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CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS

REFLEXÕES DO CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS
NO CONTEXTO DA SEMANA DA ORAÇÃO
PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS 2003

ECUMENISMO, SANTIDADE E MISSÃO

 

Na Tertio millennio adveniente, João Paulo II afirma que "o ecumenismo dos santos e dos mártires é, talvez, o mais convincente" (TMA, n. 37). E, falando da necessidade de participar na obra ecuménica, ele recorda que "o restabelecimento da plena unidade entre os cristãos os ajudará a dar um testemunho cada vez mais eficaz e a proclamar, com maior credibilidade, o advento do Reino" (em:  "Insegnamenti", III/1, pág. 174). Exprimindo-se desta forma, o Santo Padre João Paulo II realça o vínculo íntimo e inseparável entre santidade, ecumenismo e missão:  uma trilogia que está a penetrar cada vez mais na vida e na espiritualidade do Povo de Deus. Considerando a sua grande importância e actualidade, este tema merece algumas reflexões.

1. O desafio ecuménico contemporâneo

1) Sem dúvida, o ecumenismo constitui um dos maiores desafios que a Igreja do terceiro milénio é chamada a enfrentar. O movimento ecuménico, suscitado e promovido pelo Concílio Vaticano  II,  é  uma  exigência  intrínseca  da sua própria vida. Com efeito, a Igreja de Cristo não é apenas "santa":  trata-se da Igreja "una, santa e católica", como diz o Símbolo da fé niceno-constantinopolitano. Consequentemente, o ecumenismo  não  é  um  acessório, uma questão mais ou menos importante, mas  um  dever  urgente  de todos os cristãos.

Antes de deixar este mundo, Jesus pediu ao Pai "que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti" (Jo 17, 21). A ninguém passa despercebido o significado eclesial desta profunda oração de Jesus na última Ceia, naquela intensa atmosfera de comunhão em que Ele instituiu o "sacramentum amoris", que constitui o seu testamento mais precioso; naquela refeição de despedida dos seus, antes de os deixar e voltar para o Pai, depois de ter cumprido a sua missão na terra.

A unidade pedida por Cristo para os seus discípulos constitui uma participação na unidade existente entre o Pai e o Filho:  "Como Tu estás em mim e Eu em ti"; uma reprodução ou, se quisermos, um reflexo visível da própria unidade trinitária. Portanto, os cristãos devem apresentar-se aos homens que se sucedem no tempo como "um povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (São Cipriano, De Orat. Dom. 23:  PL, 4, pág. 553).
É por esta unidade do seu Corpo místico que Cristo se oferece a si mesmo "em sacrifício" (cf. Jo 13, 1).

Devemos realçar o facto de que Jesus pede o dom da unidade não só para os discípulos que se sentam à mesa com Ele, para celebrar a Páscoa, mas "também para todos os que acreditarem em mim, depois de terem escutado a sua palavra" (Jo 17, 20) e, mediante o baptismo, formarem ao longo dos séculos o seu Corpo terrestre, que é a Igreja. Ele deu a sua vida por eles e por todos. Com efeito, morreu para "reunir os filhos dispersos" (Jo 11, 52).

É na Eucaristia, sacramento da "koinonia cristã", que se exprime e se realiza a plena unidade do Povo de Deus (cf. Lumen gentium, 3; cf. também 1 Cor 10, 17). Em lado algum como ao redor do altar ele parece, e é, perfeitamente um. O novo Povo messiânico, convocado pela Palavra na Celebração eucarística, proclama publicamente diante do mundo, que todos os seus membros tiram a sua vida de uma única fonte, de um único e mesmo pão, que desceu do céu (cf. Jo 6, 50), recebido numa fé conjunta e para uma esperança comum. A Igreja é una, porque uma só é a Eucaristia. Esta é a verdadeira fonte daquela (cf. Saraiva Martins, J., I Sacramenti dell'iniziazione cristiana, pp. 246-247).

2) Sem dúvida, a procura da unidade entre os cristãos alcançou progressos. A este propósito, a grande celebração jubilar registou, realça o Papa, "alguns sinais verdadeiramente proféticos e comoventes" (Novo millennio ineunte, 48). E no Discurso à Cúria Romana, no dia 2 do passado mês de Dezembro, por ocasião das boas-festas de Natal, ele falou dos "progressos que, também neste ano, foram alcançados ao longo do caminho ecuménico", embora, realçou ainda o Papa, "é necessário reconhecê-lo, não tenham faltado motivos de amargura". E na homilia de 31 de Dezembro de 2002, por ocasião do "Te Deum" e das primeiras Vésperas da solenidade de Maria Santíssima, Mãe de Deus, o Sumo Pontífice deu graças a Deus pelos "momentos significativos do nosso difícil caminho ecuménico". Com efeito, os cristãos mostram-se cada vez mais sensíveis à questão da unidade. Eles têm uma maior consciência da importância vital do diálogo ecuménico para a Igreja. E, por isso, é necessário dar graças ao Senhor que, através do seu Espírito, impele cada vez mais os discípulos de Cristo para a sua plena comunhão.

Todavia, o caminho ainda está repleto de dificuldades, tanto de ordem teológica como psicológica. "Os tristes legados do passado vão acompanhar-nos ainda para além do limiar do novo milénio" (Novo millennio ineunte, 48). Nem todos os obstáculos desapareceram. O caminho que se deve percorrer ainda é longo (cf. Ibidem).

Precisamente por isso, na proximidade do novo milénio, o Papa exortava vigorosamente a Igreja a "implorar ao Senhor que cresça a unidade de todos os cristãos nas diversas Confissões, até alcançar a plena comunhão" (Tertio millennio adveniente, 34). E na Novo millennio ineunte, ele volta a falar sobre este tema, para recordar que a plena unidade dos cristãos constitui um "dom que precisa de ser acolhido e fomentado de maneira cada vez mais profunda" (NMI, n. 48).

Em ordem a esta finalidade, não podemos esquecer que o "Ut unum sint" de Cristo deve ser, para nós, "simultaneamente imperativo que nos obriga, força que nos sustenta, salutar censura à nossa preguiça e mesquinhez de coração" (Novo millennio ineunte, 48); é necessária uma consciência cada vez mais clara da gravidade da divisão entre os cristãos e, por conseguinte, da urgência de restabelecer quanto antes a plena unidade entre eles:  "Cada dia que passa - afirma o Papa - torna a unidade mais urgente" (em:  "Insegnamenti", III/1, pág. 171); é preciso reagir, com renovado impulso, contra aquela que, às vezes, é definida como a "crise do ecumenismo"; é necessário olhar cada vez mais para as luzes do que para  as  sombras  (cf.  Discurso  à  Cúria Romana,  op.  cit.);  por  fim,  é  preciso "prosseguir confiadamente pelo caminho, suspirando pelo momento em que poderemos, com todos os discípulos de Cristo sem excepção, cantar juntos com toda a nossa voz:  "Como é bom e agradável viverem os irmãos em harmonia!" (Sl  133  [132],  1)"  (Novo  millennio ineunte, 48).

O compromisso ecuménico não pode deixar de empenhar toda a comunidade eclesial (cf. Ut unum sint, 82). Trata-se de uma tarefa irrenunciável, que pertence a todos os baptizados. Obviamente, cada um segundo o papel, o carisma e a competência que lhe são próprios. A solicitude pelo restabelecimento da união desejada por Cristo, lê-se na Unitatis redintegratio, "diz respeito a toda a Igreja, tanto aos fiéis como aos pastores, cada um segundo a sua própria capacidade, quer na vida quotidiana, quer nas investigações teológicas e históricas" (UR, n. 5).

O compromisso dos fiéis em benefício da unidade exige a sua adequada formação ecuménica. Ela levá-los-á não apenas a compreender melhor o verdadeiro alcance do ecumenismo, mas também a ser eficazes promotores do mesmo; não só a aprofundar a sua própria fé e a consolidá-la sem ambiguidades, mas também a conhecer melhor e a estimar os outros cristãos. E isto "não pode senão facilitar o compromisso conjunto da procura da unidade em toda a verdade" (Catechesi tradendae, 32). Efectivamente, para os católicos, o verdadeiro ecumenismo não pode consistir de modo algum na renúncia à sua própria fé, nem a uma parte da mesma. "O ecumenismo - afirma um autor - não se realiza mediante irenismos ou minimalismos teológicos" (L. Sartori, L'unità dei cristiani, Messaggero, Pádua, 1992, pág. 61). Pelo contrário, eles poriam fim ao verdadeiro ecumenismo.

2. Santidade e ecumenismo

Unidade dos cristãos e santidade não são duas realidades autónomas, independentes uma da outra. Ao contrário, elas constituem duas realidades intrinsecamente unidas entre si e absolutamente inseparáveis, dado que se compenetram e iluminam uma à outra. Trata-se de duas "características" essenciais da Igreja de Cristo, como se exprimem os manuais de eclesiologia. Ambas pertencem à mesma identidade da Igreja.

O caminho ecuménico - observa um bispo italiano - "não é uma obra de "engenharia eclesiológica", nem consiste na reunião de "fragmentos":  a "communio" é communio sanctorum, sanctarum rerum e de maneira fontal, Sancti. Cada passo dado estará sempre ligado ao amadurecimento desta dimensão "espiritual" de todos os membros da Igreja" (L. Chiarinelli, Valore ecumenico della santità, 2002, pág. 5). É o que nos recorda o Papa, quando afirma que, para apressar a alegria da comunhão plena com os irmãos ortodoxos, "é necessário... intensificar sobretudo o ecumenismo da oração e da santidade" (Discurso à Cúria Romana).

Por conseguinte, os verdadeiros protagonistas do ecumenismo não são os homens, mas o Espírito Santo e Santificador, que é também o Espírito de unidade. É Ele que faz de muitos um só corpo, um só coração e uma só alma, como acontecia nas primeiras comunidades cristãs (cf. Ef 4, 4; cf. Act 4, 32). "O ecumenismo, realçam os Bispos europeus, vive do facto que nós escutamos em conjunto a Palavra de Deus e deixamos que o Espírito Santo actue em nós e através de nós. Em virtude da graça assim recebida, realizam-se hoje múltiplos esforços, mediante orações e celebrações, orientadas para aprofundar a comunhão espiritual entre as Igrejas e para pregar a unidade visível da Igreja de Cristo" (Conselho da Conferência Episcopal da Europa, Conferência das Igrejas Europeias, "Charta Oecumenica", n. 5, em:  Il Regno 9, [2001], pág. 317).

1) De modo mais particular há que realçar, em primeiro lugar, o vínculo intrínseco entre ecumenismo e conversão, em que consiste, em última análise, a santidade cristã. Com efeito, santo é aquele que vive num contínuo estado de conversão a Cristo, que é a santidade encarnada do Deus "três vezes Santo". Conversão que o leva a identificar-se cada vez mais perfeitamente com Ele, até poder dizer, como o Apóstolo:  "Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl 8, 20).

O Concílio é mais explícito e categórico do que nunca, quando realça o profundo vínculo entre ecumenismo e conversão. "Não existe verdadeiro ecumenismo, lê-se na Unitatis redintegratio, sem conversão" (UR, n. 7); e mais ainda:  "A conversão do coração e a santidade de vida... devem ser consideradas como a alma de todo o movimento ecuménico e podem justamente chamar-se "ecumenismo espiritual"" (Unitatis redintegratio, 8). Esta relação fundamenta-se no facto de que "o desejo da unidade... nasce e amadurece a partir da renovação da mente, da abnegação de si mesmo e do pleno exercício da caridade... (Por isso) há que recordar que todos os fiéis promoverão tanto melhor, aliás, viverão a nível prático a unidade dos cristãos, quanto mais estudarem e levarem uma vida mais em conformidade com o Evangelho" (Ibid., n. 7), ou seja, uma vida santa.

João Paulo II não é menos claro a este propósito. Ele tem realçado com vigor,  muitas  vezes,  a  dimensão  espiritual  do ecumenismo,  em  particular o  seu  vínculo com a conversão do coração dos indivíduos e da própria Comunidade eclesial.

Já na Encíclica "Ut unum sint", sobre o compromisso ecuménico, o Sumo Pontífice afirma que a "conversão dos indivíduos cristãos e... a contínua reforma da Igreja, enquanto instituição também humana e terrena... constituem as condições preliminares de todo o empenho ecuménico. Um dos procedimentos fundamentais do diálogo ecuménico é o esforço de envolver as Comunidades cristãs neste espaço espiritual, completamente interior, onde Cristo, pelo poder do Espírito, as induz a todas, sem excepção, a examinarem-se diante do Pai e a interrogarem-se se foram fiéis ao seu desígnio sobre a Igreja" (Ut unum sint, 82).

Neste documento, o Papa fala, além disso, do ""diálogo da conversão", em que se encontra o fundamento interior do diálogo ecuménico", acrescentando que é na conversão que "se encontra a força para levar a bom termo a longa e árdua peregrinação ecuménica" (cf. ibidem), e que "a oração é a "alma" da renovação ecuménica e do anseio pela unidade, sobre ela se baseia e dela recebe apoio tudo aquilo que o Concílio define como "diálogo"" (Ibid., n. 28).

Estes conceitos sobre a dimensão espiritual do ecumenismo, ou seja, sobre a santidade e o diálogo ecuménico, são retomados pelo Papa na Novo millennio ineunte. Ele admoesta contra a tentação de "pensar que os resultados dependem da nossa capacidade de agir e programar. É certo que Deus nos pede uma real colaboração com a sua graça... mas ai de nós, se esquecermos que, "sem Cristo, nada podemos fazer" (cf. Jo 15, 5)" (Novo millennio ineunte, 38). E isto vale também para o ecumenismo. A unidade dos cristãos será sempre uma dádiva do Senhor, que devemos acolher com sentimentos de profunda gratidão; será sempre fruto da santidade dos discípulos de Cristo, porque ela é o húmus em que nasce, floresce e amadurece a unidade desejada e pedida por Cristo no cenáculo. Somente a santidade será capaz de "harmonizar a pluralidade da voz, numa sinfonia unitária de verdade e de amor", como afirma o actual Sumo Pontífice. Em síntese, somente uma Igreja santa nos seus membros será uma Igreja verdadeiramente una.

2) Isto significa que a santidade possui, em si mesma, um extraordinário valor ecuménico. Portanto, ela deve ser procurada e vivida também sob esta dimensão. É precisamente isto que fizeram os Santos e as Testemunhas da fé. Reflectindo, de maneira especial, no seu rosto o Rosto de Cristo e vivendo, em toda a sua radicalidade, o Evangelho da caridade e da reconciliação, eles oferecem um vigoroso testemunho de comunhão a todos os seus irmãos na fé, a todos os homens. Por conseguinte, os Santos são os promotores mais eficazes da desejada unidade entre os cristãos.

É o próprio Papa João Paulo II que realça o valor ecuménico da santidade quando, na Tertio millennio adveniente, afirma que o ecumenismo dos santos e dos mártires é, talvez, o mais convincente:  "A communio sanctorum fala com voz mais alta que os factores de divisão" (Tertio millennio adveniente, 37). Não há dúvida de que a linguagem da santidade e do martírio é, no campo ecuménico, a mais compreensível e a mais eficaz.

Recentemente, o papel ecuménico dos santos foi confirmado pelo Presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos. "Os santos, observava o Cardeal Walter Kasper, podem dar um renovado impulso inclusivamente ao ecumenismo. Uma das raízes do movimento ecuménico está na experiência conjunta das perseguições sofridas pelos cristãos das várias confissões (cf. A. Riccardi, Il secolo del martirio. I cristiani del novecento, Milão, 2000). A profunda recordação do testemunho de numerosos cristãos não pode permanecer infecunda, sob o ponto de vista ecuménico. Se o sangue dos mártires é semente de novos cristãos (Tertuliano), podemos confiar que o sangue comum, derramado pelas numerosas testemunhas das Igrejas separadas, vai tornar-se semente de unidade para aquelas mesmas Igrejas. A lei do grão de trigo vale também a propósito do movimento ecuménico. Caindo na terra e morrendo, este grão produz muito fruto (cf. Jo 12, 24). O Papa João Paulo II possui o mérito de ter chamado a atenção para a dimensão martirológica do ecumenismo, por ocasião da comemoração ecuménica das testemunhas [da fé] do século XX" (W. Kasper, Il significato ecumenico della venerazione dei Santi, pág. 9).

Quando se fala do valor ecuménico da santidade deve recordar-se, em virtude da sua importância e significado, a Beata Maria Gabriela Sagheddu, elevada às honras dos altares pelo actual Sumo Pontífice, no dia 25 de Janeiro de 1983. Esta humilde religiosa trapista viveu com particular intensidade a dimensão ecuménica da santidade. A Encíclica Ut unum sint realça que ela "dedicou a existência à meditação e à oração, centradas no capítulo 17 do Evangelho de São João, oferecendo-as pela unidade dos cristãos. Está aqui o fulcro de toda a oração:  a oferta total e sem reservas da própria vida ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo" (Ut unum sint, 27). Por este motivo, o Papa quis propô-la como modelo. Com efeito, o seu exemplo "ensina-nos e faz-nos compreender que não existem tempos, situações ou lugares particulares para rezar pela unidade. A oração de Cristo ao Pai é modelo para todos, sempre e em qualquer lugar" (Ibidem).
Que Deus mande à sua Igreja muitos santos que, a exemplo da Beata Maria Gabriela Sagheddu, vivam plenamente a perspectiva ecuménica da santidade, oferecendo  desta  maneira  uma  preciosa contribuição para a unidade dos cristãos.

3. Ecumenismo e missão

Tudo quanto dissemos antes nos leva a reflectir sobre o terceiro aspecto do ecumenismo:  a sua relação com a missão evangelizadora da Igreja. O Concílio Vaticano II é mais claro do que nunca, quando confirma isto. No pensamento dos Padres conciliares, a Unitatis redintegratio é um texto que está intimamente ligado ao do Ad gentes, sobre a actividade missionária da Igreja. Trata-se de dois momentos de uma única abordagem sobre o anúncio da Boa Nova aos homens do nosso tempo. Considerá-los como dois documentos autónomos, independentes um do outro, equivaleria a renunciar à compreensão do verdadeiro conteúdo e do autêntico alcance tanto do primeiro como do segundo.

1) O vínculo entre ecumenismo e missão é, em primeiro lugar, de ordem "genética", no sentido que o movimento ecuménico nasceu e se desenvolveu em estreita relação com os problemas da evangelização, e que a ideia ecuménica adquiriu consistência e se difundiu no seio da Igreja, contemporaneamente a uma progressiva e cada vez mais profunda consciência da sua vocação essencialmente missionária. A este propósito, é mais significativo do que nunca que tenha sido o próprio Papa Bento XV a considerar a obra ecuménica como "um dom de Deus para o mundo" e a promulgar a primeira grande Encíclica missionária dos tempos modernos:  a "Divinum illud" (30 de Novembro de 1919:  AAS, XI [1919], pp. 440-455); como o é também o facto de ter sido precisamente o Papa João XXIII, segundo o Padre Ch. Boyer, a introduzir de maneira oficial o ecumenismo na Igreja (cf. Ch. Boyer, L'ecumenismo nella Chiesa cattolica, em:  "Via, Verità e Vita", 6, 1966, pág. 27) e a oferecer-lhe outra grande Encíclica missionária:  a "Princeps pastorum" (AAS, 51 [1959], pp. 833-864).

Não nos deve impressionar o facto de que o ecumenismo teve origem e foi valorizado no âmbito da missão. Com efeito, é enquanto proclama o Evangelho do amor e da reconciliação, que a Igreja é levada a interrogar-se, com urgência e força particulares mais comprometedora do que nunca se a situação concreta corresponde ou não ao imperativo de unidade que, por expresso desejo de Cristo, faz parte da sua própria natureza, como Comunidade de salvação. Além disso, é no campo concreto da missão que ela se dá particularmente conta do absurdo da divisão dos cristãos e do doloroso escândalo que isso provoca num mundo, como o contemporâneo que, apesar de tudo, parece caminhar, embora não desprovido de dificuldades, para uma unidade cada vez maior nos vários sectores da vida:  social, cultural e económico.

Portanto, é normal que seja precisamente no campo da missão, onde a Igreja sente mais vivo, forte e urgente o anseio de alcançar quanto antes a suspirada unidade dos cristãos.

2) A relação entre ecumenismo e missão fundamenta-se, em segundo lugar, no facto de que a divisão dos cristãos "impede... a causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas" (Unitatis redintegratio, 1). Trata-se de um pensamento que surge espontaneamente e que é realçado no Decreto sobre a actividade missionária da Igreja, segundo o qual "a divisão dos cristãos é... de grave prejuízo para a santa causa do feliz anúncio a todos os homens e impede que numerosas pessoas abracem a fé" (Ad gentes, 6; cf. n. 77).

E isto porque cada divisão entre os discípulos de Cristo tira força, impulso e, portanto, eficácia e credibilidade à sua palavra missionária. Foi o próprio Jesus que o disse quando, na sua oração "pro unitate", pediu ao Pai que os acreditam nele "sejam perfeitos na unidade, a fim de que o mundo creia que Tu me enviaste e os amaste, como me amaste a mim" (Jo 17, 21).

À luz da oração de Jesus, e reflectindo sobre o pensamento conciliar, o Papa Paulo VI assim se expressava a este propósito:  "A força da evangelização virá a encontrar-se muito diminuída, se aqueles que anunciam o Evangelho estiverem divididos entre si, por toda a espécie de rupturas. Não residirá nisto uma das grandes adversidades da evangelização nos dias de hoje? Na realidade, se o Evangelho que nós proclamamos se apresenta ferido por discussões doutrinais, polarizações ideológicas, ou condenações recíprocas entre cristãos, ao capricho das suas diferentes teorias sobre Cristo e sobre a Igreja... como não poderiam aqueles a quem a nossa pregação se dirige, deixar de se sentir perturbados, desorientados, se não mesmo escandalizados? (...) Sim, a sorte da evangelização anda, sem dúvida, ligada ao testemunho de unidade dado pela Igreja" (Evangelii nuntiandi, 77).

Obviamente, as palavras do Papa Montini valem não apenas para a unidade interna da Igreja católica mas, outrossim, para a unidade entre todos os crentes de Cristo e Ele, inseridos no baptismo. Somente se estiverem unidos, eles se tornarão plenamente credíveis aos olhos do homem contemporâneo. De modo particular, a Igreja será sempre plenamente credível no seu anúncio de Cristo morto e ressuscitado, na medida em que for "um só corpo e um só espírito" (Ef 4, 4), na medida em que tiver "um só coração e uma só alma" (Act 4, 32), como as primeiras comunidades cristãs. Por conseguinte, o ecumenismo possui uma dimensão profundamente missionária, assim como a missão possui uma dimensão profundamente ecuménica.

Isto não faz senão realçar a urgência de uma acção ecuménica cada vez mais intensa e corajosa. Por conseguinte, o diálogo ecuménico deve constituir uma das prioridades pastorais da Igreja do terceiro milénio. Está em jogo a própria causa do Evangelho e a eficácia do anúncio do Reino de Deus ao homem contemporâneo. Com efeito, o restabelecimento da plena unidade entre os cristãos "fará com que eles mesmos sejam capazes... de proclamar com maior credibilidade o advento do Reino" (João Paulo II, em:  "Insegnamenti", III/1 [1980], pág. 174).

Estes são os temas sobre os quais a semana de oração pela unidade dos cristãos nos convida a meditar em cada ano. Trata-se de uma reflexão que deve ser acompanhada e animada por uma oração cada vez mais intensa ao Senhor para que, superando todas as divergências, os discípulos de Jesus possam finalmente, com um só coração e uma só alma, celebrar e participar juntos na única Eucaristia, fonte e expressão visível da perfeita unidade do Povo de Deus.

 

 

 

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