Sábado, 26 de Março de 2005
A liturgia da noite santa da Páscoa depois da bênção do círio
pascal começa com a procissão atrás da luz e em direcção à luz. Esta procissão
resume simbolicamente todo o caminho catecumenal e penitencial da Quaresma, que
retoma também o longo caminho de Israel no deserto rumo à terra prometida e
simboliza, igualmente o caminho da humanidade, que nas noites da história busca
a luz, busca o paraíso, busca a verdadeira vida, a reconciliação entre os povos,
entre céu e terra, a paz universal.
Desse modo, a procissão implica toda a história como proclamam
as palavras da bênção do círio pascal: "Cristo ontem e hoje. Princípio e fim...
A ele pertencem o tempo e os séculos. A ele a glória e o poder por todos os
séculos dos séculos". Mas a liturgia não se perde nas ideias gerais, não se
acontenta com as vagas utopias, oferece-nos porém indicações muito concretas
sobre o caminho a tomar e sobre a meta do nosso caminho. Israel no deserto foi
guiado de noite por uma coluna de fogo, durante o dia, por uma nuvem. A nossa
coluna de fogo, a nossa sagrada nuvem é Cristo ressuscitado, simbolizado pelo
círio pascal aceso. Cristo é a luz; Cristo é o caminho, a verdade e a vida;
seguindo Cristo, tendo fixo o olhar do nosso coração em Cristo, estamos na
estrada certa. Toda a pedagogia da liturgia quaresmal concretiza este imperativo
fundamental.
Seguir Cristo significa sobretudo estar atentos à sua palavra. A
participação na liturgia dominical, semana após semana, é necessária para cada
cristão exactamente para entrar numa verdadeira familiaridade com a palavra
divina: o homem não vive somente do pão ou do dinheiro ou da carreira, vive da
palavra de Deus que nos corrige, renova-nos, mostra-nos os verdadeiros valores
básicos do mundo e da sociedade: a palavra de Deus é o verdadeiro maná, o pão
do céu, que nos ensina a vida, a ser homens. Seguir Cristo implica ser atentos
aos seus mandamentos resumidos no duplo mandamento de amar a Deus e ao próximo
como a nós mesmos. Seguir Cristo significa ter compaixão dos sofredores, ter um
coração para com os pobres; significa ainda ter a coragem de defender a fé
contra as ideologias; ter confiança na Igreja e na sua interpretação e
concretização da palavra divina para as nossas actuais circunstâncias.
Seguir Cristo implica amar a sua Igreja, o seu corpo místico. Caminhando assim,
acendemos pequenas luzes no mundo, dissolvemos as trevas da história.
O caminho de Israel foi dirigido para a terra prometida. A
liturgia pascal é muito concreta nesse sentido. A sua meta são os sacramentos da
iniciação cristã: o baptismo a crisma a santa eucaristia.
Assim, a Igreja nos diz que estes sacramentos são a antecipação
do mundo novo, a sua presença antecipada na nossa vida. Na Igreja antiga o
Catecumenato era um caminho passo a passo em direcção ao baptismo: um caminho
de abertura dos sentidos, do coração, do intelecto a Deus, um aprendizado de um
novo estilo de vida, uma transformação do próprio ser na crescente amizade com
Cristo em companhia com todos os crentes. Assim, depois de diversas etapas de
purificação, de abertura, de conhecimento novo o acto sacramental do baptismo
era o dom definitivo de uma vida nova era morte e ressurreição, como diz S.
Paulo numa espécie de autobiografia espiritual:
"Fui crucificado junto com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu
que vivo, pois é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, eu a vivo
pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim" (Gl
2, 20). A ressurreição de Cristo não é simplesmente uma recordação de um facto
passado. Na noite pascal, no sacramento do baptismo realiza-se realmente a
ressurreição, a vitória sobre a morte. Por isso Jesus disse: "Quem escuta a
minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e... passou da
morte à vida" (Jo 5, 14). E, nesse mesmo sentido, diz a Marta: "Eu
sou a ressurreição e a vida..." (11, 25). Jesus é a ressurreição e a
vida eterna; na medida em que estamos unidos a Cristo, hoje mesmo já "...
passamos da morte para a vida", vivemos agora mesmo a vida eterna, que não é
apenas uma realidade que vem depois da morte, mas começa hoje na comunhão nossa
com Cristo. Passar da morte para a vida é, com o sacramento do Baptismo, o
núcleo real da liturgia nesta noite santa. Passar da morte para a vida é este o
caminho do qual Cristo abriu a porta, ao qual nos convida a celebração das
festas pascais.
Caros fiéis, a maior parte de nós recebeu o baptismo quando
criança, diferentemente destes cinco catecúmenos que agora se apresentam para
recebê-lo na idade adulta. Aqui estão prontos para proclamar em alta voz a sua
fé. Para a maioria de nós, porém, foram os nossos pais que anteciparam a nossa
fé. Deram-nos a vida biológica sem que pudéssemos perguntar se queríamos viver
ou não, convictos justamente de que viver é um bem, que a vida é um dom. Mas
estavam igualmente convencidos de que a vida biológica é um dom frágil, aliás,
num mundo marcado por tantos males, um dom ambíguo e torna-se verdadeiramente um
dom se se pode dar, ao mesmo momento, um remédio contra a morte, a comunhão com
a vida invencível, com Cristo. Juntamente com o dom frágil da vida biológica,
deram-nos a garantia da verdadeira vida, no baptismo. Cabe-nos agora
apropriarmo-nos desse dom, entrar sempre mais radicalmente na verdade do nosso
baptismo. A noite pascal nos convida cada ano a nos imergir novamente nas águas
do baptismo, a passar da morte para a vida, a nos tornarmos verdadeiros
cristãos.
"Ó tu que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos que
Cristo te iluminará", diz um antigo canto baptismal, retomado por S. Paulo na
carta aos Efésios (5, 14). "Ó tu que dormes, desperta ... e Cristo te
iluminará", diz hoje a Igreja a todos nós: Despertemo-nos do nosso cristianismo
cansado, sem motivação; levantemo-nos e sigamos Cristo a verdadeira luz, a
verdadeira vida.
Amém.