e a missão de oferecer uma resposta de esperança e salvação: a "boa notícia" da reconciliação que Deus mesmo oferece em Jesus Cristo por Sua iniciativa à humanidade.

Este anúncio é uma mensagem oferecida ao homem por Deus na Sua Palavra escrita, na Bíblia. Ele é recolhido no seu duplo movimento: como reconciliação que, por iniciativa do amor misericordioso de Deus, desce para o homem desviado pelo pecado, e como penitência que sobe do homem que se converteu em resposta à oferta de reconciliação dada por Deus.

É assim recapitulada brevemente toda a história da salvação do homem, criado por Deus e constituído num estado de interior justiça mas dela alheado com o pecado na sua íntima verdade; o homem incapaz de salvar-se sozinho, pelo quê o próprio Deus vem ao seu encontro enviando o Filho de Deus para o libertar da escravidão do pecado. Ê sintomático que Jesus Cristo inicie a própria missão pública na terra com o convite: "Convertei-vos e crede no Evangelho!" (Mc 1, 15). Ele foi levado à morte por meio dos pecados de todos; a cruz constitui assim o vértice de toda a história; com a cruz é destruída a alienação do homem a respeito de Deus, de si mesmo, dos outros e do que foi criado. Da morte e ressurreição de Cristo brota o homem novo, a "nova criatura", a comunidade humana nova, a nova relação com as realidades terrenas e com o cosmos. Acolher a acção de Deus, que reconcilia, significa ter novo sentido do Deus vivo e operante na história, e o sentido verdadeiro do pecado; significa conseguir uma clara visão do homem, dos seus valores e das suas exigências.

Deus oferece esta reconciliação e com ela uma paz abundante ("shalom" bíblico). Mas respeita a liberdade do homem e espera a sua resposta que se manifesta precisamente na conversão, na mudança interior de mentalidade (meta-noia) e na penitência.

A conversão é um processo complexo que o filho pródigo completa com o regresso ao pai que nunca deixou de o esperar; processo maravilhosamente descrito na Encíclica Dives in misericórdia. A penitência cristã é por isso um facto essencialmente pessoal, com uma própria estrutura antropológica (arrependimento, acusação dos pecados e reparação), mas que implica uma reconciliação sacramental, com consequências no campo social.

III. A Igreja, sacramento da reconciliação

É a parte especificamente pastoral, que vê a missão da Igreja em relação com a reconciliação e a penitência.

Cristo morreu pelos pecados do mundo: mas o acontecimento histórico é "actualizado" pela Igreja e na Igreja para oferecer concretamente a reconciliação de Deus a todas as gerações: "Deus que nos reconciliou consigo mediante Cristo — dirá São Paulo — confiou-nos o mistério da reconciliação".

A Igreja desempenha este ministério de três maneiras: no anúncio profético da reconciliação, na celebração sacramental da reconciliação, e no testemunho de uma vida reconciliada.

O anúncio diz respeito à verdade sobre o homem e à verdade sobre Deus. À luz da fé o homem é pecador; é fundamentalmente livre e responsável, capaz de escolher com base nos valores e nas normas; melhor, com as suas escolhas o homem constrói-se; não é porém capaz de salvar-se sozinho. (Também a literatura mundial oferece excelentes obras narrativas que analisam esta complexa verdade sobre o homem; pense-se unicamente em Dostojevskij, Bernanos, Graham Greene, etc.);

A verdade sobre Deus é consoladora: Ele mesmo, justo e rico de misericórdia, oferece ao homem a salvação e a reconciliação, corre atrás dele incansavelmente para o acolher arrependido e o encher de paz.

Deus significa e realiza a sua reconciliação primeiro no Baptismo, que é "renascimento" espiritual para a vida de Cristo, e depois no sacramento específico da Reconciliação para os baptizados pecadores, que é a Penitência no sentido sacramental. Todas as outras formas de conversão e penitência dirigem para o Sacramento. Além da tradicional tríade "oração-jejum-caridade", há formas modernas em que o homem pode exprimir o seu espírito de penitência, como: paciente suportação das provas, obras de misericórdia (vejam-se a este propósito as páginas maravilhosas da encíclica Dives in misericórdia), fidelidade aos deveres do próprio estado, autodomínio, aceitação das dificuldades provenientes do próprio trabalho e da convivência humana, mas sobretudo um estilo sóbrio e simples de vida quotidiana que não aceita as solicitações do consumismo e do hedonismo.

Pelo que diz respeito ao Sacramento da penitência, renovado na sua celebração depois do Concílio, hoje é necessário insistir em a confissão individual e completa, com a relativa absolvição, ser o modo ordinário, graças ao qual os fiéis se reconciliam com Deus e com a Igreja, a não ser que uma impossibilidade física ou moral justifique a falta de tal confissão; só para este último caso é possível conceder a absolvição colectiva a vários penitentes, sempre todavia com a obrigação para cada um de confessar individualmente os pecados na primeira ocasião.

Reafirma-se também a necessidade e exigência interior de confessar os pecados graves antes de a pessoa se aproximar da comunhão eucarística.

Renovados no espírito, os cristãos são convidados a dar o testemunho de uma vida reconciliada com Deus e com os irmãos, e a tornar-se, primeiramente com o seu comportamento e estilo de vida, verdadeiros realizadores de justiça e de paz na sociedade e no mundo.

Questões de actualidade

As ricas alusões teológico-pastorais são o convite a uma aprofundada reflexão das comunidades eclesiais e de cada um dos fiéis. Mas a reflexão não deve ficar abstracta. A força interior, que lhe provém da Palavra de Deus e da coerência com as aspirações mais profundas do homem, impele necessariamente para a verificação e o confronto com a realidade. As perguntas juntas a cada uma das três partes têm precisamente a função de impulso para o exame da situação concreta e para as propostas actualizantes. No fundo, o Sínodo começa assim a actuar na vida, antes ainda de ser celebrado como assembleia.

E as perguntas abrangem muitas vezes as raízes da situação actual. Por exemplo:

— Capta-se o nexo entre as divisões existentes na sociedade e a raiz delas no coração do homem?

— Quais são as causas que aumentam ou diminuem o sentido do pecado na vossa Igreja local?

— Os cristãos têm a consciência da possibilidade de melhorar o mundo mediante a obra de reconciliação da Igreja? Que é preciso fazer para formar tal consciência?

— Há experiências c propostas tendentes a fazer que se recebam com mais fruto o Sacramento da Penitência e a tornar tal sacramento mais largamente acessível?

— Como se comporta a comunidade dos crentes, ou a Igreja particular, nas relações com os irmãos separados e com o; outros crentes em Deus?

Uma mensagem de esperança

Através da "boa nova" sobre a reconciliação e sobre a penitência, toda a Igreja é chamada a levar desde agora ao homem moderno uma mensagem de fundada esperança, indicando os caminhos do renovamento dos espíritos no interior da Igreja e da sociedade. O futuro Sínodo será, mais uma vez ainda, instrumento deste serviço eclesial.

Como disse o Santo Padre ao Conselho da Secretaria Geral, "desse Sínodo pode certamente nascer uma nova e mais profunda consciência, entre os baptizados, daquela ofensa, que fazemos ao nosso baptismo ao pecar, e daquela perpétua benevolência e misericórdia divina, de que sempre necessitamos para ser fiéis à nossa vocação cristã na terra.

Mas também fora da Igreja muito pode aproveitar a todos os homens esta salvadora mensagem do perdão e da reconciliação fraterna, mensagem que será de novo explicada, desenvolvida e pronunciada pelo Sínodo dos Bispos no ano de 1983. Porque as angústias do nosso tempo, os erros mesmos das almas e, mais ainda, as dúvidas e os desesperos muito serão aliviados e diminuídos, se as pessoas recuperarem a verdadeira liberdade de espírito, se reconhecerem a própria natureza inclinada para o mal e simultaneamente vierem de Deus misericordioso a esperança certa, a luz da salvação.

 

Jozef Tomko
Secretário-Geral
do Sínodo dos Bispos

 

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